02/04/2003 - 7:00
Paulo Coelho respira fundo. Estende o braço direito para trás durante 40 segundos. O esquerdo sustenta o arco. Chega ao limite do esforço e zás! A flecha corta o ar ao longo de vinte metros entre o canto da sala onde está o arqueiro e o lado oposto. O alvo é uma espécie de tapete de piaçava, de um metro por um metro, instalado próximo à parede. A primeira flecha vai na mosca do quadrado. As outras passam muito perto. ?Faço isso para relaxar?, diz o escritor. Ele não esconde o orgulho com a precisão. Desde 1987, quando lançou O Diário de Um Mago, relato místico de suas andanças pelo Caminho de Santiago, Paulo Coelho vem acertando na mosca. Suas flechas literárias alcançam em cheio o gosto popular. Tornou-se o mais bem-sucedido autor brasileiro em todos os tempos e um dos campeões no mundo. No Brasil, já vendeu 10 milhões de exemplares de 10 títulos. Em 56 idiomas e 150 países, conta 53 milhões de exemplares negociados. O Alquimista, seu grande sucesso, ocupou o primeiro lugar em 18 países, com 11 milhões de unidades.
Chega às livrarias, em 2 de abril, a 11ª seta de Paulo Coelho, Onze Minutos. São 256 páginas com o relato das agruras de uma prostituta brasileira, Maria, em Genebra, na Suíça. Segundo Paulo Coelho, trata do ?sentido sagrado do sexo?. O título é inspirado numa obra do americano Irwing Wallace, Os Sete Minutos, texto sobre a censura nos anos 70 do século passado. Os sete minutos, para Wallace, eram a duração de uma relação sexual. ?Achei que Wallace foi muito conservador em relação ao tempo, e resolvi ampliá-lo?, diz o brasileiro em entrevista a DINHEIRO. Onze Minutos traz um recorde. Sai com uma tiragem de 200 mil exemplares na primeira edição (Jorge Amado, no apogeu, começava a carreira de suas obras com 30 mil unidades). Só é possível compará-lo, atualmente, à série Harry Potter, da inglesa J.K. Rowling (1,5 milhão de volumes no Brasil em quatro livros da coleção), Onze Minutos terá preço de capa de R$ 29,50. O autor recebe 15% de cada unidade vendido. Resultado: Paulo Coelho levará R$ 800 mil apenas com a primeira edição. Ele já celebra, também, o contrato de adiantamento de US$ 200 mil para a tradução francesa e outros US$ 100 mil da versão em polonês de O Diário de Um Mago.
São, a rigor, pequenos tijolos de um edifício milionário. Calcula-se a fortuna de Paulo Coelho apenas com livros nas prateleiras domésticas em pelo menos US$ 200 milhões ? é uma estimativa cautelosa, tendo em vista que sua poupança pessoal cresceu com os juros do mercado, ampliou-se em palestras e com artigos para revistas e jornais
(o mais recente, Obrigado, Sr.Bush, um libelo contra o presidente americano, já foi publicado em quinze países). ?Não quero revelar meu patrimônio pessoal, mas não tenho problema algum em dizer que estou muito rico, fruto de meu trabalho?, diz. É uma riqueza que lhe permite algumas extravagâncias. Recentemente, recusou a proposta feita por um editor europeu, de US$ 1 milhão em adiantamento, por tê-lo considerado ?esnobe em demasia?. Há cinco anos, negociou com a Warner Brothers os direitos para o cinema de O Alquimista por parcos US$ 215 mil. Insatisfeito, e receoso com a qualidade do filme que poderia brotar de seu texto, tentou recomprá-los. Ofereceu
US$ 500 mil mas foi mal-sucedido. Apenas recentemente tranqüilizou-se, ao saber que a adaptação será feita pelo ator e diretor Laurence Fishburne, um dos nomes em ascensão de Hollywood. ?Não quis ajudar no roteiro e já decidi que comprarei meu ingresso, como qualquer pessoa?, afirma. ?Quero ter o direito de gostar, ou não, sem pressões econômicas.? Como costumam fazer os milionários americanos, Paulo Coelho destina parte de seus rendimentos a filantropia. Dá de R$ 300 a 400 mil, todos os anos, para o Instituto Paulo Coelho. Nele são atendidas 320 crianças com educação, saúde e alimentação. A uma entidade polonesa, ele envia US$ 10 mil anuais para a pintura, em cores vivas, das paredes alvas de um hospital infantil.
