27/03/2002 - 7:00
O séquito de limusines avança pelas movimentadas avenidas de Tóquio. O tráfego, mesmo à noite, é truncado. Dentro dos carros, os celulares tocam e assessoras de dois grandes grupos de relações públicas e eventos trocam palavras ansiosas. Os olhos, volta e meia, voltam-se para os relógios. Pelé está atrasado. No Hotel Four Seasons, executivos e clientes da Mastercard o aguardam para um coquetel, o quinto compromisso de um dia repleto. A luz dos imensos painéis publicitários atravessa os vidros e reflete o stress no rosto das moças. O rei do futebol, inabalável, dribla o cansaço ? ninguém diria que ele já está na estrada há duas semanas, saltando de compromisso em compromisso, ora em Zurique, na Suíça, ora em Beijing, na China. E sorri. ?Só Deus pode explicar que, 30 anos depois de deixar de jogar, eu ainda seja tão conhecido no mundo todo, ainda haja tanta gente esperando pelo Pelé?, diz à DINHEIRO Edson Arantes do Nascimento, ele mesmo fazendo uma deferência à entidade que personaliza. O homem dos 1.283 gols já viveu momentos como aquele milhares de vezes. ?Duvido que alguém tenha tido sua imagem vinculada a produtos e empresas em mais oportunidades e em mais países do que eu?, afirma.
Pouco antes, em outro hotel da capital japonesa, Pelé havia sido a estrela de lançamento de uma campanha de conscientização sobre impotência sexual patrocinada pela Pfizer, gigante americana da área de medicamentos. Mais uma vez, como protagonista dos anúncios, sua imagem vai percorrer o mundo. Trata-se de uma rotina que se repete há 45 anos, desde que o adolescente nascido em Três Corações (MG) vestiu pela primeira vez a camisa da seleção brasileira de futebol. Não há estatísticas sobre a incrível longevidade da imagem do ?Atleta do Século?. A International Advertising Association, porém, arriscou-se a comunicá-lo que seu rosto é imbatível em número de aparições em peças publicitárias em todo o mundo, dando-lhe, informalmente, um atestado de ?Garoto-Propaganda do Século?. Também não existem cifras confiáveis sobre a fortuna em cachês movimentada, durante todos esse anos, pelo craque. Estima-se que para emprestar sua imagem à campanha da Pfizer tenha recebido cerca de US$ 2 milhões ? o dobro do que o atacante Ronaldo ganha anualmente da Nike. Os rendimentos anuais de Pelé superam os US$ 15 milhões e sua carteira de clientes possui pesos pesados como Mastercard, Nokia, Coca-Cola e as brasileiras Petrobras, Vitasay (vitaminas), Probel (colchões) e Golden Cross.
Licenciamento. Aos 61 anos, o rei dos comerciais está em plena forma. Ainda às voltas com uma pendenga judicial com um ex-sócio em torno do desvio de recursos de uma de suas empresas, Pelé, entre uma viagem e outra, tenta dar novo gás aos seus negócios. Para administrar seus contratos criou uma nova companhia, a PeléPro. E já iniciou contatos visando a abertura de novas frentes para atuar. Uma delas é o uso da marca Pelé ? que, a despeito do sucesso do personagem, nunca decolou na área de licenciamento. As ofertas já estão chegando. A que mais o anima partiu do Marcos de Moraes, ex-dono do provedor de internet Zip.Net (criador do site Pelé.Net) e filho de Olacyr de Moraes, em conjunto com um grupo italiano do setor da moda: a criação de uma grife de roupas masculinas com a marca Pelé. ?Ainda estamos na fase inicial de estudos?, revela. Nesse campo, a única experiência bem-sucedida é a do Café Pelé, lançado na década de 70 pela Companhia Cacique de Café Solúvel. A marca é a quarta mais vendida na Rússia e está em outros 36 países.
O desempenho do garoto-propaganda impressiona os executivos das empresas a que ele está associado. Antes de escolher o protagonista de sua campanha, a Pfizer realizou uma pesquisa mundial em busca de um nome que aliasse popularidade e credibilidade em todos os continentes. Pelé ganhou fácil, batendo personalidades internacionais da música, do cinema e do esporte. A Nokia fez trabalho semelhante e chegou a curiosa conclusão: ?Acima dele, o único nome citado era o do Papa?, conta Paula Barefouse, diretora de Marketing da Nokia Brasil. Com Pelé nos comerciais a companhia finlandesa viu sua marca se consolidar em vários mercados. No Brasil, por exemplo, o nível de reconhecimento espontâneo pelo consumidor saltou de 5% em 1999 para 27% em 2001, segundo o instituto Datafolha. ?A presença do Pelé em um filme publicitário alavanca o recall em no mínimo 20%?, atesta Rogério Bonfiglioli, vice-presidente de Marketing Institucional da Mastercad Brasil.
?Uma imagem como a do Pelé não tem preço?, diz Bonfiglioli, parafraseando uma das campanhas da própria Mastercard. A companhia de cartões de crédito conferiu, na prática,
algumas das qualidades que explicam a fantástica longevidade do mito Pelé. A primeira é a incansável disposição do rei do futebol de percorrer o mundo a fim de manter sua imagem viva na mente e no coração de seus súditos. Pelé passa pelo menos sete meses por ano fora do Brasil e não faz restrições de locais para suas aparições. Para a Petrobras, por exemplo, participou da cerimônia de lançamentos de ADRs na Bolsa de Nova York, mas também esteve
na Nigéria participando de um evento cujo objetivo era reforçar as posições da empresa em uma concorrência para exploração de petróleo em águas profundas. ?Nunca deixei de cumprir um contrato?, afirma Pelé. A fidelidade às marcas que representa
tem lhe rendido relacionamentos duradouros. O contrato com a Vitasay já dura 30 anos e a Mastercard, que em 1991 o chamou
para ser o embaixador da marca em um mundial de futebol, acabou renovando o compromisso por 16 anos.
?O Pelé é um garoto-propaganda perfeito porque está nos sonhos do brasileiro, do afegão ou do japonês?, afirma Paulo Nassar, diretor-executivo da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial. ?Ele tem todos os atributos que o público deseja: saúde, sucesso, simpatia e riqueza?. E também a consciência intuitiva da preservação de sua imagem. Da limusine, na noite de Tóquio, ele voltou no tempo para Bauru, interior de São Paulo, 1957. Lembrou da primeira proposta que recebeu para associar sua imagem ao de um produto: um amigo de seu pai, diretor de uma usina de cana, pretendia lançar a Caninha Pelé. ?Era um ótimo cachê?, recorda. O rótulo chegou a ser fixado nas garrafas, mas elas nunca foram ao mercado. ?Na hora H eu disse: Pai, isso não é bom pra mim. Propaganda de pinga não pega bem.?