EDITORIAL SEM IMAG.jpg

O empresário Leonardo Pujatti tem 42 anos, ostenta o título de doutor pela USP, leva vida de atleta e mora numa bela casa em um condomínio nobre de São Paulo. Mas todos os anos ele tem o mesmo problema ? a rigor, decide criá-lo. Trata-se de conseguir dinheiro para realizar dois sonhos atávicos. Fanático por carros, não resiste à tentação de trocar o modelo velho por um zero quilômetro a cada doze meses. A mania se repete
quando o assunto é a compra de uma casa nova. Há seis anos, religiosamente, Leonardo chega até a pedir empréstimos para ter um automóvel tinindo na garagem e um endereço novo. Este ano, contudo, não será como os que passaram. Ele não trocará
seu Astra Sedan cinza ano 2002. Também não pensa em mudar de lar. Leonardo tem, agora, outras ambições. ?Quero ficar rico para ter mais tempo livre e pintar quadros?, diz. Os atalhos para a riqueza, a poupança em oposição à gastança de antes, ele buscou nos conselhos de gente que estuda o assunto. Foi beber nos chamados livros de auto-ajuda financeira.

Eis a febre do momento nas livrarias brasileiras. Apenas os 15 livros de finanças pessoais mais badalados já venderam 700 mil exemplares nos últimos três anos. O número é expressivo. No Brasil, são poucos os livros que ultrapassam a barreira das 5 mil unidades. O barulho extrapola as prateleiras das grandes redes. Os autores, populares, passaram a receber inúmeros e-mails de leitores ansiosos por uma consulta. Conseguiram espaço em colunas de jornais e nos programas de televisão. Viraram consultores e palestrantes de empresas e universidades. São estrelas.

Mas por que, afinal de contas, eles fazem tanto sucesso? Porque seus livros surgem embalados pela instabilidade econômica do País. Alimentam sonhos. Nesse caso, o de ficar rico ou ?independente financeiramente?, como gostam de dizer os autores desse tipo de literatura. Esgrimem linguagem agradável, sem as expressões aborrecidas e os textos impenetráveis dos técnicos. São obras destinadas ao comum dos cidadãos, e não a quem pretende trabalhar apenas com tesouraria e contabilidade, em descrições herméticas. ?Poupe para realizar sonhos?, diz a socióloga Glória Maria Garcia Pereira, que já trabalhou com marketing e pesquisa, autora do livro A energia do dinheiro (Editora Gente). A base dos livros é aparentemente simples: alterar o modo como a pessoa pensa e sobretudo criar uma disciplina financeira. Ensinam os incautos a aplicar no cotidiano as mesmas regras do diretor de uma empresa: cortar custos, não deixar dinheiro parado no banco e adiar compras pesadas. Pode parecer óbvio, e é, mas são dicas que costumam ficar escondidas em armários que guardam ovos de Colombo.

Trabalhar com a obviedade submersa é um dos segredos dessa
turma. Os autores são unânimes em dizer que as pessoas ricas tornaram-se donas de fortunas porque têm disciplina financeira e fazem questão de poupar cada centavo. Pode-se começar economizando nas idas à padaria para tomar um cafezinho, por exemplo. Soa simples, exagerado ou até ridículo, mas se a ambição é ter uma aposentadoria precoce, trata-se, sim, de um primeiro passo interessante. ?A maioria dos milionários compra carros usados em oferta, tem boas estratégias para reduzir o Imposto de Renda e rejeita o estilo de vida de grandes gastos que associamos com riqueza?, diz o autor Gustavo Cerbasi, em seu livro Dinheiro: os segredos de quem tem. Cerbasi dava aulas num MBA quando foi convidado pela Editora Gente para debutar na literatura.

Um dos leitores de Cerbasi, o catarinense Leandro Ferrari Lobo, dono de uma casa em Florianópolis, resolveu testar o que leu e tomou uma decisão radical. ?Cancelei dois cartões de crédito. Estava gastando demais sem necessidade?, afirma Lobo. O professor da Universidade do Paraná, Mauro Halfeld, autor de Investimentos, como administrar melhor seu dinheiro (Editora Fundamento), afirma que a mudança de pequenos hábitos pode gerar contribuições positivas na poupança privada. ?Poupar é a primeira batalha?, resume. ?Investir corretamente fazendo seu dinheiro crescer é a segunda.? Halfeld fala com a experiência de quem começou a investir em ações aos 14 anos. Agora, colhe os holofotes da fama: tem uma coluna de finanças na rádio CBN e outra no jornal O Globo. Dinheiro? Lá está Halfeld.

