Na esteira da explosão do crédito no País, executivos egressos de grandes bancos estão apostando na compra e na venda de dívidas em atraso. Esses novos participantes vêm usando estratégias semelhantes aos fundos americanos conhecidos como “abutres”, que adquirem empréstimos problemáticos por uma fração do seu valor e tentam recuperar parte deles ou revendê-los com lucro.Um bom exemplo é o fundo Arion Capital. Gerido por Renato Carvalho, ex-executivo da Angra Partners. Esse fundo tem como principal investidor o bilionário espanhol Enrique Bañuelos, que comprou várias construtoras para consolidá-las na Agre. 

 

Em maio passado, o Arion adquiriu 80% do grupo Maeda por R$ 100 milhões e assumiu uma dívida que o mercado estima em R$ 400 milhões – Carvalho não confirma o valor exato. Em dezembro do ano passado, ele trocou essa participação no Maeda por uma fatia de 22% na Brasil Ecodiesel, avaliada em R$ 231 milhões. 

 

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Rafael Fritsch: possui créditos vencidos de empresas, como

Nilza e BRA, e espera recuperar R$ 200 milhões

 

O ativo podre valorizou-se e a dívida encolheu. No laudo de incorporação feito pelo Credit Suisse, o endividamento do Maeda havia caído para R$ 230 milhões, uma redução de 42%.

 

Pouco se divulga sobre valores negociados, mas segundo o Banco Central, o volume de empréstimos vencidos há mais de 90 dias chega a R$ 55 bilhões, um crescimento de 70% em dois anos. 

 

Uma carteira de créditos em atraso de pessoa física de R$ 1,5 bilhão pode ter um valor recuperável de apenas R$ 50 milhões (0,03%), enquanto em empréstimos para empresas o índice chega a superar 20%. 

 

A consultoria KPMG estima que mais de R$ 8 bilhões tenham trocado de mãos no ano passado, considerando apenas a venda de carteiras à pessoa física por bancos, como Santander e Citi, e varejistas, como o Carrefour.

 

De olho nos lucros, três ex-executivos de bancos lançaram gestoras para atuar nesse mercado. A KPMG está assessorando a criação de um fundo pela gestora Cultinvest, que pretende captar até US$ 500 milhões com investidores institucionais para compra de carteiras de crédito à pessoa física, empresas médias e corporações. “As carteiras dos bancos hoje são muito maiores e a cobrança, ainda que terceirizada, é cara demais”, diz Luiz Fernando Rezende, sócio da Cultinvest.

 

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O encanto do calote: Salvatore Milanese, da KPMG (à esq.), Patrick Gontier, da Ícone (centro.), e Luiz Fernando Rezende,

da Cultinvest (à dir.): compra e venda de empréstimos em atraso atrai cada vez mais investidores e executivos egressos dos

 

Na mão oposta, outros dois empreendedores, José Guilherme Lembi de Faria, ex-diretor da área internacional do Bradesco, e Carlos Catraio, ex-presidente do Banco Português de Negócios (BPN), vão entrar no ramo com recursos próprios, pelo menos num primeiro momento.

 

Na semana passada, a dupla lançou a BRD- Brazil Distressed. Os dois investirão a poupança amealhada em suas carreiras no mercado na compra de dívida corporativa de empresas.

 

Outro que está investindo recursos próprios é Patrick Gontier, ex-executivo do banco de investimentos do Bradesco e da gestora Quest, que acaba de abrir a Ícone Investimentos. 

 

A gestora segue um modelo mais parecido com o de um banco de investimentos especializado em reestruturações. “Há um volume de crédito garantido por imóveis que é considerado ruim, mas que pode ter uma recuperação melhor que a esperada por conta da valorização dos últimos anos”, diz Gontier.

 

Os bancos já notam um avanço no interesse dos investidores. O Citi vendeu no ano passado mais de R$ 1 bilhão em créditos em atraso no Brasil, depois de quatro anos fora desse mercado. 

 

“Os compradores ficaram parados durante a crise e voltaram agora”, diz Fernando Musolino, gerente de risco do Citi, que não informa por quanto foi vendida a carteira. As transações vêm crescendo também como resultado da melhoria nas condições legais para recuperar as dívidas. “O ambiente regulatório mudou com os sistemas de penhora online, alienação fiduciária em financiamentos imobiliários e processos de recuperação judicial”, afirma Salvatore Milanese, sócio da KPMG responsável por reestruturação de empresas na América Latina. “Há mais executivos brasileiros e fundos interessados nesses ativos.”

 

Uma das maiores carteiras do mercado está nas mãos da carioca Polo Capital, que administra R$ 1,5 bilhão em crédito massificado, com valor recuperável estimado em R$ 50 milhões. 

 

“Compramos carteiras de fundos estrangeiros que saíram durante a crise”, diz o sócio da Polo Marcos Duarte. Estratégia rigorosamente semelhante, baseada apenas em dívida corporativa, foi seguida pela Root Capital, fundada há dois anos por Rafael Fritsch, que deixou Wall Street em meio à crise financeira. 

 

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Filho do economista e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda Winston Fritsch, Rafael trabalhou dez anos nos EUA no Deutsche Bank, no Bank of America e no fundo Arrowgrass Capital. 

 

Hoje mantém em carteira dívidas de empresas, como a indústria de alimentos Nilza, cuja falência foi decretada pela justiça na semana passada, e a companhia aérea BRA, e espera recuperar até R$ 200 milhões.

 

Segundo ele, a experiência desastrosa dos fundos de investimentos alternativos durante a crise financeira internacional, com a falta de liquidez dos ativos em meio ao pânico, não o assusta. 

 

“Depois da forte alta da bolsa, os investidores estão procurando alternativas de diversificação”, diz Fritsch. Resta saber se o otimismo com os créditos em atraso resistirá ao novo ciclo do aumento das taxas de juros, que já começou.