Rua Samuel Klein, 83, Centro de São Caetano do Sul (SP). Durante mais de cinco décadas, esse endereço foi a matriz do comércio varejista do País. A discreta sede da rede Casas Bahia, em frente à estação de trem e um terminal de ônibus municipal, abrigou algumas das mais importantes decisões que moldaram o varejo desde a década de 1950. Era no último andar daquele edifício que o empresário judeu-polonês Samuel Klein (1923-2014), junto de seu filho Michael, definia as estratégias para consolidar a empresa como a líder absoluta do setor no País. Deu certo. Campanhas publicitárias intensas, crédito para quase todos que cruzavam a porta e parcelamentos no carnê em longos 12, 18 ou 24 meses transformaram a empresa em uma fábrica de lucro.

Mas tudo isso ficou na história. Nos últimos anos, a empresa é fonte de maus resultados. Péssimos. Desde 2020, o valor de mercado da companhia desabou mais R$ 32 bilhões.

Em três anos, o cenário é ainda pior. As ações que chegaram a valer R$ 20,50 em 1º agosto de 2020, eram negociadas a R$ 0,57 na quinta-feira (5) ­— uma queda livre de 97,2%.

Só em setembro, o tombo foi de 50%. Uma crise sem precedentes. Sob o comando do CEO Renato Franklin (ex-Movida) há seis meses, a empresa colocou em prática um profundo plano de reestruturação.

No mês passado, anunciou que vai fechar até 100 lojas físicas e demitir cerca de 6 mil funcionários, além de planejar reduzir até R$ 1 bilhão em seus estoques, deixando os produtos menos lucrativos apenas nos canais de venda on-line.

Michael Klein articulou a volta da empresa para São Caetano e passou a dividir o tempo entre a varejista e seus outros negócios

As mudanças em curso ocorrem por dentro e por fora. O nome do grupo, Via, que antes era Via Varejo (desde 2010, quando houve a fusão com o Ponto, do Grupo Pão de Açúcar), volta a ser Grupo Casas Bahia.

O código de negociação das ações da companhia na bolsa de valores, a B3, passa a ser BHIA3.

A companhia promoveu também um aumento de capital, liberando quase 780 milhões de novas ações no mercado, que tinham o objetivo de levantar R$ 1 bilhão para os cofres da companhia. A oferta de ações, no entanto, captou um valor bem menor: pouco mais de R$ 620 milhões.

A empresa teve recentemente a nota de crédito de títulos de dívida fortemente rebaixados pela agência de classificação de risco S&P, um evento que pode levar ao vencimento antecipado de dívidas num efeito cascata, comprometendo parte dos recursos levantados com a oferta de ações e a estratégia da empresa como um todo.

Por causa de tudo isso, a ordem é ressuscitar parte do antigo modelo de negócio. Até o tradicional slogan da Casas Bahia foi resgatado: “Dedicação total a você”.

O retorno às origens é uma tentativa de estancar a sangria financeira. Apenas no segundo trimestre de 2023, a empresa contabilizou um prejuízo líquido de R$ 492 milhões, o quarto trimestre consecutivo de prejuízo.

Ao que tudo indica, a mudança é uma tentativa de reposicionar a marca e resgatar o lugar de destaque que ocupava no imaginário popular. Procurado pela DINHEIRO, o CEO Renato Franklin não concedeu entrevista. Segundo a assessoria de imprensa da companhia, o executivo estava viajando a semana toda.

R$ 1 bi era o valor que a empresa planeja levantar no follow-on na bolsa, mas só conseguiu captar r$ 620 milhões

Analistas pontuam desafios

Para o economista João Lucas Tonello, analista da corretora Benndorf Research, o desafio da empresa é conseguir dar lucro e melhorar margem em um cenário mundial de inflação com juros alto. “Poucas alternativas existem para o ativo, senão resistir ao momento tentando aumentar sua venda bruta”, disse.

Por isso, para ele, as ações são quase caso perdido, já que para recuperar o patrimônio de uma queda de 90% é necessária uma valorização de incríveis 900%. “Seguimos vendedores no ativo e acreditando em maiores problemas”, afirmou. “E o maior problema, a meu ver, é a credibilidade do setor que acabou perante bons investidores. Pegou-se uma fama de que a empresa não consegue gerar lucros de forma consistente e no longo prazo. Dessa forma, prejudicou a credibilidade no ativo, similar ao que aconteceu com IRBR3 [resseguradora] na época da fraude contábil.”

O veneno que está matando a Casas Bahia, segundo Fernando Moulin, partner da Sponsorb e especialista em varejo, é a transformação digital. Para ele, o momento da empresa é bastante desafiador porque concorrentes como Mercado Livre e Amazon conseguiram se posicionar como líderes no e-commerce.

“Para piorar, isso acontece no momento macroeconômico ruim. Ainda que os juros tendam a seguir caindo, temos quase 90% dos brasileiros com algum grau de inadimplência”, disse. “O dólar segue valorizado a mais de cinco reais, o que dificulta a compra de eletrônicos, itens com maior valor agregado, que poderiam ajudar a empresa a aumentar seu faturamento com uma margem um pouco melhor”, afirmou Moulin.

Uma das alternativas para recuperar a rentabilidade e sair do atoleiro será, na opinião de Gabriel Meira, especialista em varejo e sócio da Valor Investimentos, voltar a operar como banco. “A arte do varejo é ser um hub financeiro. Por isso, a volta do parcelamento próprio parece ser um caminho para reduzir custos e elevar as margens”, afirmou. “A Casas Bahia não vai voltar a ser o que era, mas precisa encontrar um ponto de equilíbrio.”

Enquanto o CEO Renato Franklin opera a reestruturação interna e externa, o herdeiro e principal acionista, Michael Klein, buscar participar mais ativamente das decisões estratégicas.

Em meio à briga com o irmão Saul pela herança do fundador da Casas Bahia, o empresário Michael retornou neste ano ao endereço original, em São Caetano. Enquanto ajuda a salvar a Casas Bahia, o empresário vai dar início à expansão dos projetos de logística do Grupo CB, holding com 500 funcionários e negócios no ramo imobiliário e 11 concessionárias de veículos das marcas Jaguar Land Rover, Honda, Mitsubishi, Jeep e Mercedes-Benz. Aparentemente, a ideia é voltar às origens, mas de olho no futuro.

(Divulgação)
A rede vai fechar até 100 lojas físicas e demitir cerca de 6 mil funcionários, além de planejar reduzir até R$ 1 bilhão em seus estoques, deixando os produtos menos lucrativos apenas para o on-line