01/04/2009 - 7:00

HOUVE UM TEMPO EM que toda família detentora de bom patrimônio tinha o hábito de abrir contas no Exterior e deixar algum dinheiro ali, por segurança, caso o Brasil desmoronasse de vez. Já que o dinheiro estava fora, aplicavam em bolsas estrangeiras, fundos e outros produtos sem apelo por aqui. Ironicamente, o porto seguro hoje é outro. Os conservadores trouxeram suas verdinhas de volta ao Brasil e quem quer se arriscar um pouco mais, quem diria, pode tentar desbravar os espinhosos mercados internacionais em busca de mais rentabilidade.
Mas investir fora do País dá trabalho. Garantias rígidas, impostos e uma declaração de renda muito mais complexa na Receita Federal são alguns dos entraves enfrentados. Por outro lado, na Bolsa de Nova York estão listadas mais de 800 empresas e a liquidez é enorme se comparada à BM&FBovespa e os preços dos papéis estão mais do que atrativos. Terá chegado a vez de o investidor brasileiro recolher os cacos do que restou nas bolsas norte-americanas?
As aplicações em si não são tão difíceis de ser feitas. Mas o tempo que se gasta para estar apto a operar pode ser desestimulante para os investidores mais afoitos. Há alguns passos que precisam ser seguidos (leia quadro), como procurar um banco brasileiro autorizado a operar com base no câmbio. O aplicador precisa executar uma remessa de dinheiro para uma conta no Exterior e essa remessa é feita por meio de um banco de câmbio ou private banking.
É preciso, também, especificar a finalidade do recurso, ou seja, explicar que o dinheiro irá para o mercado de capitais. As instituições cobram taxas de remessa que variam de acordo com o montante enviado. Além disso, há a cobrança do Imposto sobre Operação Financeira (IOF) na transferência do valor para o Exterior e também na hora de receber os ganhos no Brasil. E o Leão também abocanha. Segundo a Receita Federal, ganhos de capital conseguidos com a liquidação ou resgate de aplicações financeiras no Exterior ficam sujeitos à chamada Tributação Definitiva, sofrendo a alíquota de 15%.
Já os rendimentos dos investimentos, como os juros cobrados sobre bônus, notas e dividendos, sofrem tributação variável de até 27,5%. “O ganho vai ser tributado, seja nos EUA, seja aqui. O tratado entre os dois países permite que se pague apenas um imposto”, diz Andréa Mendonça, do escritório Dumortout de Mendonça Advogados.

Comprar ações de companhias estrangeiras não é um problema do Banco Central, da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ou da bolsa. É da Receita Federal. E as corretoras brasileiras não podem negociar ações emitidas no Exterior. “O envio de dinheiro é legal, mas muitas pessoas ainda têm vergonha de assumir o que fazem”, diz Mendonça. Apesar do receio, a demanda de brasileiros por ações de companhias estrangeiras cresceu durante a crise econômica. Com as quedas jamais vistas no preço de muitos papéis, a possibilidade de ganhos acendeu o sinal verde dos lucros. Mas essa regalia não é para todos.
Um pequeno investidor dificilmente vai conseguir transferir recursos para operar lá fora, pois tais operações só compensam se a quantia investida for relevante. Caso contrário, as taxas cobradas e os impostos acabam inviabilizando os ganhos. Além disso, para ser cliente de um private banking é preciso ter, no mínimo, R$ 1 milhão em investimentos. Já nos EUA, o pequeno investidor que quer aplicar em companhias brasileiras pode facilmente comprar ADRs (sigla para American Depositary Receipt) das 31 empresas do País que emitem papéis no mercado norte-americano.
Há também os Exchange Traded Funds (ETFs), fundos de índice atrelados a indicadores brasileiros, como o Ibovespa. “Investir no Exterior deve começar com um ETF indexado ao Dow Jones ou ao S&P 500. Será um investimento brasileiro com indexação estrangeira”, diz Roberto Lee, diretor da Wintrade.
O investidor brasileiro, no entanto, ainda não pode se dar ao luxo de fazer esse tipo de aplicação. Os ETFs engatinham em nosso mercado e não existem na BM&FBovespa fundos de índice que acompanham indicadores internacionais. Além disso, empresas estrangeiras não costumam emitir papéis por aqui. Uma das primeiras tentativas de emissão de BDR, ou Brazilian Depositary Receipt, ocorreu com o banco Patagônia, da Argentina, e não deu certo. A instituição tem comprado lotes de seus papéis e ensaia uma retirada. Emitir BDRs aqui é semelhante ao que empresas brasileiras fazem na Bolsa de Nova York quando negociam suas ADRs.
Mas esse cenário pode mudar. Especula-se que a bolsa brasileira incentivará a negociação de papéis de companhias estrangeiras no País. Mas, antes de ver Coca-Cola, Microsoft ou Apple listadas no nosso pregão, é possível que as empresas da América Latina passem a ocupar esse espaço. Não está dando certo com o banco argentino, mas quem sabe com uma Telmex, do bilionário Carlos Slim? Enquanto novas oportunidades não chegam para o Brasil, o mercado internacional sofre de um excesso de produtos e investidores apavorados. Desbravá-lo ainda é possível.