1.jpg

UM BRINDE: Elias recuperou a empresa e contratou Ildi como a nova cara da marca

 

Cena 1: Um desfile de mamíferos, como num inocente filme infantil, sem censura.
Cena 2: Nos bastidores, executivos ardilosos, inspirados em Gordon Gekko, de Wall Street, tramam a maior fraude financeira de todos os tempos. Proibido para menores.
Cena 3: Terra em transe. A empresa quebra e todos vão para a prisão. Thriller policial sem mocinhos.
Cena 4: Câmeras em alto-mar. Como o náufrago Tom Hanks, os sobreviventes têm um único desejo, o de chegar à praia.
Cena 5: Missão impossível. Empresa é vendida a um fundo que resgata mortos-vivos no além.
Cena 6 (a atual): Entram na trama as panteras. A modelo Ildi Silva, que na foto ao lado levanta um brinde com a taça de leite, é a estrela do elenco. Ao seu lado, sorri o Tom Cruise de missão impossível, ou melhor, o financista Marcus Elias, do fundo Laep – Latin American Equity Partners. Os dois, Ildi e Marcus, são os protagonistas das cenas finais de uma surpreendente história empresarial, que misturou de tudo nos últimos anos: drama, suspense e muita ação. O roteiro é o da Parmalat, que foi assumida pela Laep há um ano em meio a um processo de concordata que se transformou em recuperação judicial.

“Depois de muito suor, teremos um final feliz”, disse Elias à DINHEIRO, às vésperas de completar 48 anos. Sua empresa, mesmo em recuperação judicial, conseguiu façanhas notáveis. Exterminou as dívidas, retomou a liderança de mercado e ampliou as vendas em 70%. Na nova fase, a baiana Ildi irá estrelar uma campanha de R$ 40 milhões, criada por Nizan Guanaes, exaltando a beleza brasileira e a própria brasilidade da Parmalat – uma empresa cujo único vínculo que restou com a antiga matriz italiana é um contrato de transferência de tecnologia e de royalties para uso da marca até 2018.

A substituição dos mamíferos de pelúcia por panteras – Luana Piovani também fará parte da campanha – tem um motivo. Nos próximos meses, a Parmalat irá lançar diversos produtos, nos quais o leite será apenas um veículo para transmitir outras qualidades, como beleza e pele macia. São os leites funcionais, com colágeno ou ômega 3, que em países europeus já respondem por mais de 50% das vendas e aqui ainda beiram os 5%. “Isso vai nos dar um crescimento quantitativo e qualitativo”, aposta Othniel Lopes, vice-presidente da empresa e braço direito de Elias na recuperação do negócio. Dois anos atrás, antes da chegada da Laep, a participação de mercado da Parmalat no mercado de leites UHT – longa vida – havia caído para 6%. Hoje, é de 11% e a empresa acaba de reassumir a liderança, superando a rival Elegê, segundo dados da Nielsen. A captação de leite, antes de 40 milhões de litros/mês, saltou para 60 milhões. E o faturamento mensal também pulou de R$ 60 milhões para R$ 100 milhões. Só que houve uma grande diferença. Em 2005, a margem de geração de caixa, o ebitda, era negativo em 4%, o que significa que a empresa perdia R$ 2,4 milhões por mês na operação. Hoje, analistas de mercado estimam um ebitda positivo de 10%. Isso permite estimar um valor de US$ 600 milhões para a Parmalat brasileira, que há pouco tempo era um caso perdido. Ou seja: está-se diante de um autêntico milagre.

 

MILAGRE NA ITÁLIA

Oretorno da Parmalat não é um fenômeno corporativo apenas no Brasil. Na Itália, a empresa fundada pelo empreendedor Calisto Tanzi, que sonhava em criar a “Coca-Cola do leite”, já recuperou US$ 1 bilhão em acordos firmados com bancos e empresas de auditoria. Em 2004, quando estourou a crise, Tanzi foi preso e a empresa foi assumida por Enrico Bondi, que iniciou diversas ações judiciais contra instituições financeiras e firmas como a Deloitte que haviam sido parceiras e beneficiárias da maior fraude contábil de todos os tempos. Na segunda-feira 18, a Parmalat recuperou US$ 96,5 milhões, em acordos fechados com Merrill Lynch, ING e Banca Monte Parma. O ganho maior, porém, foi de US$ 149 milhões numa ação movida contra a Deloitte, que fingia não ver os balanços fajutados. Além disso, houve acordos com instituições como Citigroup, Bank of America, UBS, Deutsche Bank e Morgan Stanley, que representam a fina flor da alta finança global. Graças ao que conseguiu recuperar para os acionistas minoritários da Parmalat, Enrico Bondi é hoje um dos grandes heróis da Itália. E mesmo Tanzi, que vive em prisão domiciliar na pequena cidade de Collecchio, é visto como um injustiçado ou como um pecador normal que agiu como todo e qualquer empresário italiano em países latino-americanos.

