Ciro Gomes está arrumando as malas. Há roupas jogadas por todos os cantos do apartamento onde ele mora com a musa Patrícia Pillar, na Academia de Tênis de Brasília. Apesar de confortáveis, suas instalações são precárias. ?Estou só de passagem, prefiro ficar em hotel?, explica. São 9 horas da manhã de quinta-feira 26 e o ministro da Integração Nacional se prepara para viajar com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Vão juntos a Belém. Ciro leva na bagagem uma pesquisa de opinião que o aponta como candidato favorito na campanha deste ano para a Prefeitura de Fortaleza. Quer exibir os números ao presidente. Em qualquer simulação, ele fica na frente, com cerca de 40% dos votos, entre oito e dez pontos percentuais à frente dos adversários. ?Meu íntimo está me empurrando para Fortaleza?, confessa. ?A cidade está de cabeça para baixo e a sociedade não agüenta a corrupção desbragada. Quero botar ordem na casa.? A decisão de sair do governo já está tomada? ?Não?, responde Ciro enfático. ?Vou ter que tomá-la junto com o presidente.? Os bons números nas pesquisas contrastam com a escassez de verbas de seu ministério. Ciro tomou posse no governo Lula com 300 obras em andamento para tocar. Ano passado, arrumou recursos para 12 delas. Este ano, há R$ 754 milhões para mais 26 obras. ?Ficam faltando só 262 obras?, brinca o ministro.

Mesmo insatisfeito com os cortes, Ciro evitou demonstrar publicamente seu descontentamento e ganhou elogios de Lula pela lealdade. Mas os dois já haviam discutido uma eventual saída do governo em dezembro. ?Há um movimento das bases para eu voltar?, ensaiou Ciro. ?Você está louco, preciso de você aqui?, retrucou o chefe. Nesta sexta-feira 5 de março, Lula e Ciro viajam juntos para o Ceará e o Piauí. Serão dois dias juntos conversando sobre o futuro do ministro. Ex-governador do Ceará, ex-ministro da Fazenda, ex-candidato à presidência da República pelo PPS, aos 46 anos, Ciro Gomes parece estar de fato numa encruzilhada. O senador Tasso Jereissati, adversário do PSDB, declarou durante o Carnaval que, se ele for mesmo candidato a prefeito, terá seu apoio. Já o prefeito de Sobral, Cid Gomes, irmão de Ciro e hoje seu principal mentor, é contra. ?Se ele ganhar, acrescenta pouco à biografia; se perder, será um desastre?, explica. Com a palavra, o próprio Ciro: ?O desafio no ministério é politicamente muito maior do que na Prefeitura?, pondera. ?Além disso, estou me sentindo participativo no governo. Ainda que modestamente?. Modestamente? É exatamente essa a palavra que está pegando para Ciro, segundo seus confidentes. Abatido na campanha presidencial, Ciro Gomes está tendo uma atuação excessivamente modesta ? até apagada ? no governo Lula. Seu grande projeto no governo era ressuscitar as velhas Sudene e a Sudam. Sem dinheiro, até agora as superintendências não saíram do papel. Outra grande promessa de Lula é que Ciro tocaria as obras de transposição do rio São Francisco. O projeto está trancado a sete chaves no Palácio do Planalto.

Das poucas obras que conseguiu tocar, Ciro orgulha-se do açude do Castanhão, no Ceará, maior que a Baía de Guanabara, que vai abastecer de água potável 25 cidades do Estado. Iniciada há nove anos, a obra já consumiu R$ 460 milhões ? apenas R$ 25 milhões liberados pelo atual governo. ?O Castanhão já salvou 300 mil pessoas da última enchente?, diz Ciro. Talvez Lula vá inaugurá-lo nesta sexta-feira 5. Outra obra de Ciro é um projeto de irrigação em Parnaíba, Piauí. Começou em 1987 e já consumiu R$ 62 milhões ? somente R$ 2 milhões liberados pelo atual governo. Lula vai inaugurar a primeira etapa do projeto neste final de semana. Vai beneficiar 26 empresas e 75 famílias. Isso mesmo: 26 empresas e 75 famílias. ?Mas também vai criar 733 empregos diretos e 1.466 indiretos?, calcula Eudoro Santana, diretor do Departamento Nacional de Obras Contra a Seca, o DNOCS. É evidente que há obras mais vistosas sendo tocadas por Ciro Gomes. ?A adutora de Jucazinho (em Caruaru, Pernambuco) leva água para 23 municípios e 800 mil pessoas?, lembra o ministro.

Sentado no sofá, Ciro cruza os braços. Mostra-se incomodado em conversar sobre seu ministério. Prefere falar de economia. ?Podemos crescer até 4% este ano e com isso aumentar as verbas de investimento?, diz (leia sua entrevista ao lado). Mas lembra que ?quando o juro real põe-se acima da média de rentabilidade do negócio, a economia pára?. E qual a sensação de obedecer ao antigo adversário? ?Lula era o único entre nós com a energia para a mudança; eu ou o Serra governaríamos sob forte contestação?, responde. Ciro cerra os dentes e levanta a voz ao falar de José Serra. ?Ele é um tatu em cima do toco?. Como assim? ?Tatu não sobe em toco, alguém colocou ele lá. Serra não lidera nada, sempre foi um aproveitador burocrático do esforço alheio.? Ciro quer briga. ?Pode escrever o que eu disse. E se o Serra não gostar, que se exploda.? Pelo jeito, as feridas da corrida presidencial ainda não cicatrizaram.

?Palocci é quem manda?
DINHEIRO ? Como ex-ministro da Fazenda, o sr. esperava influir na economia?
CIRO ? ?Olha, só podemos ter uma única liderança nessa área, e o escolhido foi o Palocci. O rumo é dado unicamente por ele e, para não haver dubiedade, só dou minhas opiniões para o Lula ou nos foros liderados pelo Palocci.?
Mas o que o governo pode fazer para a retomada do crescimento?
?Há uma guilhotina em todo o mundo: quando o juro real põe-se acima da média de rentabilidade dos negócios, a economia pára. Por isso existem muitos setores agonizando. Mas só baixar juros não resolve; juro é a febre, mas temos uma infecção.?

E qual a Selic ideal?
?Não vou cair nessa.?

O que resolve a infecção?
?Tem que combinar juros, tecnologia e escala. Em setores como o eletroeletrônico, o componente escala é o mais sensível. Tecnologia também, mas os juros não pegam eles. No setor de química, os juros têm relevância, mas o grande problema é a escala. A tecnologia pode ser resolvida fácil, já que 70% das patentes de remédios estão vencidas. No setor de bens de capital, a escala é o gargalo central, seguido do financiamento. Enfim, cada setor deve ser tratado de forma diferente.?

O que um empresário deve fazer para sobreviver no atual ambiente econômico?
?Imitar o vice José Alencar. Ele é melhor que o Antônio Ermírio, que perde 30% do lucro para os bancos. O Alencar se expande há 30 anos com capital próprio. Ele está sempre buscando a ponta tecnológica, tem escala mundial e, principalmente, não se endivida. O Alencar incorpora toda a margem que em outras empresas é absorvida pelos bancos.?