A Universidade Católica do Salvador (UCSAL), da Bahia, sofreu um desfalque de R$ 36,5 milhões, de 1994 a 2000. Segundo avaliações preliminares, o desvio pode chegar a US$ 15 milhões, em valores atualizados. No centro das investigações está o ex-gerente financeiro da UCSAL e atual prefeito de Maragogipe, na Bahia, Raimundo Gabriel de Oliveira. Mas as investigações vão além. Com base em depoimentos do próprio Raimundo e de sua ex-esposa, levantou-se a suspeita de caixa dois, com a suposta participação de dirigentes da universidade. O Ministério Público da Bahia vai pedir a quebra de sigilo financeiro e fiscal de 21 pessoas, incluindo o do reitor e de pró-reitores. ?É um golpe espantoso, como se desviou tanto dinheiro sem ninguém perceber??, pergunta o promotor e assessor do Procurador Geral de Justiça, Janio Peregrino Braga.

A UCSAL é uma entidade filantrópica, que conta com benefícios fiscais, e é ligada à Igreja Católica. Segunda maior universidade da Bahia, tem 16.436 alunos, 24 cursos e movimenta cerca de R$ 80 milhões por ano. Embora representassem uma porcentagem alta da receita anual, os desvios ocorreram durante seis anos, sem ser denunciados. O reitor José Carlos Almeida da Silva afirma que, em 2000, contratou uma empresa de auditoria para verificar os controles da contabilidade, sem desconfiar da existência de qualquer golpe. ?Fui eu quem pediu a auditoria e acabei descobrindo a fraude?, diz o reitor, que se antecipou e ofereceu ao Ministério Público a quebra de seu sigilo fiscal e financeiro.

O que a procuradoria apurou até agora é que o esquema era simples e relativamente fácil de ser identificado. Segundo o promotor Peregrino Braga, o gerente financeiro Raimundo Gabriel emitia cheques em nome da universidade para serem depositados em contas de 14 empresas numa agência do Baneb, em Salvador. A maioria dessas empresas pertencia ao próprio Raimundo
ou a seus amigos e parentes. As saídas
de dinheiro apareciam na contabilidade da UCSAL como pagamento da parte patronal do INSS _ embora a universidade seja entidade filantrópica e não desconte esse imposto. Algumas retiradas sequer tinham registros contábeis, ficavam em aberto, segundo os depoimentos. ?Não havia grande mistério nos desfalques?, diz o promotor.

Outra questão que chamou a atenção foi o fato de que o regimento interno da universidade proibia funcionários como Raimundo de movimentar tanto dinheiro. Em tese, o Baneb também não poderia liberar os recursos sem a assinatura dos superiores de Raimundo. Em seu depoimento ao Ministério Público, o ex-gerente financeiro reconheceu ter realizado pagamentos indevidos e lançou dúvidas sobre os superiores. Afirmou que, para movimentar o dinheiro, tinha a ?aquiescência informal? do pró-reitor administrativo e financeiro, Carlos Lins, a quem seria ?ligadíssimo?. E que ele mesmo pediu a auditoria e, ao saber dos resultados, tinha esperanças que o assunto fosse resolvido internamente, ?a nível da pró-reitoria?. Raimundo ?não afirmou nem negou que o pró-reitor tenha auferido alguma vantagem?. Em outro depoimento, a ex-mulher de Raimundo levantou a suspeita que o gerente era responsável por um caixa dois envolvendo dirigentes da universidade.

Com base nos depoimentos de Raimundo e da ex-mulher, o Ministério Público resolveu estender as investigações. Questionado sobre a suspeita de caixa dois, o promotor Peregrino Braga diz que a investigação está no início, não há provas, mas ?é estranho que ninguém tenha percebido o golpe durante tanto tempo?. O reitor afirma que a suspeita é absurda porque foi ele quem fez a denúncia ao MP e contratou o escritório de advocacia de Márcio Thomaz Bastos (antes de virar ministro da Justiça) para processar os supostos responsáveis pelo golpe. Procurados pela reportagem de DINHEIRO, Carlos Lins e Raimundo Gabriel não foram encontrados.

Além do desvio milionário, a universidade tem outro desafio nos próximos dias. Uma fiscalização do INSS levantou a suspeita de que a UCSAL não cumpre as regras de uma entidade filantrópica. Pela lei, teria que destinar 20% de sua receita para benefícios sociais (bolsas de estudo). Mas fatura R$ 80 milhões por ano e só destina R$ 1,6 milhão para alunos carentes. Além disso, seus dirigentes não poderiam receber salários. Mas ganham R$ 30 mil por mês, segundo os fiscais. O reitor alega que o cálculo dos salários está errado porque incluiu benefícios de férias. Além disso, a UCSAL está entrando na Justiça, como outras instituições, porque a lei seria rigorosa demais. ?É impossível destinar 20% para ação social?, diz Silva. Além de ter sofrido o desfalque, agora a UCSAL briga para não perder os benefícios fiscais.