Dificilmente um roteiro no setor corporativo teria sido escrito com tamanha perfeição como a trajetória de Pedro Parente nos últimos dois anos. Ao assumir a presidência da Petrobras, em 2 de junho de 2016, ele afirmou que ficaria dois anos no comando da petroleira. Dito e feito. Em 1o de junho deste ano, o executivo deixou a estatal. O enredo fica ainda mais completo quando se coloca a BRF, dona das marcas Sadia e Perdigão, nessa história. Desde abril deste ano como presidente do conselho de administração da maior empresa de alimentos processados do País, Parente foi escolhido para ser o CEO global da BRF catorze dias depois de deixar a Petrobras.

Mercado fechado: com a restrição internacional, a BRF fechou sua produção de perus na unidade goiana de Mineiros, que produzia para o mercado externo (Crédito:Divulgação)

A curta quarentena foi permitida pela Comissão de Ética Pública da Presidência da República, que não enxergou conflito de interesses entre as empresas. Pelos próximos 180 dias, Parente acumulará as presidências executiva e do conselho da BRF. “Ao consolidar o poder, como era necessário neste momento para a BRF, Parente concentrará todas as decisões importantes”, diz um executivo com trânsito dentro da companhia ao explicar os dois cargos. “Ele é uma liderança forte, com muita força estratégica e institucional, que vai dar confiabilidade para todos que lidam com a empresa, desde os acionistas até o mercado internacional.”

Contada dessa maneira, a história parece ter sido premeditada. Mas há uma série de coincidências nesse percurso. Embora houvesse a especulação de que Parente não ficaria no comando da companhia estatal durante o período eleitoral, em razão das possíveis interferências políticas, ele reforçava que não sabia se seria reconduzido ao cargo – o conselho de administração da Petrobras havia aprovado um mandato de 24 meses para ele (Ivan Monteiro, que ficou em seu lugar, terá um mandato de um ano). Naquele período, Parente tinha um enorme desafio, que era baixar o endividamento elevado e a alta alavancagem financeira da estatal, além de ter de trabalhar sobre a governança corporativa, que ainda estava abalada pela falta de transparência dos anos de corrupção.

Breve passagem: apesar de ser elogiado pela maior parte dos conselheiros, principalmente durante a Operação Trapaça, José Drummond Jr. não permaneceu como CEO (Crédito:Rafael Hupsel/Agência Istoé)

Não era possível prever se seria bem-sucedido. Os resultados mostram que sim. Ele conseguiu cumprir o plano de desinvestimento, com a venda de R$ 14 bilhões de ativos dos R$ 15 bilhões projetados, e recuperou a credibilidade da companhia, que chegou a ser a mais valiosa de capital aberto do País, com valor de mercado de R$ 388,8 bilhões. Mas, sua política de reajuste diário do preço dos combustíveis, que protegeu a empresa da variação do preço do barril do petróleo, desencadeou a greve dos caminhoneiros, que parou o Brasil por 10 dias, e fez o governo ceder em vários pontos e pressionar a estatal a mudar sua política de reajuste diário. Foi o estopim para o seu pedido de demissão.

O caminho para assumir a presidência executiva da BRF estava aberto. Desde que foi escolhido pelos conselheiros para substituir Abilio Diniz como chairman da empresa, em 20 de abril, a posição estava vaga. O executivo José Drummond Jr. não estava mais à frente da empresa. Antes de indicar algum nome, Parente buscou entender o que levou a queda da gigante do setor de alimentos. Ficou claro, para ele, que havia esquizofrenia no poder. O negócio era bom, mas faltava comando. Os maiores acionistas, os fundos de pensão Previ e Petros, a Tarpon Investimentos, Abilio e as famílias Furlan e Fontana, tinham visões distintas e brigavam para impor suas condições.

Visão estratégica: Abilio Diniz, ex-chairman da BRF, é considerado o responsável por convencer Parente a assumir a sua cadeira no conselho (Crédito:Claudio Gatti)

Os últimos dois anos foram marcados por conflitos, trocas constantes na direção e resultados abaixo das expectativas do mercado financeiro. A demora em encontrar o novo gestor (chegou-se a cogitar o retorno de José Antonio Fay, que comandou a BRF de 2007 a 2013) acabou mostrando que a melhor solução era o próprio Parente. “Não era o combinado, não tinha nenhum compromisso, mas à medida que o tempo passava estava claro que ele não ficaria na Petrobras pós-dezembro”, diz um conselheiro. “Era um caminho praticamente pactuado, ele assumir a BRF. Já estava mapeado, mas aconteceu antes do que era esperado.”

