O economista norte-americano Paul Krugman voltou a mencionar o Brasil em suas postagens diárias, desta vez, evidenciando o sucesso do Pix, sistema de pagamento eletrônico desenvolvido pelo Banco Central (BC), um dos recentes alvos de ataque do governo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Desde que os EUA decidiram taxar os produtos brasileiros em 50%, a maior alíquota aplicada até então, o vencedor do Nobel de Economia de 2008 tem falado com mais frequência sobre o País.

Em artigo intitulado “O Brasil inventou o futuro do dinheiro? – E será que chegará para os EUA?”, Krugman diz que o Brasil é referência de inovação tecnológica no setor de pagamentos por conta do Pix. Só não para os EUA, que relutam em avançar em soluções de pagamento digital mais abrangentes.

“Outras nações podem aprender com o sucesso do Brasil no desenvolvimento de um sistema de pagamento digital. Mas os Estados Unidos provavelmente permanecerão presos a uma combinação de interesses pessoais e fantasias criptográficas”, diz o economista, em postagem nesta terça-feira, 22.

Segundo ele, a maioria das pessoas provavelmente não considera o Brasil um líder em inovação financeira. No entanto, a economia política do Brasil é “claramente muito diferente” da exercida nos EUA, afirma. “Por exemplo, eles realmente levam ex-presidentes que tentam anular eleições a julgamento”, diz Krugman, sem mencionar diretamente o ex-presidente Jair Bolsonaro.

O Nobel avalia que os grupos de interesse cujo poder, pelo menos por enquanto, impossibilita a criação de uma moeda digital de banco central (CBDC) nos EUA parecem ter menos influência no Brasil, que está desenvolvendo o Drex. O primeiro passo nessa direção foi o Pix, introduzido em 2020.

Krugman compara o sistema brasileiro ao Zelle, um modelo de pagamento digital utilizado nos EUA a partir de um consórcio de bancos americanos. E destaca vantagens da versão verde e amarela, como o fato de ser mais fácil e mais rápida, com as transações sendo processadas de forma praticamente instantânea, custos baixos. Há ainda o maior alcance do Pix no Brasil em comparação com a ferramenta do setor privado americano.

“O Pix é muito mais fácil de usar”, diz o Nobel. “E embora o Zelle seja grande, o Pix se tornou simplesmente enorme, sendo usado por 93% dos adultos brasileiros”, destaca.

Ele toca ainda em um ponto que incomoda o setor privado, e que serviu de catapulta para Trump incluir o Pix como um dos alvos da investigação por práticas injustas pelo Escritório do Representante de Comércio dos EUA (USTR, na sigla em inglês) no Brasil: a penetração do sistema em tão pouco tempo. Em cinco anos desde que foi lançado, em 2020, a ferramenta caiu no gosto dos brasileiros e passou a ser o meio de pagamento mais utilizado no País frente aos rivais dinheiro e cartões, conforme mostram dados do Banco Central (BC).

O Pix “parece estar rapidamente substituindo dinheiro em espécie e cartões”, enfatiza Krugman. “Não posso deixar de notar que o Pix está, de fato, alcançando o que os defensores das criptomoedas alegaram, falsamente, ser capaz de oferecer por meio do blockchain: baixos custos de transação e inclusão financeira”, acrescenta.

De acordo com o Nobel, enquanto o Pix é utilizado por mais de 90% dos brasileiros, somente 2% dos consumidores americanos usaram criptomoedas para comprar algo ou fazer um pagamento em 2024. “Ah, e usar o Pix não cria um incentivo para sequestrar pessoas e torturá-las até que entreguem suas chaves de criptografia”, atenta.

Para ele, os EUA não terão um sistema semelhante ao Pix, pelo menos por ora, por dois motivos. Primeiro, o poder do setor financeiro privado americano inviabiliza a competição com um sistema público, ainda mais se a ferramenta for superior. “De fato, o governo Trump sugere que a mera existência do Pix no Brasil constitui em uma concorrência desleal para as empresas de cartão de crédito e débito dos EUA”, afirma.

Em segundo lugar, diz, a direita americana está “firmemente comprometida com a visão de que o governo é sempre o problema, nunca a solução”. “Os republicanos jamais admitirão que um sistema de pagamentos operado pelo governo possa ser melhor do que alternativas do setor privado”, explica.

Os comentários de Krugman têm como base a aprovação da Lei Genius, pela Câmara dos Deputados americana, que visa a regular e impulsionar o crescimento das stablecoins no país. Na opinião do Nobel, a regulamentação é um caminho para “futuras fraudes e crises financeiras”. Por sua vez, a mesma casa também aprovou um projeto de lei que impede o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) de criar uma moeda digital, ou mesmo de estudar a ideia.

O economista diz que o temor dos republicanos, com razão, é que uma moeda digital do Fed faça concorrência às tradicionais contas bancárias nos EUA. Uma solução seria o país desenvolver uma CBDC parcial. “Sim, poderíamos. Sabemos disso porque o Brasil já o fez”, conclui, em menção indireta ao Pix.