21/03/2007 - 7:00
Desde o último dia 7 de março o Carrefour não vive mais em paz. A segunda maior rede de supermercados do mundo, com 1,8 mil lojas e 436 mil funcionários, vem passando, nas últimas semanas, por turbulências que podem afetar não só sua estratégia mundial de mercado como também sua identidade. As confusões envolvem jogadas secretas com ações da empresa, demissão de presidente, entrada de novos sócios e a possível venda de participação da família controladora. Não está descartada, por exemplo, uma fusão com o bilionário grupo indiano Reliance Industries, que atua em ramos tão variados quanto o varejo, petroquímica e indústria têxtil. O mercado acionário, sensível a qualquer notícia de mudanças estratégicas em grandes empresas, deu o sinal de curto prazo: com todas essas novidades, as ações da rede francesa chegaram ao mais alto nível desde julho de 2002. É um indicativo de que a troca de comando talvez seja a melhor saída para a companhia que vem crescendo menos do que poderia em mercados-chave, incluindo o Brasil ? sua maior operação na América Latina.
ARNAULT, DONO DA LVMH Estou feliz com a compra de 9,8% das ações. Foi um investimento estratégico, feito para durar
O imbróglio todo começou na França, com a descoberta de que o presidente do conselho de administração do Carrefour, Luc Vandevelde, estava, há algumas semanas, armando uma jogada com ações da empresa. Ele ? que representava a família majoritária na companhia, os Halley, donos de 13% do capital ? teria comprado 10 milhões de euros (ou US$ 13,2 milhões) em papéis da empresa para explorar uma oferta de compra que um fundo de investimentos teria feito pela rede. Vandevelde acreditava que sua informação privilegiada renderia dividendos. Acontece que, segundo analistas de mercado franceses, a família foi contrária ao negócio. E o pior para Vandevelde é que seu plano secreto foi descoberto ? o que azedou as relações com os Halley, culminando em sua demissão na manhã do dia 7 de março. Em seu lugar, assumiu Robert Halley, 71 anos, patriarca da dinastia. No mesmo dia, à tarde, o homem mais rico da França, Bernard Arnault, dono da LVMH, o conglomerado que tem sob seu guarda-chuva marcas como Christian Dior, Fendi, Kenzo, Givenchi, soltou a notícia avassaladora: em parceria com o fundo americano de investimentos Colony Capital, o magnata anunciou a compra de 9,8% das ações do Carrefour, se tornando o segundo maior acionista da companhia. ?Estamos felizes porque é um investimento estratégico e feito para durar?, disse Arnault, em comunicado oficial. O problema é que não se sabe por que o dono da Louis Vuitton quis entrar para o ramo de supermercados e que estratégias tem em mente. Nem o milionário deu pistas disso, nem a lei francesa o obriga a relatar o que pretende, já que a declaração de intenções é obrigatória na França apenas para detentores de mais de 10% de participação. As mesmas dúvidas pairam sobre a família Halley. ?Nem mesmo a família sabia da intenção de Arnault. Eles foram informados depois de o negócio ter sido fechado?, disse um porta-voz da LVMH.
E NO BRASIL Rede perdeu a liderança e cresceu bem menos que os rivais
Mas há indícios sobre a direção que Arnault deve dar ao Carrefour. Como o Colony é especializado em investimentos no mercado de imóveis, o foco estratégico dos novos acionistas pode estar no patrimônio imobiliário da empresa francesa: mais de seis milhões de metros quadrados, sendo 80% na Europa e o restante na América Latina. Tamanha propriedade, estimada entre US$ 20 bilhões e US$ 26 bilhões, poderia ser ? em parte ou totalmente ? vendida, negociada por meio de leasing ou até se tornar objeto de um IPO: haveria uma divisão acionária e o patrimônio imobiliário poderia ser negociado em bolsa, como uma empresa independente. Reticente, o espanhol José Luis Durán, presidente executivo do Carrefour, teve que se pronunciar sobre o assunto no dia seguinte, em uma conferência telefônica para anunciar os resultados de 2006 (US$ 2,9 bilhões em lucros, com 3,3% de crescimento). O presidente admitiu que os imóveis do grupo podem ?servir de vetor de criação de valor para os acionistas?, mas insistiu em que ?não se pode desvincular esses ativos do funcionamento operativo do Carrefour?. Segundo ele, todos os grupos varejistas do mundo mantêm o controle de seus bens imóveis. ?Uma divisão acionária poderia afetar negativamente as margens de lucro das lojas, caso tenham que pagar aluguel.?