O desafio para Parente à frente da BRF será tão grande quanto foi o da Petrobras, guardadas as devidas proporções. A fotografia das empresas é semelhante na chegada do executivo, com dívida alta, alavancagem próxima a cinco vezes a geração de caixa e falta de credibilidade com o mercado financeiro, com os fornecedores e com os compradores. Sua primeira missão, a partir de segunda-feira 18, quando passa a ocupar a cadeira de CEO, será recuperar o caixa da gigante do setor de alimentos, que caiu de R$ 5,5 bilhões, em 2015, para R$ 2,6 bilhões, no ano passado. Mas, para fazer esse indicador voltar a crescer, Parente terá de mostrar que a percepção do mercado não condiz com a realidade da companhia. “Ele precisará de tempo para reverter todos os problemas da BRF”, diz Raymundo Magliano Neto, presidente da Magliano Corretora. “Após encerrar a briga com os acionistas, será preciso focar nos problemas internos da empresa, como o transporte de grãos e o mercado internacional.”

A reabertura das vendas para o exterior é parte fundamental para a recuperação do caixa da BRF, principalmente com a cotação do dólar próxima a R$ 4. A receita líquida no primeiro trimestre foi de R$ 8,9 bilhões. Atingida em cheio pelas operações Carne Fraca e Trapaça, da Polícia Federal, a empresa ficou com sua credibilidade abalada, principalmente ao ser acusada de fraudar laudos relacionados à presença de salmonela em alimentos que seriam exportados para 12 países. Como consequência, a União Europeia e a Rússia e impuseram restrições aos produtos da companhia. Além disso, no início de junho, o Ministério do Comércio da China impôs uma tarifa antidumping sobre frangos de corte importados do Brasil para todos os frigoríficos nacionais. Como maior exportadora de carne de frango do Brasil, a BRF é a maior prejudicada. A tarifa média que era de 10% passou a ser de 25%. “A recuperação da lucratividade da empresa passa, principalmente, pela reabertura dos mercados internacionais”, diz Rodrigo Menon, sócio da Arbitral Gestão de Recursos.

Os problemas no mercado externo afetaram a operação brasileira. Na semana passada, a BRF decidiu encerrar a produção de perus no município de Mineiros, em Goiás. Essa linha de produção estava dedicada exclusivamente à exportação. A partir de agora, tudo ficará concentrado na unidade de catarinense de Chapecó. “É uma questão mundial. Não tem mais onde vender. Não dá para continuar a produzir peru na quantidade que estamos produzindo sem ter mercado, com a Europa fechada”, afirmou Jorge Lima, vice-presidente global de eficiência corporativa da BRF, em audiência no Senado. Outros desafios internos estão à espera de Parente.

Sem combustível: Parente estava à frente da Petrobras quando estourou a greve dos caminhoneiros, que interrompeu o transporte de milho e paralisou a BRF (Crédito:AFP Photo / Miguel Schincariol)

A paralisação dos caminhoneiros, que teve ligação direta com a gestão do executivo na Petrobras, prejudicou o transporte de grãos para alimentar os frangos. A Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) calculou que, aproximadamente, 65 milhões de aves morreram por falta de ração, em todas as 167 unidades frigoríficas no País que ficaram paralisadas nos 10 dias de greve. Sem matéria-prima, a BRF interrompeu a produção em quatro fábricas e trabalhou parcialmente em outras nove unidades, durante esse período. Essa atuação no campo é uma das maiores críticas à empresa, justamente por causa da mudança de gestão no estoque de milho e soja.

Sem mercado: a União Europeia e a Rússia impuseram restrições aos produtos da BRF, após a descoberta de fraude em laudos para exportação (Crédito:Roberto Castro)

Há cerca de dois anos, a BRF decidiu que o período máximo dos grãos seria de 45 dias, a metade do tempo praticado pela indústria. Dessa maneira, a gestão da companhia pretendia trabalhar o fluxo de caixa e negociar preço constantemente. Se agora o transporte provocou pânico, em 2016 foi o valor das commodities que subiu, assim como o câmbio. Sem volume e com pouca margem, a BRF não pôde esperar o melhor momento para comprar e ficou com um custo maior que o dos concorrentes. A empresa pagava cerca de R$ 10 a mais por saca. “Alguns pontos específicos para o novo CEO da BRF são a redução do impacto dos grãos nos resultados e um equilíbrio no balanço entre a participação de mercado e a rentabilidade”, escreveram Victor Saragiotto e Ian Miller, analistas do Credit Suisse, em relatório.

Ao contrário da Petrobras, onde tinha restrições de atuação por ser uma empresa pública, Parente terá liberdade na BRF para contratar e dispensar pessoas e montar a sua equipe de trabalho. Com o conhecimento que traz do agronegócio, adquirida nos quatro anos que comandou a operação local da multinacional Bunge, ele não será um estranho no ninho. Com todo o poder em mãos, o executivo fica protegido dos conflitos entre os conselheiros, que desestabilizaram o negócio nos últimos anos.