 

3.jpg

DE VOLTA: Othniel Lopes (na ponta) comemora a retomada da fábrica de Itaperuna (RJ), ao lado

 

O que explica tudo isso? Há duas razões principais. Uma delas, interna, é a boa gestão. O número de funcionários foi reduzido de 4,5 mil para 2,1 mil e a venda da Batavo, que foi transferida por R$ 120 milhões para a Perdigão, deu à empresa o dinheiro necessário para renegociar as dívidas com bancos. Um passivo da ordem de R$ 1,5 bilhão foi pago com mais de 90% de deságio. Nesse processo, financistas que já trabalharam com Elias dizem que ele exercitou uma de suas virtudes, a chamada “bunda de chinês”, que é sinônimo de paciência. “Numa negociação, ele vence porque é sempre o último a se levantar da cadeira”, diz um ex-sócio. Além da Batavo, a Parmalat também vendeu a Etti, que era deficitária. A outra razão do milagre, não menos importante, foi a aprovação da nova Lei de Falências, que teve a Parmalat como primeira cobaia. “O caso tem sido exemplar, tanto por parte da empresa como do Judiciário”, diz o advogado Thomas Felsberg, que atuou ao lado dos antigos controladores italianos no início do processo. Felsberg explica que o caso Parmalat criou jurisprudências importantes e consolidou o espírito da lei, que é o de preservar as empresas, separando o passado do futuro. Hoje, há 455 firmas na nova lei e a maioria, diz ele, deve sair mais forte do processo.

“Se as empresas geram caixa e são viáveis, elas devem ser preservadas”, diz Felsberg. “Isso protege fornecedores, funcionários e a própria concorrência.”

 

2.jpg

APOIO AOS PRODUTORES: a empresa quer dar vacas de elite aos seus fornecedores DE VOLTA: Othniel Lopes (na ponta) comemora a retomada da fábrica de Itaperuna (RJ), ao lado

 

No caso da Parmalat, restaram dívidas de R$ 100 milhões, com prazo de quatro anos para pagamento. É um volume mínimo para uma empresa com faturamento anual de R$ 1,2 bilhão. E todos os créditos estão em poder de fornecedores, que têm interesse na perpetuação do negócio. Com liquidez, a Parmalat brasileira fechou uma captação recente de US$ 180 milhões junto ao Morgan Stanley e vive um momento de expansão. “Pode escrever aí: estamos saindo às compras”, diz o vice-presidente, Othniel Lopes. Hoje, a empresa tem sete fábricas e planeja dobrar esse número em dois anos, arrendando ou comprando unidades. Neste momento, três projetos de R$ 50 milhões estão em análise. Outra boa notícia recente foi a retomada da gestão na unidade de Itaperuna, no Rio de Janeiro. Aquela fábrica, símbolo da crise entre a empresa e os produtores de leite, chegou a ser assumida pelo Palácio das Laranjeiras, mas um acordo selado com o governador Sérgio Cabral devolveu a Elias o que é de Elias.

 

1,2 BILHÃO DE REAIS É O FATURAMENTO ANUAL DA EMPRESA
10% É A MARGEM OPERACIONAL DA COMPANHIA
60 MILHÕES DE LITROS É A CAPTAÇÃO MENSAL DE LEITE
600 MILHÕES DE DÓLARES É QUANTO A EMPRESA PODE VIR A VALER
100 MILHÕES DE REAIS É A DÍVIDA REMANESCENTE DA NOVA PARMALAT
11% É A PARTICIPAÇÃO DE MERCADO NO SEGMENTO UHT

 

Estreitar o relacionamento com os fornecedores é a grande prioridade do dono da Parmalat. Num projeto desenvolvido em parceria com a Embrapa, ele planeja ampliar a produtividade dos produtores de leite. Embora tenha o segundo maior rebanho do mundo, o Brasil é apenas o sétimo produtor, porque a média das vacas, de apenas cinco litros/dia, é muito baixa. Em países como Estados Unidos e o próprio México, ela supera 20 litros/dia. Produzindo pouco e com baixa qualidade, a grande maioria dos produtores obtém uma renda líquida próxima a R$ 300. A idéia de Elias é não só transferir aos fazendeiros vacas de melhor qualidade genética como equipamentos para uma ordenha mais mecanizada, além de biodigestores para geração própria de energia nas fazendas – e tudo isso seria pago em leite, “amarrando” os produtores à Parmalat.

“Com isso, a renda média dos fornecedores pode subir para R$ 1,5 mil”, diz o empresário. É um projeto que tem aspectos sociais e ambientais, mas que também está ligado à estratégia de crescimento da empresa. “No Brasil, somos líderes com 11% de mercado”, diz Elias. “Mas não há no mundo um líder com menos de 25% ou 30% e, por isso, estamos indo agressivamente às compras”. Pelo que se vê, o filme Parmalat tem boas chances de acabar com um “felizes para sempre” e ainda com uma boa pitada de instinto selvagem – no bom sentido, é claro.