Quarto-e-sala. Onze Minutos marca também o retorno de Paulo Coelho à editora que o lançou nacionalmente, a Rocco. Em 1996, ele havia se transferido para a Objetiva, numa transação que serviu de paradigma para o mercado de livros ? recebeu R$ 400 mil em adiantamento. Outros R$ 600 mil foram usados na campanha de lançamento de O Monte Cinco, que chegou a vender 280 mil exemplares. Assinava-se, pela primeira vez no País, um contrato profissional aos moldes do que já se fazia nos Estados Unidos. ?Paulo Coelho foi muito importante na consolidação da Objetiva?, diz o editor Roberto Feith. ?Desejo a ele, agora, toda a sorte do mundo.? Feith é sincero. Como o contrato de Paulo Coelho venceu, é natural que ele quisesse mudar de bandeira. Nos bastidores, contudo, a troca de editoras produziu algum desconforto. ?Tê-lo de volta é muito bom?, diz Paulo Rocco. ?Nossa história também está muito ligada à explosão de Paulo Coelho.? Em entrevista à DINHEIRO, o autor diz ter recebido sinais de uma médium francesa para não lançar livro em 2002. Em seguida, deixou o exoterismo de lado e fez as contas. Ganhava menos em direitos autorais por cada um dos quatro livros da Objetiva do que pelos seis da Rocco. Decidiu, então, fazer o roque. A amigos, Feith não esconde a decepção. ?Não é justo comparar vendas de livros diferentes, de épocas e qualidades distintas?, tem dito. ?A verdade é outra: decaiu a capacidade de Paulo Coelho em atrair novos leitores. Não se trata de um problema de distribuição ou recolhimento de direitos autorais.?
Paulo Coelho tem procurado se afastar da polêmica. O argumento? É amigo de Feith e Rocco, quer ver brigas de longe e não esconde sua única ambição: ser o maior vendedor de livros do Brasil. ?E hoje estou entre os quatro maiores do mundo, atrás apenas da J.K. Rowling, do John Grisham e da Danielle Steel?, afirma. O enriquecimento lhe permitiu viajar de primeira classe, ir aos melhores restaurantes do mundo, mas não o transformou num
rico deslumbrado. No tempo em que compunha músicas com Raul Seixas, e isso não foi há 10 mil anos atrás, tinha cinco apartamentos, os quais alugava como fonte de renda. Hoje tem dois, ambos em Copacabana. Um deles, pequeno, serve de escritório. A respeito do outro, Paulo Coelho, atavicamente ancorado no bom humor (ainda que extremamente ansioso), diz se tratar de um ?quarto-e-sala?. Tecnicamente, é isso mesmo. Detalhe: são 400 metros quadrados. Há um salão enorme e um quarto sem portas, com banheira de hidromassagem e televisor com tamanho de tela de cinema. Pela janela, o sol bate de manhã e à tarde. À noite, passeiam as prostitutas.
Entre esculturas da mulher, a artista plástica Cristina Oiticica, e a estante com todas as edições, oficiais e piratas, de seus livros, Paulo Coelho caminha, aos 56 anos, com a segurança de um vencedor. Se houvesse alguma dúvida de que ali, no vasto apartamento, vive o mago, o alquimista, o desbravador do caminho de Santiago, bastaria acompanhá-lo durante uma tarde. São 18 horas de uma terça-feira. Bush ataca o Iraque. Paulo Coelho monta barricadas para se defender dos jornalistas e críticos de literatura que recebem Onze Minutos em primeira mão. As prostitutas na avenida Atlântica começam a sair para a calçada. O relógio digital apita no pulso esquerdo. No notebook desponta Santa Bernardete como protetora de tela. ?Por favor, me dê licença, tenho que rezar.? E lá vai Paulo Coelho, num canto da sala, ali mesmo onde há pouco tempo disparara as flechas. Ao lado da cama do quarto, diante da ampla janela, está pousada uma Bíblia, aberta em Mateus, 10. O versículo 16 chama a atenção de Paulo Coelho: ?Eis que vos envio como ovelhas para o meio dos lobos. Sêde, portanto, prudente como as serpentes e simples como as pombas?. Ele ri, pára e diz: ?É isso mesmo. Ganhei dinheiro honestamente, com meu trabalho, como uma ovelha em meio aos lobos?.
