02/11/2005 - 8:00
Até bem pouco tempo atrás nada parecia parar o grupo Pão de Açúcar. Líder do varejo nacional, lucro sobre lucro a cada ano, expansão em ritmo frenético para todas as regiões do Brasil, parceria com os franceses do Casino, enfim, a rede de Abílio Diniz voava baixo. Mas o Pão de Açúcar parou na semana passada. Parou para fazer um balanço de suas contas e descobriu que era preciso arrumar a casa e colocar em prática um agressivo plano de reestruturação. Vem aí o OBZ (Orçamento Base Zero), ferramenta de gestão totalmente focada em resultados, que prevê corte de custos e um modelo gerencial agressivo. O sistema ficou conhecido principalmente quando foi implementado na Ambev, fazendo a fabricante de cervejas diminuir, em apenas um ano, R$ 152 milhões em gastos fixos. A idéia do grupo de Abílio Diniz é fazer todos os anos o orçamento a partir do zero, eliminando o contágio de estruturas inchadas. Traduzindo: deixar de lado a prática de montar orçamentos com base no histórico do ano anterior e detectar as reais necessidades de cada um dos departamentos, áreas e unidades de negócios. ?É uma poderosa ferramenta de gestão, de busca de eficiência e não só de corte de custos. E quando cito eventuais cortes não estou falando de pessoas. Não há plano definido de enxugamento do quadro de funcionários?, garante Enéas Pestana, diretor do grupo.
“O Pão de Açúcar sempre teve a característica de antever os cenários do varejo. E sabe que a competição está cada vez mais acirrada. Por isso a necessidade de parar e arrumar a casa?, diz um consultor que há anos acompanha o setor. ?Na parte operacional e administrativa do Pão de Açúcar há espaço para enxugar. Existem, por exemplo, diretorias próprias para cada bandeira de supermercado. É uma descentralização em excesso?. O Pão de Açúcar sabe que é preciso encontrar sinergias maiores entre as bandeiras. Não por acaso, a empresa estaria pensando em unir diretorias para racionalizar os cargos. Também está criando uma central de serviços compartilhados e uma central de compra de material. E embora Pestana garanta que não haverá demissões, analistas acreditam ser impossível evitar cortes de pessoal. Uma das principais críticas à rede de Abílio é sua pesada folha de pagamentos, com 63,5 mil funcionários. ?Acredito que o grupo terá de cortar 10% de seu pessoal?, avalia o consultor.
Esse ajuste que Abílio Diniz está fazendo reflete o momento de competição acirrada vivida pelo varejo. Nos anos de inflação, a ineficiência era corrigida pela remarcação de preços. Hoje, em um ambiente estável, não há mais espaço para abusos e as empresas são obrigadas a fazer suas margens de lucro com gestão operacional azeitada. ?As redes passaram a usar como referência o preço de mercado, fruto da concorrência. Atualmente, mesmo que precisem, elas evitam aumentar preço?, afirma Cláudio Felisoni, coordenador do Programa de Administração de Varejo da Fundação Instituto de Administração (FIA). Os números de setembro mostram que as vendas do Pão de Açúcar, deflacionadas pelo índice geral de preços IPCA, apresentaram queda de 6,1%. Mas esta não é uma situação exclusiva do grupo. De acordo com a Abras, o varejo todo experimentou uma redução de vendas. Mas por que a tal rivalidade dos supermercados se acirrou agora? A resposta é: Wal Mart. A rede norte-americana, maior empresa do mundo, começou a incomodar também por aqui. Avançou pelo sul do País com o Sonae e comprou o Bom Preço no Nordeste. ?Isso motivou os demais concorrentes a se mexerem?, diz Felisoni.
De fato. O grupo de Abílio Diniz já começou uma nova ofensiva no Nordeste. Com a bandeira Pão de Açúcar foram cinco novas lojas inauguradas no último semestre. O Extra também abriu três lojas na região. Os investimentos totais somaram R$ 115 milhões. ?Terminaremos 2005 com investimentos de R$ 500 milhões?, avisa Pestana. ?O que estamos fazendo agora é só um ajuste operacional?. Além de arrumar a casa, Abílio Diniz precisa agora resolver outro problema: definir quem ocupará o cargo de presidente do grupo, vago desde a saída de Augusto Cruz. Alguns nomes foram cogitados, como Ivan Zurita, da Nestlé, e Antônio Maciel, da Ford. Ambos declinaram. ?São profissionais que trabalham em multinacionais e que têm chefes a quilômetros de distância. Trocariam isso por um chefe na sala ao lado??, questiona um executivo que trabalhou no Pão de Açúcar. ?Ninguém quer pegar uma caneta sem tinta. Na rede de Abílio, quem assina é só ele?, endossa outro ex-funcionário da rede. A busca pelo presidente continua ? e pela eficiência também.