Espírito de manada. Os americanos costumam usar o termo para definir a invasão das montadoras em novos mercados. Chega a primeira, a segunda, a terceira e o que se vê em seguida é uma enxurrada de marcas fincando bandeira em algum ponto do mundo. O Brasil tem vivido este espírito há quatro anos. Geralmente, as ?manadas? são movidas muito mais por receio de ficar de fora de um possível eldorado automotivo, do que por planejamentos estratégicos para aquele determinado centro. Os mais afoitos apresentam apenas um produto para marcar posição em nichos de mercado e não têm aspirações maiores que isso. Os pacientes, querem fazer história. Na pequena Porto Real, vizinha a Resende, no Rio de Janeiro, quase na divisa com São Paulo, os robôs da fábrica do grupo PSA Peugeot Citroën estão programados para construir a história da marca francesa no País. Pelo menos é este o discurso da montadora. A qualquer momento, antes do próximo dia 30 ? prometem os executivos do grupo ?, a linha de montagem entra em pleno funcionamento para despejar no mercado uma família completa de veículos. ?Viemos para ficar?, diz o mote da campanha publicitária. ?Em três anos, teremos 7% do mercado?, garante Pierre-Michel Fauconnier, diretor geral da operação Brasil. Este é o espírito que move a montadora francesa em solo brasileiro.

A meta de conquistar 7% do mercado é ambiciosa. A Ford, por exemplo, tem 7,5% de participação. A Renault, em dois anos de operação, atingiu pouco mais de 3%. ?Temos produtos para alcançar esse objetivo?, diz Fauconnier. Em uma das linhas de Porto Real será montada a minivan Citroën Xsara Picasso, lançada na Europa há pouco mais de seis meses. Da outra linha sairá o pequeno Peugeot 206, de visual agressivo, que no Brasil ganha a versão 1.0. Os dois modelos são os de maior sucesso de ambas as marcas em todo o mundo. Na avaliação de especialistas do mercado, a Peugeot Citroën é, junto com a Renault, uma das poucas montadoras que estão vindo para o País com a mentalidade de disputar o mercado como um todo. ?Honda e Toyota, por exemplo, vieram com um modelo cada uma?, analisa Glauco Arbix, professor de sociologia da USP e especialista em política industrial automotiva. Com mais de dois anos de Brasil, diz Arbix, Honda e Toyota continuam produzindo um único modelo cada em suas novas fábricas. ?Só os dois grupos franceses vão disputar o segmento dos carros populares e de nível médio com as grandes Volkswagen, Fiat, GM e Ford?, afirma o professor. Para se ter uma idéia, dos 1,6 milhão de automóveis que devem ser produzidos no Brasil este ano, nada menos do que 70% caberão aos modelos populares. ?No ano que vem, queremos vender 36 mil carros, sendo 18 mil do 206 popular?, diz Cees Hermanns, presidente da Peugeot do Brasil.

Oficialmente, a fábrica será inaugurada no dia 1º de fevereiro de 2000. Mas, desde agosto deste ano, os primeiros exemplares Peugeot e Citroën estão sendo montados. A fase de teste do ferramental, do maquinário e de treinamento dos funcionários terminou agora em dezembro. Duas pré-séries já foram feitas. A linha vem funcionando em ritmo intermitente. A qualquer dia deste mês, no entanto, começa a rodar para valer até chegar a 24 mil carros daqui a um ano. ?Quando iniciarmos as vendas, entre março e abril de 2001, precisaremos ter estoque suficiente para atender as encomendas?, diz Fauconnier.

Tanto a Citroën como a Peugeot chegaram ao Brasil como importadoras no início da década de 90. Em 1995, foi constituído no Brasil um grupo de prospecção de um projeto industrial. Os emissários do grupo observaram a intensa movimentação do setor. Perceberam ainda a declarada guerra fiscal entre Estados e entre municípios, que ofereciam saborosos quitutes de incentivos e isenções fiscais. Entre esses quitutes estava a oferta do terreno de dois milhões de metros quadrados em Porto Real, uma grande parceria com o governo do Estado e um generoso empréstimo bancário.

