Nove pessoas morreram pisoteadas e 12 ficaram feridas durante tumulto após ação da Polícia Militar em baile funk na comunidade de Paraisópolis, zona sul de São Paulo, na madrugada deste domingo, dia 1º. A corporação afirma que os agentes de segurança perseguiam dois suspeitos em uma moto, quando entraram no local da festa, que reuniu cerca de 5 mil pessoas. Já moradores, em relatos e vídeos, acusam os PMs de agir com truculência. O Estado informou que vai investigar as circunstâncias das mortes para apontar se houve excessos.

A mãe de uma jovem de 17 anos relatou que a adolescente foi agredida por um policial militar durante a correria no baile funk. “Ela levou uma garrafada na região da cabeça. Levou pontos no centro da testa, em volta do olho e no queixo. Deve ter levado uns 50 pontos. Ela afirma que foi agredida por um policial e está com marcas de cassetete nas costas”, conta a dona de casa, de 36 anos, que pediu anonimato.

Ela afirma que não sabia que a filha estava na festa, mas descobriu ainda na madrugada, quando recebeu ligação do posto de saúde. A família mora em Pirituba, zona norte. Segundo o relato da jovem, os participantes do baile teriam ficado cercados em ruas estreitas durante a ação policial. “Ela já tinha ido lá outras vezes, escondida. Minha filha relata que acontecia o baile e os policiais fecharam os dois lados. Eram mais de duas viaturas de cada lado. Tinha uma viela e vieram os PMs, cercaram entrada e saída. No desespero, não tinha para onde correr.”

A agressão teria ocorrido quando a jovem tentou ajudar outra garota, que também estaria sendo agredida por um PM. “Ela saiu de perto do namorado e, quando foi levantar a menina, o policial ‘tacou’ a garrafa na cara dela. Ela ficou internada 12 horas porque fez tomografia do crânio para ver se não tinha sangramento ou fratura. Quem sobreviveu nasceu de novo.”

Trancados

O dono de um bar na comunidade, que também não quis ser identificado, disse que o baile ocupava de três a quatro quarteirões. Segundo ele, os PMs apareceram uma vez e logo depois voltaram disparando balas de borracha e bombas de gás no início da madrugada. Relatou não ter visto a perseguição descrita pela PM.

Ao ver a confusão, disse, baixou a porta e acolheu oito pessoas que estavam com um “paredão” de som na frente do bar. Desligaram a luz e ficaram em silêncio por horas. Saíram só quando o dia já estava claro. Na versão da PM, porém, o episódio teria sido por volta das 5h30, quando já havia amanhecido.

O público que frequenta o bar aos sábados tem perfil diferente daquele de outros dias. Pedreiros, pintores e operários dão lugar a jovens com “paredões” de som que se proliferam em dia de baile. A festa onde houve o tumulto é a da 17, uma das maiores da região, referência a um antigo comerciante que deu início ao evento há dez anos. O baile prosperou e, aos sábados, atrai milhares em uma mistura com festas menores.

O dono do bar disse que é comum a ver a PM na área. “Às vezes são educados, chegam e pedem para fechar. Em outras, lançam bomba aqui dentro e batem nos frequentadores.” Procurada, a Secretaria de Segurança Pública disse que, por ser domingo, não conseguiria apurar e se manifestar sobre relatos de supostas violências ocorridas em outros dias.

Clima tenso

Moradores têm relatado escalada da tensão em Paraisópolis após o assassinato de um sargento da PM há um mês. Segundo líderes comunitários, lá aumentaram ações policiais, com relatos de ameaças e truculência.

Nas redes sociais, moradores vinham comentando sobre possível “invasão” da PM na comunidade. “Os moradores estão com medo, e nos enviam relatos de agressões e ameaças constantes”, disse Marisa Fefferman, da Rede de Proteção e Resistência ao Genocídio, grupo que busca que dar visibilidade a casos de abuso nas periferias.

“O baile funk (aumentou) por conta da ausência do Estado, que não investe em equipamentos de lazer para a comunidade. Cresceu de forma desorganizada. O baile cresceu, mas nunca teve solução, só repressão”, disse Gilson Rodrigues, líder comunitário de Paraisópolis. Segundo moradores, esses bailes também se tornaram motivo de incômodo frequente, por causa do barulho e das aglomerações.

Procurada, a Secretaria de Segurança Pública não se manifestou sobre os relatos ou o suposto elo com a morte do PM. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.