DINHEIRO ? A Dell, mais uma vez, não deverá atingir os resultados esperados. O que tem acontecido?
KEVIN ROLLINS
? Em escala global, parece que o mercado enfrentará uma redução no ritmo de crescimento. Ainda não é um movimento em massa, mas as vendas de computadores têm diminuído mais em algumas partes do mundo. O ambiente competitivo tem sido mais intenso do que planejamos ou do que esperávamos. Acho, entretanto, que agimos rapidamente. Acreditamos em nossa habilidade para continuar crescendo, particularmente quando lembramos que 95% da população do mundo vive fora dos EUA e que temos uma fatia de mercado menor fora dos EUA do que alguns de nossos concorrentes. O crescimento não será alcançado em apenas um ou dois trimestres. Estamos posicionando a empresa para os próximos três a cinco anos, e mesmo mais do que isso.

DINHEIRO ? O que a Dell tem feito em relação aos mercados maduros que estão encolhendo?
ROLLINS
? Bom, nós não podemos fazer muito com relação aos mercados que estão diminuindo o ritmo de seu crescimento por questões macroeconômicas. Depois das altas taxas de crescimento dos últimos anos, é natural que haja uma redução nos gastos com Tecnologia da Informação (TI). O que a Dell está fazendo é focar em mercados de alto crescimento, como Brasil, China e Índia. No Brasil, por exemplo, as coisas têm acontecido de maneira completamente diferente dos mercados já maduros. No último trimestre, nosso crescimento foi de 74% em receita e de 97% em número de unidades vendidas. O Brasil é um mercado muito, muito bom.

DINHEIRO ? Por que essa diferença?
ROLLINS
? Tem muito a ver com o aumento do reconhecimento da marca. Estamos no Brasil há algum tempo e grandes clientes corporativos, bem como pequenas e médias empresas, já reconhecem e respeitam o nome Dell. Eles encontraram uma empresa muito confiável.

DINHEIRO ? A computação thin client (em que os computadores não têm disco rígido e usam programas armazenados num servidor central) tem crescido no Brasil e na América Latina. Como a Dell irá reagir?
ROLLINS
? Nós ouvimos falar muito a respeito de thin client, alguns clientes perguntam sobre esse tipo de solução, mas em termos de volume vendido ainda não é tão representativo. A Dell desenvolveu equipamentos thin client três vezes. Nós os levamos ao mercado, depois de ouvir o consumidor, mas nunca quiseram comprá-lo de verdade. No final, o cliente percebe que o PC tradicional atende a todas as suas necessidades, por um preço muito similar.

DINHEIRO ? A Dell recentemente anunciou a mudança de sua fábrica do Rio Grande do Sul para São Paulo, onde estão concentradas 70% de suas vendas. A intenção foi se aproximar desse consumidor?
ROLLINS
? Temos muita confiança no mercado brasileiro e queremos estar muito mais perto do mercado em crescimento. Por isso, localizamos a fábrica próxima a São Paulo. Isso vai nos permitir atender a esse consumidor com mais eficiência e rapidez.

DINHEIRO ? A Dell vai fechar a fábrica gaúcha?
ROLLINS
? O que anunciamos foi uma expansão. Vamos construir uma nova planta em São Paulo e expandir nosso serviço de call center no Rio Grande do Sul. A sede da Dell permanece lá, inclusive o centro de desenvolvimento de software. A empresa precisa de mais espaço para crescer e a escolha de São Paulo é essencialmente uma decisão para otimizar custos. Vamos ter melhor prazo de entrega e um preço mais competitivo para os clientes. São Paulo não só responde por cerca de 70% do volume total da empresa no Brasil como abriga a maior parte da cadeia de fornecimento. Ali está também a logística mais eficiente, o que facilita a importação e exportação.

DINHEIRO ? A Dell começou recentemente a veicular nos EUA uma campanha publicitária em que cria forte relação emocional com o consumidor. No filme, a empresa deixa de ser uma fabricante de máquinas para se tornar quase uma consultora pessoal, que faz computadores sob medida para o cliente. Por que essa imagem não é usada no Brasil?
ROLLINS
? Nosso foco no País são pequenas e médias empresas, grandes corporações, governo e não o consumidor final. Nos EUA, usamos o filme para comunicar os benefícios de ter um PC feito para você.

DINHEIRO ? Por que a Dell não busca o consumidor final no Brasil?
ROLLINS
? O jeito mais eficiente de o nosso modelo de negócios dar resultado num novo país é falar primeiro com o cliente corporativo. Ele é mais lucrativo e constante. Tentamos desenvolver nossos negócios com grandes corporações e depois com o governo e mais tarde com pequenas e médias empresas. Nosso último foco é o consumidor final, menos lucrativo.

