Pouco depois de uma tênue luz aparecer no fim do túnel para reanimar a indústria brasileira — que entre 2015 e 2018 registrou os piores reflexos da baixa atividade econômica —, o surto de coronavírus tornou tudo bem mais sombrio novamente. Na tentativa de conter os efeitos da quarentena adotada para conter o avanço da Convid-19 a Confederação Nacional das Indústrias (CNI) lança uma cartilha endereçada ao governo federal para obter alívio financeiro. As propostas vão de suspensão de tributos federais por 90 dias à possibilidade de postergar dívidas atreladas ao programa de refinanciamento de débitos. A ideia é assegurar, senão a retomada da cadeia produtiva do País, que ao menos os estragos sejam pequenos.

Segundo análises da CNI, o golpe na receita das indústrias tende a ser maior que o período crítico pandemia, colocando o setor em real perigo de volta a um ciclo recessivo — justamente quando, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), o setor opera com ganhos inferiores aos de 2013. “A atividade industrial vinha fragilizada, e tudo indica que o período pós-estabilização da doença também será ruim”, afirma o economista Sérgio Hélio Bessa, ex-conselheiro da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), hoje no governo paulista. Para ele, qualquer medida que amorteça as perdas são bem-vindas e, nesse sentido, outras demandas da CNI, como redução temporária das contas de luz e gás, além da proteção cambial dos bancos públicos (conhecido como hedge) são importantes.

Robson Braga de Andrade, presidente da CNI e autor das propostas em parceria com federações estaduais da indústria e o Fórum Nacional da Indústria (FNI), é necessário que “o uso de recursos públicos, escassos devido à situação fiscal, seja direcionado ao fortalecimento do sistema de saúde e ao alívio da situação financeira das empresas, para que se assegure a preservação dos empregos”. A CNI sugere ainda mudanças no mercado regulatório. Uma delas é que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ajuste as normas de registro e pós-registro necessários para agilizar eventuais trocas de fornecedores de Insumo Farmacêutico Ativo (IFA) e outros itens para essa indústria. Pede ainda que a agência libere o Preço de Fábrica dos medicamentos, com inovações incrementais dos critérios definidos pela Resolução nº 02/2004. O objetivo, de acordo com a CNI, é estimular os investimentos, sendo que a pauta de precificação de medicamentos é prioritária para destravar investimentos em inovação previstos para o setor farmacêutico.

Cartilha em mãos Robson Braga de Andrade, presidente da CNI, defende medidas de proteção ao empresário do ramo industrial nos próximos meses. (Crédito: Alan Santos)

CARTAS NA MESA Outra demanda diz respeito à prorrogação automática, por 90 dias, de Certidão Negativa de Débito (CND) com vencimento durante o período de vigência das medidas contra a crise, a fim de viabilizar a operação de empresas com dificuldades momentâneas do cumprimento de obrigações tributárias. Sugere ainda a prorrogação automática, também por 90 dias, de licenças e certidões.

Na relação com o trabalhador, a proposta da CNI é ampliar o banco de horas, podendo este ser fixado unilateralmente pela empresa, prevendo prazo de compensação de até dois anos, em caso de paralisação das atividades da empresa em razão da crise. Para isso, seria necessário alterar o artigo 59 da CLT. A indústria propõe que, em caso de paralisação de atividades da empresa ou do empregado, ela poderá compensar os dias em que não houver trabalho com dias de férias, ainda que não tenha completado o período aquisitivo — o que exigiria também mudança na CLT.

A lista da indústria inclui propor que a fiscalização trabalhista não aplique multas por medidas adotadas pelas empresas em função do enfrentamento da atual crise, com a alteração do artigo 627 da CLT. Ao fim, quer que seja criada uma lei para prever expressamente que a doença causada pelo covid-19 não se trata de doença do trabalho. O advogado Gustavo Rocco, especialista em direito trabalhista e sócio do escritório Rocco & Medeiros Associados, diz que essas questões são as mais sensíveis e passíveis de judicialização no médio e longo prazo. “O que a CNI faz é tentar garantir que tais medidas não serão questionadas no futuro, mas eu acredito que haverá espaço para questionamentos legais”, afirma.

Para o professor de economia da Universidade de São Paulo (USP) Carlos Casarin, uma demanda da indústria que deve ser atendida é a de linhas de crédito do BNDES para os setor. “Um movimento que se vê em boa parte dos países para socorrer a economia e proteger do emprego”, diz.

De caráter paliativo e temporário, as propostas servem para que empresas de todos os portes possam atravessar esses tempos sombrios. Sérgio Bessa, do grupo de gestão de crise do governo paulista, diz que o comércio e os serviços vão retomar suas atividades assim que o surto passar, “enquanto as indústrias precisarão remontar estoques antes de voltar a vender”.

Se o futuro da indústria — que segundo o IBGE perdeu quase 33% da sua participação no PIB brasileiro em 20 anos — não vislumbra uma luz no fim do túnel, ao menos o setor já sabe que ela pode ser acesa.