O economista americano Paul Krugman, que recebeu um Nobel de Economia em 2008, criticou a resistência de políticos republicanos dos EUA à criação de uma moeda digital de banco central – CBDC na sigla em inglês. Em contrapartida, elogiou o Brasil, que tem ido no caminho contrário, e citou o Pix como um modelo de sucesso.

+Totvs compra a Linx da Stone, em negócio de R$ 3,05 bilhões

Na visão de Krugman, que publicou um artigo sobre o tema nesta terça-feira, 22, o Pix é um exemplo a ser seguido em termos de inclusão financeira. A tese é de que o meio de pagamento abre caminho para o Brasil ter o então chamado Real Digital, uma moeda digital controlada pelo Banco Central (BC).

“O Brasil, de fato, está planejando criar uma CBDC. Como primeiro passo, em 2020, lançou o Pix, um sistema de pagamentos digitais administrado pelo banco central”, diz Paul Krugman no artigo.

Além disso, o economista defende que nos EUA existem ‘grupos de interesse’ que querem barrar uma CBDC, e que no Brasil esses grupos ‘parecem ter muito menos influência. Nesse caso, uma crítica direta a bancos, instituições financeiras, fintechs, emissoras de cartão e players que lucram com intermediação de pagamentos de um modo geral.

Nesse sentido, exemplifica que nos EUA há o Zelle, que é operado por bancos privados, todavia muito menos acessível.

“O Pix é meio que uma versão pública do Zelle, o sistema de pagamentos operado por um consórcio de bancos privados dos EUA. Mas o Pix é muito mais fácil de usar. E enquanto o Zelle é grande, o Pix se tornou simplesmente enorme, usado por cerca de 93% dos adultos brasileiros. Parece estar rapidamente substituindo tanto o dinheiro em espécie quanto os cartões”, analisa.

“As transações pelo Pix acontecem quase instantaneamente… O custo das transações é baixo… As autoridades estabeleceram que o Pix deve ser gratuito para pessoas físicas, e o custo de uma transação para empresas/comerciantes é de apenas 0,33% do valor da transação”, completa.

Críticas a Trump

Há dias, o presidente americano Donald Trump criticou o Pix indiretamente. O sistema de pagamentos brasileiro foi citado em documento que embasa a investigação comercial aberta pelo Escritório da Representação Comercial dos Estados Unidos (USTR – na sigla em inglês) a pedido do republicano.

No documento, o USTR diz que o Brasil está se ‘engajando em uma série de práticas desleais com relação aos serviços de pagamento eletrônico, incluindo, mas não se limitando a favorecer seus serviços de pagamento eletrônico desenvolvidos pelo governo’.

Vale destacar que o meio de pagamentos instantâneo brasileiro é uma pedra no sapato para gigantes de tecnologia, como a Meta – dona do Facebook, Instagram, WhatsApp e outros – que teve uma negativa do BC em meados de 2020, quando tentou lançar o WhatsApp Pay no Brasil.

Recentemente o Congresso dos EUA aprovou dois projetos de lei, um deles sendo o GENIUS Act, que facilita o crescimento das stablecoins – moedas digitais privadas – e o outro sendo uma legislação que proíbe o Federal Reserve (Fed) de criar ou até mesmo estudar a possibilidade de uma moeda digital de banco central (CBDC).

Os republicanos que defendem a legislação alegam que uma moeda digital controlada por órgãos de Estado abriria margem para vigilância governamental.

Krugman classifica a visão como ‘hipocrisia’, já que esses mesmos grupos entregaram dados pessoais de beneficiários do Medicaid ao ICE para deportações. A visão do Nobel de Economia é que as duas legislações aprovadas, inclusive, abrem caminho para fraudes e crises financeiras futuras.

O especialista também lembra que o governo já pode acessar registros bancários mediante lei, e que uma CBDC teria proteções legais similares.

A crítica do artigo é de que os republicanos e o setor financeiro temem que a população prefira usar uma CBDC no lugar de bancos privados, e principalmente stablecoins – e por conta disso, a indústria financeira faz lobby contra qualquer iniciativa pública nesse sentido.

Krugman sugere que não é necessário acabar com bancos, mas que se pode criar um sistema público eficiente de pagamentos, baseado em contas privadas.

Atualmente os americanos só podem usar o dólar físico como passivo do Fed, e uma CBDC permitiria ao cidadão comum ter depósitos digitais diretamente no Fed — o que já é possível para bancos.

Krugman defende que, se instituições financeiras têm esse acesso, os cidadãos também deveriam

Quando nasceu o Pix

O Pix foi gestado em meados de 2016, ainda na gestão de Michel Temer como presidente. À época, o BC ainda não era autônomo como é hoje por lei. O presidente era Ilan Goldfajn, indicado pelo então emedebista.

Todavia, o Banco Central foi mais vocal sobre o projeto e seu eventual lançamento só em fevereiro de 2020, sob Bolsonaro. Em 16 de novembro do mesmo ano a modalidade de pagamento foi oficialmente disponibilizada à população.

A funcionalidade mudou drasticamente o ambiente de pagamentos brasileiro, dado que proporcionou pagamentos em segundos e que funcionam 24 horas e sete dias por semana.

Atualmente o sistema atinge 93% da população adulta do país, segundo fontes como Fundo Monetário Internacional (FMI), e é tido como referência global.

Raio-X do Pix

  • 858 milhões de chaves cadastradas
  • 168 milhões de brasileiros que já fizeram transações com o meio de pagamento
  • Mais de R$ 60 trilhões transacionados desde o lançamento
  • Recorde de 276,7 milhões de operações em um dia, em 6 de junho de 2025, totalizando R$ 135,6 bilhões

Em que pé está a CDBC brasileira, o Real Digital, ou Drex

A moeda digital de banco central brasileira foi chamada de Drex – abreviação para Digital Real X.

Trata-se da versão eletrônica da moeda fiduciária (o Real, no caso do Brasil) que tem valor equivalente ao da moeda física, sendo regulada e emitida pelo BC.

Em meados de agosto de 2020 o BC criou o grupo de estudo para emissão do Drex e um ano depois começou a publicação das diretrizes do projeto, definindo objetivos legais, operacionais e tecnológicos.

Em 2023 se iniciaram os testes com a plataforma tokenizadora, com registros de ativos financeiros e real tokenizado destinados ao varejo e atacado e também a interligação de instituições como Banco do Brasil à plataforma Hyperledger Besu (DLT) para validação técnica e interoperabilidade.

Há possibilidade de o Real Digital ser lançado ainda neste ano de 2025. A previsão inicial era entre o fim de 2024 e o primeiro semestre de 2025, mas o BC adiou o lançamento.

Em um comunicado recente o governo desmentiu que o projeto de moeda digital virá para substituir o papel-moeda, frisando que o Drex surge como uma alternativa digital, pensada principalmente para transações eletrônicas, e seu uso não deve alterar significativamente a procura por dinheiro físico.

Além disso, o governo declarou que o Drex não irá rastrear operações financeiras de indivíduos.