DINHEIRO ? A economia brasileira parecia pronta para deslanchar e, mais uma vez, está em crise. Qual a sua avaliação?
ANTONIO BARROS DE CASTRO ?
Estamos vivendo um momento de grande frustração. Nosso grupo de conjuntura do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro fez no ano passado a previsão mais alta de crescimento para a economia, que era de 4,5%, e acertou. Em 2001, o desempenho seria ainda maior e poderia chegar a um crescimento de 5%, muito acima da média projetada pelo mercado. No fim de 2000 e nos primeiros meses de 2001, a economia ia bastante bem e a indústria particularmente estava crescendo a uma velocidade anual de 7%. Mais do que isso, a qualidade desse crescimento estava se alterando para melhor.

DINHEIRO ? Em que sentido?
BARROS DE CASTRO ?
Vou dar dois dados: em primeiro lugar, a expansão industrial vinha sendo liderada pelo setor de bens de capital, o que demonstrava a existência de um novo ciclo de investimentos; em segundo lugar, os salários começavam a se recuperar. Então, não se tratava apenas de um crescimento que prosseguia, mas de um processo de expansão qualitativamente melhor. Nós sabíamos que havia grandes ameaças. É óbvio que, em todas as reflexões que fazíamos, o quadro na Argentina e nos Estados Unidos poderia se alterar para pior. Mas, obviamente, os indicadores internos também ficaram muito ruins.

DINHEIRO ? O que determinou uma virada tão grande no cenário?
BARROS DE CASTRO ?
Eu poderia apontar um passivo externo líquido da economia brasileira, formado pela dívida externa e pelos investimentos internacionais, que saltou de 39% do PIB em 1993 para 62,5% em 2000. Ou poderia mostrar relações muito ruins entre exportação e dívida externa. Mas há uma situação mais grave que tudo isso. Com a taxa de câmbio entregue à lógica do mercado, o governo transferiu esse preço para uma esfera despolitizada, seguindo a sacrossanta lei da oferta e da demanda. Só que o mercado de câmbio não apenas é imperfeito como é profundamente sujeito a processos cumulativos que disparam para cima ou para baixo. Além disso, há uma perda do dinamismo das economias dos EUA, Alemanha, Japão e Coréia e, para piorar, o Brasil tem a vizinhança da Argentina.

DINHEIRO ? Mas não foram só os fatores externos que derrubaram a economia, não?
BARROS DE CASTRO ?
Tudo isso forma um quadro que, por mais saudável que seja o tecido econômico, por mais sólida que seja a economia do ponto de vista real, está profundamente dependente dos vaivéns determinados tanto pelo mercado quanto pela política econômica. Na realidade, os dados de abril para maio revelavam que o ímpeto expansivo no País já estava se desfazendo antes da eclosão da crise energética. Ora, com mais essa bomba, é claro que qualquer indicador de confiança foi para o espaço. E isso vem na pior hora, porque a economia vinha pegando embalo. Era um otimismo que o empresário sentia no caixa, o trabalhador no bolso, e o governo, na arrecadação.

DINHEIRO ? E quanto tempo levará para a economia brasileira pegar novamente no embalo?
BARROS DE CASTRO ?
Acredito que um novo ciclo positivo virá só daqui a dois anos. Mesmo porque só em outubro será possível avaliar a gravidade da crise energética. A atividade econômica, que vinha numa trajetória acelerada, vai dar uma esfriada. A recente história brasileira mostra que as reações sempre foram mais rápidas do que se imaginava, para o bem ou para o mal. Mas as empresas terão que se adaptar a uma realidade de eficiência energética. Acabou a era da energia barata.

DINHEIRO ? O que será preciso para o País retomar os níveis satisfatórios de crescimento econômico?
BARROS DE CASTRO ?
Para saber quanto um país pode crescer, existe um raciocínio básico. É preciso analisar quanto tendem a crescer as importações quando o PIB cresce, e quanto tendem a crescer as exportações quando o mundo cresce. Se a primeira propensão, a de importar, for muito maior do que a segunda,
um país está numa situação difícil. Isso até é possível, durante pequenos períodos, mas acumulando dívidas. Uma outra
abordagem, setorialista, diz o seguinte: um país que exporta
aço e importa eletrônicos não pode crescer rápido. O mundo, quando cresce, demanda muito pouco aço e o Brasil, quando cresce, demanda muitíssimo mais aparelhos eletrônicos. Então, não pode
dar certo. São análises interessantes, com as quais eu concordo
em parte, pois o crescimento depende muito mais de uma reestruturação profunda na economia.

DINHEIRO ? A que tipo de reestruturação o sr. se refere?
BARROS DE CASTRO ?
Eu defendo um conceito de desenvolvimento diferente. Nesse processo, um país, que começa a crescer fabricando produtos de baixo conteúdo tecnológico, com mão-de-obra pouco qualificada e em empresas com métodos gerenciais ultrapassados, vai, aos poucos, atingindo um outro estágio. Passa a oferecer produtos mais modernos e as empresas tornam-se mais flexíveis e menos hierárquicas. Por esse ponto de vista, o Brasil sofreu uma evolução enorme nos últimos anos. Esse intenso processo de modernização é o caroço do otimismo. As empresas estão mais ajustadas para um novo ciclo de expansão.

