A folha de pagamentos do governo brasileiro é pesada, apesar de não ser tão volumosa quanto se imagina. O Brasil tem cerca de 12% de sua força de trabalho no serviço público – incluindo esfera estados, municípios, união e civis e militares. A média entre os países da OCDE é de 18%. Nos Estados Unidos é de 15%. Mas, sob a ótica do custo dessa força de trabalho, o Brasil se destaca com 1,6% do PIB direcionado, enquanto entre a média entre os países desenvolvidos é de 0,3% e em desenvolvimento – como o Brasil – de 0,5%.

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Mas mais do que quanto se gasta é o como. Desigualdades como, mais da metade dos servidores recebendo menos que R$ 4 mil por mês, enquanto 1% do topo ganha acima de R$ 27 mil. Em 2023, mais de mil juízes ganharam mais que R$ 1 milhão.

Esse tipo de distorção tem solução. Mas ela passa pela disposição de autoridades de promover uma reforma administrativa com uma revisão das carreiras públicas. Esses são alguns dos pontos abordados pelo economista Bruno Carazza em “O país dos privilégios: Os novos e velhos donos do poder”, primeiro livro de uma trilogia que para abordar regalias e benesses do topo de carreiras do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, baseado na análise das folhas de pagamento de tribunais, ministérios, parlamentos e Forças Armadas, entre outras instituições do Estado brasileiro.

 

Confira os principais trechos da entrevista:

Hoje se fala muito em corte de gastos por parte do governo. Eles passam pelo corte nesses privilégios?

A gente sempre fala muito de corte de gastos, de uma reforma administrativa, e, ao mesmo tempo, costumamos colocar todos os servidores públicos como se fosse uma coisa só. Mas quando vemos os dados e comparamos com os outros países, chegamos a algumas conclusões. Primeiro que o Brasil não tem tanto servidores públicos assim quanto as pessoas costumam dizer e imaginar.

Comparado com Estados Unidos, com os países europeus, temos proporcionalmente até menos servidores públicos do que esses países. Mas essa folha de pagamento no Brasil ela é mais pesada do que nesses outros países. É porque todos os servidores públicos ganham muito do Brasil? Não, não é. É porque uma pequena elite do serviço público brasileiro recebe salários muito privados que acabam onerando o orçamento.

Então, se você pega, por exemplo, servidores públicos que atuam diretamente com a população, professores de escola pública, enfermeiros do SUS, profissionais da Segurança Pública, eles recebem menos do que os equivalentes deles no setor privado, mas quando você sobe na escala e vai principalmente para as carreiras jurídicas, isso se inverte.

Com tantas distorções e desigualdades na remuneração do serviço público, o que falta para endereçar a questão, para uma reforma administrativa?

Tem uma série de pontos que a gente poderia avançar, sem necessariamente entrar essa discussão que ficou muito ideológica nos últimos anos. Toda vez que se fala em reforma administrativa, tem um pessoal que é hiper liberal e acha que você precisa reduzir o Estado ao mínimo possível. O que não é adequado, porque a gente tem um país que é muito complexo, um país que tem muitas desigualdades, um país em que o Estado é relevante. E do outro lado você tem uma visão muito estatizante, vinculada a muita gente da esquerda, que acha que não se deve tocar nada no Estado para não se fragilizar a prestação de serviço público. Mas a gente sabe que os serviços públicos no Brasil não são prestados de forma adequada. 

Não precisa ter menos estado, mas precisa ter um estado melhor, mais eficiente, e para isso precisaríamos avançar em vários pontos.

Nessa questão remuneratória, sem dúvida nenhuma, é essencial que a gente recupere a autoridade que o teto remuneratório tem. A Constituição estabelece que o maior rendimento é o rendimento dos ministros Supremo [Tribunal Federal]. Isso deve ser respeitado e ponto final. Se não, não faz sentido ter teto, se 93% dos juízes ganham mais do que o teto, não existe teto. Então acho que a primeira coisa é recuperar a autoridade do teto, isso deveria partir do Supremo Tribunal reformando isso, declarando em constitucionais todos os pagamentos que extrapolam o teto.

Mas no próprio Judiciário, por exemplo, quando questionados sobre suas altas remunerações, o argumento é de que lidam com temas muitos sensíveis da sociedade, como liberdade e justiça, de que eles têm uma papel muito importante. Faz sentido? Como pesar quem é mais importante nessa engrenagem social?

Essa é a questão muito interessante. Porque é difícil pesarmos essa importância das carreiras. Sem dúvida nenhuma, as carreiras jurídicas, as carreiras judiciais, são muito importantes. Mas preservação ambiental também não é importante? Ou a atuação dos agentes de saúde do SUS. Acabamos de sair da greve das universidades federais, onde falamos de pesquisa e inovação, também importante para o futuro do país. Todas as carreiras têm a sua justificativa, e todas elas, em geral, desempenham uma função que é muito essencial para a sociedade. Então, só pela importância das carreiras, você não poderia justificar um rendimento tão acima da média da população brasileira.

E por onde poderia começar essa reforma?

Deveríamos começar a mudar a ótica de se remunerar pela importância da carreira, mas sim pensar em sistemas que avaliam o desempenho de cada um desses servidores, que se remunere pela sua contribuição efetiva, e não extrair esses rendimentos altos sem qualquer tipo de avaliação, apenas por tempo de carreira. 

E como esses grupos de privilegiados chegaram a esse ponto de tantos privilégios e de conseguir a manutenção deles, mesmo sendo insustentáveis para as contas públicas?

São carreiras poderosas, que fazem lobby poderoso, conseguem criar esses benefícios para si. E essas carreiras costumam ser muito corporativistas, então elas acabam criando um sistema legal para esses benefícios, e, no caso do judiciário ele é muito forte. 

Foi criado com a reforma do Judiciário, um Conselho Nacional de Justiça, um Conselho Nacional de Ministério Público, para justamente fazerem o controle administrativo dos atos dos membros desses tribunais. Mas o que aconteceu na implementação desses conselhos? Eles têm sua maioria, os seus conselheiros são próprios membros da carreira, então tem corporativismo que acaba protegendo aqueles servidores que não dão a devida contribuição.

Lembrando que, com dados das folhas dos tribunais, muitos juízes ganham mais que ministros do STF. São auxílios, férias, que impulsionam salários deles. Em 2023, mais de mil juízes ganharam mais que R$ 1 milhão.

Quanto mais o Estado brasileiro distribui esses tratamentos especiais para o grupo A, B ou C, o Estado fica cada vez mais fragilizado e a gente vive num caos cada vez maior. Sempre que um grupo está ganhando de um lado, o outro está perdendo na sociedade.