Fauconnier revela que, dos U$$ 600 milhões previstos para o investimento, cerca de US$ 137,5 milhões são fundos próprios das empresas, outros US$ 62,5 milhões foram bancados pelo governo do Rio de Janeiro e os US$ 400 milhões restantes vieram de empréstimos bancários, principalmente do BNDES. O investimento estatal em um negócio privado recebe um rosário de justificativas. ?Até o final do ano que vem vamos gerar mil empregos diretos e outros 600 nas oito autopeças que também vão se instalar em Porto Real?, argumenta Fauconnier, prometendo ainda a expansão de rede de concessionárias, de 90 para 200 da Peugeot e de 30 para 80 da Citroën, até o final de 2003, quando o grupo pretende vender 140 mil veículos.

Além dos dois modelos produzidos em Porto Real, o grupo trará carros de suas unidades na Argentina, Uruguai e França para completar a família de veículos. Da marca Peugeot, virão o 206, com motor 1.6, o modelo 306, o coupê 406 e a perua Break. Da Citroën, o furgão de passeio Berlingo. Sérgio Habib, presidente da Citroën do Brasil, afirma que o objetivo da marca é vender 60 mil carros em 2004, o que representaria 3% do mercado. ?Para isso vamos ter que produzir um modelo popular no Brasil?, revela. Como se vê, os franceses da Peugeot Citroën armaram uma grande operação comercial e industrial no País. Agora, esperam que 2001 seja um ano de prosperidade em terras brasileiras. Santè Peugeot Citroën!

?QUEM SÓ IMPORTA NÃO É BEM VISTO?

 

Há 14 meses no Brasil, o administrador de empresas Pierre-Michel Fauconnier, de 52 anos, recebeu da Peugeot Citroën, da qual é funcionário há 31 anos, a tarefa de implantar a fábrica do grupo no Brasil. Instalado no prédio da Firjan (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro), Fauconnier afirma: ?Trouxemos carros maravilhosos, para uma cidade e um País maravilhosos?.

DINHEIRO ? O slogan ?Fábrica no Brasil, viemos para ficar? é alguma referência a concorrentes que não vieram para ficar?
FAUCONNIER ?
O cliente brasileiro gosta de ver a montadora com fábrica instalada no País, mostrando que será capaz de oferecer serviços por longo tempo, de oferecer peças de reposição a um preço nacional e não importado. As que só importam não são muito bem vistas aqui.

DINHEIRO ? Vocês acreditam que a meta de dois milhões de veículos produzidos no Brasil vai ser superada?
FAUCONNIER ?
O mercado brasileiro, em 1997, chegou a produzir dois milhões de carros. Não tenho dúvida de que vamos ultrapassar esse número. No Brasil temos um veículo para cada nove habitantes. Com o mesmo Produto Interno Bruto (PIB) por habitante que o Brasil, a Polônia, a Hungria e outros países do Leste europeu têm uma frota de veículos proporcionalmente muito maior, duas vezes mais importante. É claro o potencial de crescimento no Brasil.

DINHEIRO ? E quanto do mercado interno vocês pretendem conquistar?
FAUCONNIER ?
As quatro grandes do Brasil, Volks, Fiat, GM e Ford, dominam hoje 85% do mercado. Nossa meta é chegar a 7% do mercado brasileiro em 2003, quando as vendas devem estar na casa dos dois milhões de veículos. Ou seja, queremos vender 140 mil carros ao ano, entre a produção nacional e de importados.

DINHEIRO ? Que lugar a Peugeot Citroën ocupa no mercado mundial?
FAUCONNIER ?
No ano passado nós vendemos 2.516.000 carros. Como o mercado mundial é de mais ou menos 50 milhões de veículos, nossa participação está em torno de 5%. Na Europa somos o segundo grupo, só atrás da Volkswagen.

DINHEIRO ? O ex-presidente Charles De Gaulle, seu compatriota, disse certa vez que o Brasil não é sério. O sr. concorda com ele?
FAUCONNIER ?
De Gaulle disse que o Brasil era um grande país com grandes problemas que precisavam ser resolvidos. E isso está acontecendo.