19/07/2021 - 14:39
Israel se orgulha de ser um pioneiro em inovação tecnológica, mas as acusações de espionagem de jornalistas e ativistas por meio do programa Pegasus da empresa israelense NSO refletem o lado oculto dessa diplomacia digital.
Criada em 2010 por Shalev Hulio e Omri Lavie e com sede em Herzliya, ao norte de Tel Aviv, a empresa israelense NSO é frequentemente criticada por seu programa Pegasus.
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Este programa espião não serve apenas para acessar os dados de um smartphone, mas também assume o controle da câmera e do microfone.
No domingo, 17 veículos internacionais revelaram pelo menos 180 jornalistas, 600 políticos, 85 ativistas de direitos humanos e 65 empresários foram hackeados com o Pegasus.
Em Israel, este programa é considerado uma “arma” e para ser vendido aos serviços secretos de outros países deve obter a aprovação do ministério da Defesa de Israel.
A NSO rejeitou nesta segunda-feira em comunicado as “acusações fraudulentas” e garantiu que apenas atua “para salvar vidas e prevenir crimes e atos de terrorismo”.
“Não recebemos nenhuma evidência até o momento de que uma pessoa desta lista foi alvo do sistema Pegasus”, disse Oded Hershkovitz, porta-voz do grupo, à rádio israelense.
“A grande questão para mim é se a NSO sabia sobre as pessoas ‘espionadas'”, apontou à AFP May Brooks-Kempler, especialista israelense em segurança cibernética.
“Deveríamos estar mais atentos aos clientes dessa tecnologia e não vendê-la para regimes que possam utilizá-la para espionar sua população e seus opositores. É basicamente um problema do ministério da Defesa”, que autoriza sua exportação, enfatiza a especialista.
– Israel, “incubadora de tecnologias repressivas” –
Procurado pela AFP, o ministério da Defesa indicou que “não tem acesso às informações recolhidas pelos clientes da NSO”, mas lembrou que são tomadas medidas “cabíveis” caso os clientes destes programas violem as condições de utilização.
Em Israel, existem várias centenas de empresas no setor de segurança cibernética e algumas delas são especializadas em tecnologias ofensivas, que permitem a infiltração de outros sistemas.
O então diretor da Autoridade de Inovação de Israel, Aharon Aharon, afirmou em 2019 à AFP que “no uso de tecnologias (de segurança cibernética) há uma parte boa e também pode haver uma parte mais sombria. Acho que a NSO se baseia, em certo extensão, neste lado escuro”.
“Israel é uma incubadora de tecnologias repressivas”, disse à AFP Jonathan Klinger, advogado especializado em direito da computação. “É um modelo de negócio triste (…) mas não é ilegal.”
– Ferramenta diplomática –
Israel exporta seus avanços tecnológicos no setor de agrotecnologia, mas também na indústria militar, como drones, sistemas de mísseis ou inteligência artificial, o que favorece as relações diplomáticas com outros países.
Segundo revelações deste domingo, quatro países árabes usaram o Pegasus: Emirados Árabes Unidos, Marrocos, Bahrein e Arábia Saudita.
Os três primeiros normalizaram seus laços com Israel em 2020 e depois também houve um certo degelo entre Riade e Tel Aviv.
O uso do polêmico programa da NSO favoreceu essa reaproximação diplomática? “A vontade dos Estados Unidos de vender seus F-35 para os Emirados e sua pressão (em favor da normalização) mudaram a situação, o programa Pegasus não”, disse Yoel Guzansky, pesquisador do Instituto de Estudos de Segurança Nacional (INSS) de Tel Aviv.
“Há 20 ou 30 anos, as exportações de armas permitiram a Israel estabelecer inúmeras relações diplomáticas ou informais com países na África, Ásia ou Oriente Médio e a mesma situação ocorre hoje. Mas agora tem mais coisas para vender, como uma gama de ferramentas de segurança cibernética”, acrescenta este especialista.
No entanto, esta é “uma faca de dois gumes, já que Israel também pode ser visto como um país que ajuda regimes autoritários a reprimir as liberdades civis”, diz ele.