A taxa de incidência de câncer entre pessoas que perderam mais de 10% do peso corporal em dois anos foi 37% maior em comparação com aquela observada quando não houve emagrecimento nessa magnitude após 12 meses. Esse é um dos principais achados de uma pesquisa conduzida na Universidade Harvard, nos Estados Unidos, e publicada em janeiro na revista científica Journal of the American Medical Association (JAMA), uma das mais reconhecidas da área.

O levantamento contou com a participação de 157.474 profissionais de saúde com mais de 40 anos de idade e durou, em média, 28 anos. Durante a pesquisa, os cientistas levaram em conta as intenções dos participantes quanto à perda de peso. Isso foi medido por meio da prática de exercícios físicos e da adesão a uma dieta de qualidade durante dois anos.

Focando apenas nas pessoas que não tinham nenhuma intenção de emagrecer, mas perderam 10% do peso em dois anos, a incidência de câncer foi 95% maior do que entre os que mantiveram o peso. Entre os que eliminaram esses quilos de maneira intencional, o diagnóstico de câncer foi 30% maior.

Os resultados indicam, portanto, que um emagrecimento expressivo e, principalmente, não intencional, pode ser um sintoma importante da presença de um tumor.

Segundo o educador físico Leandro Rezende, professor do Departamento de Medicina Preventiva da Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp) e um dos coautores do trabalho, esses resultados, contudo, não indicam que uma perda de peso por si só deva gerar alarme ou preocupação exagerada.

O especialista frisa que o mais importante é ficar de olho nas características desse processo de emagrecimento.

“Perder peso, mesmo quando você tem essa intenção, não é fácil. Por isso, uma perda expressiva, como de 10% da massa corporal em dois anos, especialmente quando não intencional, pode ser um sinal de uma doença não diagnosticada – como um câncer. Nesses casos, vale a pena procurar um médico”, explica.

Ainda de acordo com Rezende, indivíduos com baixa intencionalidade de perder peso (isto é, pouco comprometidas com a prática de exercícios ou com uma alimentação equilibrada) registraram uma incidência de diagnósticos de câncer mais de duas vezes superior em relação a quem não perdeu peso.

Qual tipo de câncer prevaleceu?

De acordo com o estudo, o tipo de câncer mais observado (173 casos/100 mil pessoas) nos 12 meses seguintes entre os participantes que perderam mais de 10% do peso corporal foi o de trato gastrointestinal superior – que acomete esôfago, estômago, fígado, trato biliar ou pâncreas.

O oncologista gastrointestinal Felipe Coimbra, do A.C. Camargo Cancer Center, em São Paulo, comenta que os resultados da pesquisa são condizentes com o que ele observa no dia a dia. “A perda de peso é uma característica frequentemente associada aos cânceres do trato gastrointestinal. Isso acontece porque o tumor pode obstruir fisicamente o caminho do alimento, dificultando a sua ingestão ou causando sintomas que desencorajam a alimentação, como dor e desconforto”, explica.

O especialista comenta ainda que, além da perda de peso não intencional, é preciso prestar atenção em outros possíveis sintomas. São eles:

Dificuldade para engolir;

Sensação de plenitude (estômago cheio) precoce;

Estufamento no abdômen;

Dor abdominal persistente;

Sangramentos gastrointestinais (evidenciado por fezes escuras ou vômito com sangue);

Má digestão;

Mudanças no hábito intestinal, como diarreia e constipação crônica.

“É fundamental ficar de olho nos sinais do seu corpo e, no caso de sintomas suspeitos e mudanças persistentes, procurar um médico. A detecção precoce é um dos pilares mais importantes para vencer o câncer”, destaca.

Emagrecimento rápido pode sinalizar outros tipos de tumores?

Sim. Um exemplo são os linfomas, cânceres que acometem o sistema linfático, responsável pelo combate de infecções. O hematologista Eduardo Rego, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), coordenador nacional de Hematologia Oncológica da Rede D´Or e pesquisador do IDOR, reforça que a perda de peso expressiva (de mais de 10% da massa corporal) deve chamar a atenção sobretudo quando ocorre em um período de três meses e não está vinculada a comportamentos ligados ao emagrecimento.

Segundo o especialista, nos linfomas, o tumor provoca mudanças na produção de moléculas que interferem no metabolismo do tecido gorduroso e muscular e, consequentemente, levam à perda de peso. “Trata-se de um quadro inflamatório que ocasiona uma mudança no padrão de consumo de energia”, descreve.

Apesar disso, Rego destaca que a perda de peso é apenas um dos aspectos que merecem ser considerados. “Os pacientes costumam ter também episódios de sudorese (suor) noturna e febre leve ao final do dia”, exemplifica.

O oncologista Oren Smaletz, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, frisa que, na verdade, um emagrecimento tão expressivo deve acender o alerta para outros tipos de tumores. “Pacientes com câncer muitas vezes têm um desbalanço hormonal que causa a sensação de saciedade e diminui o apetite. Por isso, de forma geral, muitos deles podem apresentar perda de peso”, justifica.