Supérfluos. Na prática, o que eles sugerem é pôr no papel, detalhadamente, todas as receitas e despesas. Em seguida, deve-se analisar os itens supérfluos. Se os gastos com passeios de finais de semana e com compras no supermercado estão elevados em demasia, é hora de cortá-los. Feito o planejamento financeiro, o cidadão estará apto a saber quanto sobra da sua renda para investir. É óbvio? Nem tanto, quando se descobre a dificuldade em anotar os custos e receitas no papel, regra número um. ?Somente quando a pessoa anota tudo o que possui e tudo o que deve tem condições de traçar uma meta ou um plano de ação?, afirma o consultor Louis Frankenberg, um dos primeiros brasileiros a se dedicar a escrever livros de finanças (Seu futuro financeiro e Guia prático para cuidar do seu orçamento, ambos da Editora Campus.)

Um dos conselhos mais engraçados está no livro Sobrou dinheiro! (Editora Bertrand Brasil), do professor da Fundação Getúlio Vargas Luís Carlos Ewald, que ficou famoso por sua participação na Rede Globo com dicas sobre orçamento doméstico. No livro, ele recomenda às pessoas não irem ao supermercado fazer compras com fome. ?O risco de comprar produtos desnecessários e gastar mais é muito maior?, diz o professor. Ewald deu aulas de matemática financeira para o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga e diz que é preciso ter mentalidade de contador até para criar quatro filhos, como é o seu caso. ?Vim de uma classe média abastada, mas tive de fazer muita economia para criar meus filhos.?

Os autores pregam ainda que o imóvel seja tratado como os bancos fazem com suas agências e olhe para seus carros como se fosse a frota da empresa de transportes Itapemirim. De modo geral, as pessoas confundem o carro e o imóvel onde moram como investimento. Mas, como no balanço de uma empresa, esses dois itens devem entrar na coluna das despesas. O escritor Robert Kiyosaki, autor do best-seller Pai Rico, Pai Pobre (Editora Campus), pioneiro nessa onda de livros de finanças pessoais, diz que ?a classe média compra passivos pensando que são ativos?. Ele fala com a autoridade de quem se aposentou aos 47 anos ? rico, é claro. ?Agora, dedico meu tempo para administrar meus investimentos e jogar golfe?, disse à DINHEIRO do Hawai, onde costuma passar férias. As palavras de Kiyosaki ? que já escreveu seis livros sobre finanças pessoais e vendeu 15 milhões de exemplares no mundo ? costumam ser seguidas como as de Paulo Coelho na auto-ajuda espiritual.

Os psicólogos têm uma resposta para esse esforço dos brasileiros em abrir mão do conforto em nome do sonho de ficar rico. ?O País vive uma fase de recessão e dinheiro curto?, diz Antonio Carlos Pereira, professor da Faculdade de Psicologia da PUC-SP. ?É natural que as pessoas usem uma tábua de salvação como os livros de auto-ajuda financeira para melhorar de vida?, diz. Mas será que adianta tanto esforço para garantir uma aposentadoria tranqüila? Os autores afirmam em coro que sim. ?As pessoas só precisam de um empurrãozinho para se organizar financeiramente?, diz Gustavo Cerbasi.

Há uma verdade nesse ramo: quem realmente fica rico com
os livros de auto-ajuda financeira são seus autores. A maioria
deles recebia salário de professores universitários quando foi
pego por essa onda. Além de ganhar até 10% por exemplar vendido, cobram em média R$ 4 mil por palestra, aparecem em rádio e televisão e são convidados por empresas para dar consultoria. A indústria da riqueza não pára por aí. Cerbasi, Halfeld e Glória já preparam o lançamento de outros livros cujos títulos mantêm sob segredo. Kiyosaki lançará Os casos de sucesso de quem leu Pai Rico, Pai Pobre. Até a Editora Rocco, especializada na série de livros de auto-ajuda espiritual de Paulo Coelho, resolveu entrar nesse campo. Eles lançam ainda este ano a escritora americana Susie Orman, famosa por seus livros de finanças pessoais. ?Não podemos ficar de fora desse mercado?, diz Paulo Rocco, presidente da Editora Rocco. Ninguém quer ficar de fora desse filão.