VANDEVELDE, EX-CHAIRMAIN Operações secretas com ações resultou em demissão
Esse aumento de custos, para ele, seria o fim. No cargo desde fevereiro de 2005, Durán tem como principal característica de sua gestão o corte de despesas espartano e o foco em preços baixos e promoções agressivas. Atribuem-se a ele os rumores de que a operação no Brasil seria fechada, como fez no México, Chile e Japão. ?Nunca ouvi falar disso?, disse o diretor financeiro do Carrefour no Brasil, Stephane Kalloudof. ?A operação brasileira é prioridade para o grupo?, acrescenta ele. Prova disso, segundo o executivo, são as aberturas previstas para 2007. Serão duas lojas Carrefour Bairro, de 15 a 20 hipermercados, e a novidade: 50 drogarias Carrefour. ?Entre 2005 e 2006 investimos R$ 1,5 bilhão no País. Para os próximos três anos, serão R$ 2 bilhões, sendo algo entre R$ 600 milhões e R$ 800 milhões só em 2007?, afirma Kalloudof. É uma forma de tentar recuperar o mercado perdido nos últimos tempos. Em 2000, os franceses cederam a liderança para o Pão de Açúcar. E nos últimos cinco anos, enquanto o Pão de Açúcar saiu de um faturamento de R$ 9 bilhões para R$ 16 bilhões e o Wal-Mart cresceu dez vezes, atingindo vendas de R$ 12 bilhões, o Carrefour foi o que menos avançou. Suas receitas pularam de R$ 9 bilhões para R$ 12 bilhões. Foi isso que acendeu a luz amarela na filial.
O que o Carrefour precisa, na verdade, é de agilidade. ?Todas as grandes redes varejistas do mundo estão operando em outros formatos?, diz o consultor de varejo Eugênio Foganholo. ?A britânica Tesco, por exemplo, tem sete formatos diferentes de loja, para atender às diversas necessidades do consumidor moderno, que uma hora precisa só repor uma compra e em outra, precisa de algo maior. O Carrefour, ao contrário, ainda está muito concentrado nos hipermercados, tanto no Brasil quanto nos outros países.? Kalloudof admite isso. Foi por essa razão que a empresa ? apesar de ter aberto dez novos hipers ? fechou outros 34 no ano passado. ?Em 2006 transformamos 34 lojas Champion, de supermercados, em Carrefour Bairro, que são as lojas de pequeno varejo ? o setor que mais vem crescendo.? Apesar de toda a convicção de Kalloudof nos negócios no Brasil, as mudanças na França provocam incertezas. O executivo diz que, por convenção interna, as subsidiárias não comentam o que acontece na sede. O fato é que tanta mudança na direção de uma empresa é capaz de deixar vulnerável até a mais sólida das companhias. E com o Carrefour não demorou muito para isso acontecer. Na última quarta-feira 14, um dos maiores grupos privados da Índia, o Reliance Industries, anunciou o interesse em comprar parte do Carrefour ou fazer uma joint venture com a companhia, segundo disse um executivo indiano à agência de notícias France-Presse. O Reliance, que lucrou US$ 2 bilhões em 2006, teria bala na agulha para fechar o negócio. ?A família Halley está disposta a vender seus 13%?, afirmou o indiano. Os acionistas majoritários levariam US$ 6,5 bilhões na venda de sua participação. O Carrefour, entretanto, negou as conversações com o Reliance. É mais uma informação furtiva nesse supermercado de confusões. Em tempo: a tradução para Carrefour é encruzilhada. Existe melhor palavra para definir o atual momento da rede?
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R$ 2 bilhões é quanto a rede vai investir no Brasil até 2010. Do total, R$ 800 milhões serão aplicados neste ano na abertura de lojas. |