A fuga de Alexandre Ramagem (PL-RJ) para os Estados Unidos, que levou o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes a decretar sua prisão preventiva, não deve alterar a situação jurídica do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Segundo juristas ouvidos pelo Estadão, o impacto, entretanto, pode ser subjetivo: reforçar a justificativa para o controle rigoroso que o ministro do STF tem adotado sobre réus da trama golpista.

A análise ocorre no mesmo dia em que a defesa do ex-chefe do Executivo pediu ao ministro Alexandre de Moraes que mantenha Bolsonaro em prisão domiciliar, agora sob a justificativa de “prisão domiciliar humanitária”.

Ramagem está nos Estados Unidos desde setembro, de acordo com o portal PlatôBR, apesar de ter o passaporte apreendido e estar proibido de viajar. Ele teria seguido de avião até Boa Vista e, depois, cruzado por terra a fronteira com a Venezuela ou a Guiana antes de embarcar para Miami.

Diante do descumprimento das medidas impostas no julgamento da ação do golpe, em que foi condenado a 16 anos e 1 mês por abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa, Moraes determinou a prisão preventiva e deve pedir a inclusão do nome dele na difusão vermelha da Interpol.

Na avaliação de especialistas, a fuga de Alexandre Ramagem é um episódio isolado, restrito ao processo do próprio deputado, e não cria repercussões diretas para o caso do ex-presidente Jair Bolsonaro, seja no pedido de prisão domiciliar humanitária, seja em uma eventual futura análise sobre cumprimento de pena em regime fechado.

O criminalista Davi Mitzer afirma que não há qualquer elemento jurídico que permita vincular o descumprimento de medidas cautelares por Ramagem ao processo de Bolsonaro. Segundo ele, cada réu deve ser analisado individualmente.

“A eventual fuga do Ramagem é um dado individual, ligado exclusivamente à sua própria conduta e às circunstâncias do processo dele. Isso não se projeta automaticamente sobre terceiros, e muito menos serve para presumir risco processual em relação ao ex-presidente”, afirma.

Mitzer destaca que o julgamento sobre manter Bolsonaro em prisão domiciliar, ou autorizá-lo a ir para o sistema penitenciário, depende exclusivamente das variáveis específicas do ex-presidente.

“A possível manutenção da domiciliar depende dos elementos pessoais e objetivos do processo de Bolsonaro, como condição de saúde, capacidade da unidade prisional de atender e proporcionalidade da medida. São situações que não se comunicam”, conclui.

O professor Davi Tangerino, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), compartilha a avaliação de que não existe impacto jurídico direto, mas afirma que a fuga de Ramagem reforça a razão pela qual o ministro Alexandre de Moraes tem adotado medidas severas para monitorar réus do processo golpista, inclusive Bolsonaro.

Para ele, o episódio valida a preocupação do ministro com o risco de evasão, mas isso não significa que a situação de Bolsonaro se torne automaticamente mais grave. “O que antes poderia parecer uma obsessão, agora parece ser uma preocupação plausível”, diz. Mesmo assim, Tangerino ressalta que a fuga não pode ser usada contra o ex-presidente na análise da domiciliar.

“Não milita contra a domiciliar, salvo sob a justificativa de que esse monitoramento por anos a fio seria muito oneroso à União”, acrescentou.

Já o coordenador do Direito ESPM, Marcelo Crespo, reforça que, do ponto de vista técnico, os processos não se conectam. Ele explica que, embora Ramagem e Bolsonaro estejam no mesmo conjunto de investigações da trama golpista, as medidas cautelares, condutas individuais e riscos processuais de cada um não podem ser confundidos.

Crespo explica que a fuga de Ramagem serve exclusivamente para embasar a decisão tomada contra o próprio deputado. “Isso pode influenciar apenas o processo do Ramagem, como o caso do ministro entender que é o caso de decretar prisão preventiva em razão do descumprimento anterior da determinação de que ele não viajasse sem autorização judicial.”

Defesa de Bolsonaro pede “prisão domiciliar humanitária”

A defesa de Jair Bolsonaro protocolou nesta sexta-feira, 21, um pedido para que Moraes mantenha o ex-presidente em prisão domiciliar, alegando risco concreto à vida e incapacidade do sistema prisional de oferecer atendimento adequado. Os advogados anexaram exames médicos e relatórios que apontariam um quadro de saúde debilitado, com episódios de “soluços incoercíveis”, falta de ar e desmaios.

A petição afirma que o ex-presidente foi levado três vezes ao hospital desde o início da domiciliar e menciona pareceres da Defensoria Pública do Distrito Federal sobre condições precárias no Complexo da Papuda. Como mostrou o Estadão, a “Papudinha” passou a ser apontada nos bastidores do STF como o destino mais provável de Bolsonaro.

Bolsonaro foi condenado pelo STF a 27 anos e 6 meses de prisão pelos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, associação criminosa armada e incitação ao golpe. Desde agosto, cumpre prisão domiciliar por ordem de Moraes no inquérito que apura articulação com autoridades americanas para interferir no processo do golpe, investigação que também levou seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), a se tornar réu por coação no curso do processo.

*Colaborou Hugo Henud