DINHEIRO ? Isso significa que não haverá TVs e outros equipamentos eletrônicos da Dell tão cedo no mercado brasileiro?
ROLLINS
? Procederemos do mesmo jeito que fizemos com os computadores. Antes de oferecer TVs ao consumidor final, iremos buscar as vendas corporativas, como empresas, centros de convenções e hotéis. Mas ainda não temos data prevista de lançamento desses produtos.

DINHEIRO ? A Dell pressionou o governo brasileiro para tentar reduzir o mercado informal de PCs no País. A resposta foi boa?
ROLLINS
? Tivemos algumas boas notícias, mas ainda há muito a ser feito. Da primeira vez que fui a Brasília falar com o governo, o mercado informal respondia por 70% do total. Isso tornava muito difícil para empresas legalizadas ser lucrativas e investir no País. Agora, o percentual baixou para 60%, que ainda é alto, mas o governo tem atuado de forma ativa para ajudar a diminuir o mercado cinza. É do interesse de todos que empresas que pagam impostos sejam bem-sucedidas.

DINHEIRO ? Sua empresa continuará com a política de trabalhar contra a pirataria ao lado do governo?
ROLLINS
? Continuaremos a apoiar as iniciativas públicas, principalmente em relação a reduzir barreiras tarifárias e tributação. E também para tentar coibir as empresas que atuam no mercado cinza. O melhor jeito de fazer isso é reduzir barreiras. Se houver redução de impostos ou taxas alfandegárias, o mercado informal perde suas vantagens e deixa de existir.

DINHEIRO ? Como a Dell enxerga a inclusão digital num país com tamanha desigualdade social como o Brasil?
ROLLINS
? Achamos muito importante colocar computadores nas mãos das crianças e dos estudantes, não importa qual seja sua condição social. Nós queremos muito trabalhar com o governo e lançar esforços para fazer a tecnologia disponível, oferecendo planos de financiamento para permitir que todas as escolas tenham chance de usar a tecnologia. Temos experiências riquíssimas no México, onde o governo está encorajando todas as empresas de tecnologia a entrar nas escolas e ajudá-las no programa de inclusão digital. Adoraríamos trabalhar com o governo brasileiro para fazer com que a tecnologia e a internet cheguem a todas as escolas do País.

DINHEIRO ? Como funciona essa parceria com o governo mexicano?
ROLLINS
? Eles têm um fundo público para levar e implementar a tecnologia às salas de aula. Nós os ajudamos levando nossos produtos e serviços, em alguns casos em lugares muito remotos. Como temos um sistema de distribuição muito eficiente, para nós e o governo é uma experiência bastante interessante.

DINHEIRO ? A idéia dos PCs de US$ 100, criados por Nicholas Negroponte, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), que vem sendo apoiado pelo governo brasileiro, não seria um jeito mais eficiente de fazer essa inclusão digital?
ROLLINS
? Nós não achamos que PCs de US$ 100 sejam a resposta certa porque ele só atinge um dos itens da inclusão digital, que são os computadores. Para se ter um programa completo, que abranja tudo o que é necessário para a inclusão, podemos oferecer computadores a US$ 100, mas com tecnologia um pouco ultrapassada em relação à que vendemos hoje. Isso, entretanto, não resolve problemas de telecomunicações, de educação, de logística e de financiamento. Estamos conversando com os governos da Índia e da China sobre um modo diferente de levar os computadores aos usuários por um bom custo-benefício. Mas, se não houver educação, infra-estrutura de telecomunicações e financiamento, muitos desses computadores ficarão largados numa sala.

DINHEIRO ? A Dell estuda desenvolver programas de inclusão similar a esse no Brasil?
ROLLINS
? Adoraríamos falar com o governo brasileiro sobre nossa experiência. Na China, estabelecemos o que chamamos de Dell Learning Centers, em que colocamos centenas de PCs disponíveis para comunidades e escolas. Eles são assistidos pelo governo, que também provê o acesso à rede.

DINHEIRO ? Como funcionou no caso da China?
ROLLINS
? Mostramos ao governo os resultados obtidos com essa experiência, que é financiada por um empresário local. Trouxemos a tecnologia e o treinamento para ensinar essas crianças carentes a usar os computadores e a internet para fins educacionais. Nossa pergunta é: por que não podemos ampliar esse modelo para outros países e ter mais e mais pessoas envolvidas em educação e treinamento, em vez de ter apenas computadores de US$ 100 desconectados do mundo?