Aqui se faz aqui se paga não é uma expressão que caiba no mundo dos negócios. Ainda assim, dificilmente o posicionamento da Ultrafarma sairia incólume se a empresa fosse de capital aberto, em que reputações definem o rumo do preço das ações. Três dias antes do Dia do Orgulho LGBTQIA+, celebrado em 28 de junho, o apresentador Sikêra Júnior, do programa policialesco Alerta Nacional (RedeTV!), decidiu criticar uma propaganda da rede Burger King que falava com crianças sobre a união entre pessoas do mesmo sexo. No discurso de ódio, Sikêra chamou homossexuais de “raça desgraçada”. À parte um cidadão ter espaço pago numa emissora que tem concessão pública, a reação entre as empresas que associavam suas marcas ao nome do programa foi quase imediata e gerou um efeito strike. Em menos de três semanas, mais de 70 companhias deixaram de patrocinar a atração – entre elas Ford, Latam, Magalu, MRV e TIM. Mas o patrocinador master não saiu: a rede Ultrafarma, do empresário Sidney Oliveira.

A decisão de continuar anunciando no programa partiu exclusivamente de Oliveira, embora tenha sido aconselhado também a abandonar o barco. O retorno financeiro falou mais alto. “As vendas aumentaram quase 30% no dia da polêmica. Foi um recorde”, disse, sem constrangimento, o empresário à DINHEIRO. Por enquanto, ele não vê razões para deixar o programa. “Tem gente que discorda dele, mas tem gente que concorda.” O máximo que Oliveira fez foi reduzir pela metade os gastos após a fala preconceituosa. Antes, eram duas ações publicitárias por dia. Agora, uma. De toda forma, não é pouco o que o dono da Ultrafarma investe mensalmente no programa da RedeTV!. São R$ 290 mil aplicados todos os meses: R$ 240 mil para a emissora e R$ 50 mil diretamente para o apresentador. Por ano, são R$ 3,5 milhões.

Na contramão de qualquer política de igualdade e inclusão, o dono da Ultrafarma amenizou a fala agressiva do apresentador. “Foi errado, mas se qualquer pessoa da televisão falar algo e não poder mais anunciar, fica difícil. Não dá para agradar a todo mundo”, disse. “Ele é muito legal, e eu quis ficar para dar apoio.” O tal de “muito legal”, o senhor Sikêra, é bolsonarista convicto. Já recebeu o presidente no estúdio da emissora, em Manaus, e entrevistou o político, por vídeo, durante sua última internação, em São Paulo. O dono da Ultrafarma diz que não é bolsonarista. Falta combinar o que diz com o que faz, porque os fatos o desmentem.

Divulgação APOIO AO PRECONCEITO Sidney Oliveira, que paga R$ 290 mil por mês para anunciar no programa de Sikêra, disse que as vendas bateram recorde no dia da polêmica. (Crédito:Divulgação)

Na antessala de seu escritório, em São Paulo, há um enorme quadro com uma imagem dele com Bolsonaro, antes de ser eleito. Oliveira, como fazem hoje muitos arrependidos, garante que não votou no capitão em 2018. Disse que escolheu Geraldo Alckmin no primeiro turno. No segundo turno, estava fora do País. Como para equilibrar a imagem do presidente, o empresário tem pendurado na parede de sua sala um quadro com retrato do dia em que visitou o Papa Francisco, no Vaticano, em 2018. Mesmo que não se assuma bolsonarista, Oliveira pensa como um deles. Defensor do tratamento precoce – “tomei ivermectina por três meses e tenho duas caixas de cloroquina em casa como precaução” –, ele diz que não contraiu Covid e nem apoia o governo federal. “Ele está completamente errado em não usar máscara. Isso está na contramão da ciência.”

Com 67 anos, o empresário irá tomar a segunda dose da vacina em agosto. “Eu poderia já ter tomado, mas queria a da Pfizer. Na época do meu grupo específico, só tinha a Coronavac. Aí decidi esperar.” O tipo de declaração que contradiz a quem tenta parecer defensor da ciência – afinal, todas as vacinas aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) atendem aos requisitos em termos de eficácia. Inclusive, muitas cidades decidiram colocar no fim da fila quem escolhe o fabricante do imunizante.

Marco Ankosqui DISCURSO NÃO BATE O empresário tem quadro com Bolsonaro na antessala do escritório, mas garante que votou em Alckmin. (Crédito:Marco Ankosqui)

Aceitar, de certa forma, a agressão verbal a um público específico, parece ir na direção contrária aos planos do empresário, que fundou a Ultrafarma em 2000 na onda do surgimento dos medicamentos genéricos e agora trabalha para expandir a marca, em formato de licenciamento, para o Brasil. Da rede própria, são quatro unidades na cidade de São Paulo. No ano passado, quando a empresa faturou R$ 660 milhões (27% somente com genéricos), Oliveira colocou em prática o plano de crescimento, voltado a pequenos empresários com farmácias menores, de bairros, que aderiram à bandeira Ultrafarma Popular. Em 2020, foram 150 lojas convertidas, a maioria no estado de São Paulo. E a perspectiva é de alcançar 350 até o fim do ano. Outro plano é desenvolver novos itens para a linha de vitaminas que leva seu nome, hoje com 500 produtos e faturamento anual de R$ 120 milhões, o que representa 18% da receita da Ultrafarma.

Especialista em gestão de marcas, Eduardo Tomiya avalia que a decisão da Ultrafarma em permanecer no programa de Sikêra a aproxima de empresas como Havan e Madero. “Se ele entendeu que para a marca dele isso não é problema, certamente quer abdicar de outros públicos”, disse. “Construir a imagem de uma empresa demora anos. E o efeito desse episódio pode ser grande. Mas ele fez uma opção.” Talvez o grande desafio agora da empresa seja convencer a “raça desgraçada”, odiada pelo seu patrocinado, a comprar vitamina ou remédio na farmácia de Sidney Oliveira.