“FUI RICO MESMO SÓ COM US$ 200 NO BOLSO” |
Para o escritor, dinheiro não está associado a quantidade, mas à maneira como ele é utilizado |
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Aos 56 anos, Paulo Coelho sabe que uma trajetória vitoriosa nunca é unânime. Membro da Academia Brasileira de Letras, eleito no ano passado, vive entre as críticas de quem não o considera escritor de primeira linha e o estrondoso sucesso de público. Ele recebeu a dinheiro em seu apartamento de Copacabana, no Rio.
DINHEIRO ? Por que o sr. decidiu trocar de editora, deixando a Objetiva para retornar à Rocco?
PAULO COELHO ? Em 15 de outubro do ano passado, em viagem a Brasília, vi que no aeroporto havia apenas livros da Editora Rocco e nenhum dos títulos publicados na Objetiva. O tema da distribuição já vinha se arrastando há muito tempo, e a Objetiva tinha feito um esforço honesto e duro para solucioná-lo. Entretanto, o problema continuava. Pedi a minha secretária uma estimativa do quanto tinha recebido no mês anterior de cada uma das editoras. A Rocco, onde não lançava uma novidade em quase uma década, com seis títulos no catálogo, tinha me pago naquele mês R$ 55.011,09. Já a Objetiva, com meus quatro livros mais recentes, tinha me pago R$ 5.334,93. Liguei para o Roberto Feith, da Objetiva. Ele me disse ser um mês assintomático, e me pediu que fizesse um levantamento do ano até aquela data.
O sr. fez isso?
Fiz. O resultado: a Rocco me pagara até outubro R$ 280.455,78 e a Objetiva, R$ 112.984,32. Concluí que seria melhor lançar o novo livro por uma editora que estava apresentando resultados melhores e mais estáveis durante 15 anos.
Não foi, portanto, uma decisão tomada em virtude do aviso de uma médium, como se divulgou recentemente…
Recebi, sim, o alerta de uma médium francesa a quem conheci em Davos, na Suíça. Um dia, no ano passado, ela me telefonou, e a telefonemas de Davos é sempre bom atender. Estava indo para a China, mal tinha tempo de conversar, mas lá fui eu. Ela me disse que seria ruim lançar livro novo em 2002. Aí decidi não escrevê-lo. Não procurei esse sinal, ele chegou a mim. E achei bom respeitá-lo.
Em que momento, ao longo de sua ascensão profissional, o senhor parou e pensou: ?fiquei rico??
Dinheiro, para mim, é quase abstrato. Não é algo que ocupe minha cabeça o tempo todo. Costumava dizer para a minha mulher, a artista plástica Cristina Oiticica, há alguns anos: ?Até US$ 100 mil você pensa em dinheiro, depois não pensa mais?. É claro que, depois do sucesso de meus livros, tenho muito mais do que isso. Hoje diria o seguinte: ?até US$ 400 mil você pensa em dinheiro, depois não?.
Mas é certo que ele permite viver com mais tranqüilidade…
Claro que sim. Mas, desde a adolescência, antes mesmo de começar a compor com Raul Seixas, antes da música, sempre tive um único sonho com dinheiro: poder viajar. Consegui. Conheço mais de 50 países. Não cometo nenhuma extravagância. Se quisesse poderia tomar café-da-manhã na Austrália e isso em nada alteraria meu orçamento pessoal. Iria apenas com parte dos juros que recebi com minhas aplicações.
E por que então o sr. não comete essas loucuras?
Para quê? Não faço isso porque não me dá prazer. Mas também não tenho constrangimento nenhum em dizer que ganhei muito dinheiro, sim, fruto do meu trabalho, da literatura. A rigor, sempre fui muito rico. Mesmo quando tinha apenas US$ 200 no bolso e viajei de Nova York até a Cidade do México ? comendo, dormindo, pegando carona, namorando. Fazendo tudo o que um rapaz de 20 anos, hippie, gostaria de fazer. Dinheiro não está associado a quantidade, mas a maneira como você o utiliza.
E o que o sr. faz com o que ganha?
Sou conservador em minhas aplicações. Quase 95% está aplicado em fundos de prazo fixo. Mas às vezes aparece um surto pessoal ou os ?conselhos mágicos? dos banqueiros. Quanto aos conselhos, aboli há cinco anos, não escuto mais e, se me derem, troco a conta de banco. Mas os surtos ocorrem. Acho que o mercado está ruim, vou, compro ? e invariavelmente compro na hora errada. Toda vez que me meto a aplicar alguma coisa em ações, sempre termino perdendo. No momento, tenho aproximadamente 5% de meu capital neste tipo de investimento. Enfim, 5%, se perder, não é muito grave.