DINHEIRO ? Como o sr. avalia os métodos de gestão das empresas brasileiras?
BARROS DE CASTRO ?
Existem empresas boas e más, que estão crescendo rápido ou lentamente. Em cada setor, há empresas líderes que puxam o processo e coordenam toda uma cadeia de fornecedores. Então para saber o potencial de expansão das empresas, é preciso saber se elas estão saudáveis, renovadas, rejuvenescidas, agressivas, com apetite de crescer, ou não. Cada empresa que compõe o tecido industrial, vista com uma célula, é importante nesse processo. Há setores em que o País está muito bem. A siderurgia é um exemplo. Companhias como Usiminas e CSN apresentam ótimos indicadores. Nos Estados Unidos, o panorama desse setor, ao contrário, é desolador.

DINHEIRO ? O que está faltando?
BARROS DE CASTRO ?
Para que o Brasil consiga passar de um crescimento relativamente modesto, da ordem de 4% a 5% ao ano, para um crescimento mais intenso, de 6% ou 7%, as empresas terão de ser mais inovadoras. Ou seja, é preciso evoluir de uma situação de relativa excelência produtiva ou manufatureira para uma situação em que o desempenho da empresa esteja determinado pela capacidade de introduzir novidades no mercado. Não é algo inatingível. A própria Índia, que sempre foi citada como uma baleia, está alcançando um padrão de crescimento de 6% ou 7%.

DINHEIRO ? Os empresários estão prontos para isso?
BARROS DE CASTRO ?
A crise de energia já demonstrou uma boa capacidade de adaptação das empresas. A própria reação dos empresários frente ao brutal desafio que foi colocado mostra essa maior agilidade gerencial. As empresas hoje são dotadas de recursos imensamente mais flexíveis do que no passado, como resultado de toda essa reestruturação. No aspecto da inovação, há também bons sinais. Um caso é a Hering, uma empresa que no passado já foi identificada por uma camiseta simples, vendida em todo o País. O pobre a usava como camisa e o rico, por baixo da camisa social. Hoje, a Hering é uma empresa que faz coleções inverno e verão, tem uma enorme rede de lojas e é sobretudo uma empresa de marcas. Ela gerencia sua própria marca, que tem bastante prestígio, mas é dona de outras marcas secundárias, para atingir outros mercados. Mas o essencial é que, embora ela tenha excelência fabril, o eixo da empresa não está mais na fábrica. O importante é que a Hering soube se recolocar no mercado. Há vários casos de empresas que fizeram viradas estratégicas, sem a ajuda de política industrial.

DINHEIRO ? O governo vem ensaiando uma nova onda de política industrial. Isso é correto?
BARROS DE CASTRO ?
Como eu havia dito, exportar aço e
importar eletrônicos não é adequado. Pela razão óbvia de que o mercado de eletrônicos pela frente é explosivo. Não só pelo
aumento do seu consumo, mas também porque todos os produtos estão se tornando inteligentes e precisam de componentes eletrônicos. Portanto, existe aqui um problema muito concreto e localizado. Temos e teremos cada vez mais no futuro um gigantesco mercado de eletrônicos. Portanto, a pergunta óbvia é: deve-se confiar apenas no mercado para saber se o Brasil terá produção
local desses produtos? A resposta, claramente, é não.

DINHEIRO ? O governo demorou a perceber o problema?
BARROS DE CASTRO ?
Foi preciso uma crise cambial. O País
não pode se dar ao luxo de ter um déficit de US$ 8 bilhões nesse setor, que amanhã pode ser de US$ 10 bilhões. Há ainda um outro argumento: a estrutura da oferta de componentes só tem gente grande. É um jogo de cobra criada. Precisamos trazer para cá
alguns deles, disputando no tapa com outros países que estão fazendo o mesmo. O governo FHC tem de arrancar uma Intel, por exemplo. Diante do comportamento rigorosamente oligopólico da oferta desses produtos, entregar a questão ao mercado é de
uma ingenuidade inaceitável.

DINHEIRO ? O sr. acredita que a Área de Livre Comércio das Américas pode ser um estímulo para as empresas brasileiras?
BARROS DE CASTRO ?
Eu acho que a Alca perturba a transição para as novas estratégias. Até porque não se sabe o que a Alca vai significar na prática. Seria muito útil se o empresário pudesse ter uma visão de futuro, com menos opacidade. E, sem dúvida alguma, a Alca diminui a transparência. Por outro lado, ela não abre grandes mercados. Os EUA já estão abertos para os produtos brasileiros e os setores protegidos por barreiras, como é o caso da laranja, do aço, do açúcar, continuarão a ter benefícios. São poderosos lobbies que não vão mudar. É ingênuo ter grandes esperanças quanto a isso. Numa primeiríssima dimensão, a Alca só vem para complicar.