20/02/2002 - 7:00
Esqueça a história que pobre é bom pagador e que não dá o calote porque o nome limpo na praça é o seu único patrimônio. No momento em que o número de cheques sem fundo bate recorde, as lojas, as financeiras e os bancos estão mudando seus conceitos sobre inadimplência. Uma pesquisa do Banco Panamericano revela que 60% das pessoas que atrasam prestações no comércio têm renda familiar entre R$ 300 e R$ 1 mil. ?Falar que os pobres pagam melhor é um mito. Como eles são os primeiros a sofrer com o desemprego, a posição na classe social não é garantia de pagamento?, diz Adalberto Savioli, diretor de crédito e cobrança do Panamericano, especializado em financiamentos para a classe baixa.
A questão-chave para definir o perfil do bom pagador passou a ser os laços profissionais, familiares e sociais do devedor. ?Quanto mais raízes na sociedade, maiores são as chances de a pessoa ter uma posição econômica mais segura e ser mais conservadora em seus gastos?, diz Silva. Os mais jovens, por exemplo, ainda não se firmaram na profissão e arriscam mais. De cada 10 pessoas que atrasam prestações, quatro têm entre 20 e 30 anos. Dois terços dos inadimplentes são homens, que são mais ousados do que as mulheres. A chance de um aposentado dar o calote é três vezes menor do que a dos trabalhadores da ativa.
Ao cruzar informações de seu banco de dados, o Panamericano chegou aos perfis extremos, de clientes com maior chance de pagar em dia ou atrasar os carnês. Uma mulher casada, com filhos e com casa própria, por exemplo, tem 44% a mais de chances de ser uma boa pagadora do que um cliente solteiro, sem filhos e que paga aluguel. ?O cliente ideal é casado, tem filhos, casa própria, carro na garagem, emprego fixo há muitos anos e uma reserva financeira para contingências?, reforça Ramiro Gonçalez, diretor-adjunto de marketing do HSBC, que também faz pesquisas regulares sobre inadimplência. ?O problema é que o cliente ideal não precisa de empréstimo.?
Medida de risco. O cliente ideal pode não existir, mas serve como medida de risco para as lojas, as financeiras e os bancos. Na hora de pedir um empréstimo, a pessoa responde a questionários e, de acordo com o seu perfil, recebe notas. Quanto mais se parece com o cliente ideal, maiores as notas e menores as chances estatísticas de dar o calote. Com base nesse ranking, o comércio e as instituições financeiras aprovam ? ou não ? o empréstimo e definem qual será a taxa de juros do cliente. ?Quem oferece menos risco paga taxas menores?, diz Savioli.
Essa tecnologia de crédito se espalhou pelo Brasil depois da gigantesca onda de inadimplência de 1995, que abateu potências empresariais como a Arapuã. Hoje, as grandes lojas, financeiras e bancos estão melhor preparados para agüentar o tranco, mas nem por isso conseguem evitar maremotos na área de crédito, quando a economia fica estagnada ou entra em recessão. ?Nenhum modelo de controle de crédito é suficiente para evitar a alta da inadimplência, quando a renda cai e o desemprego aumenta, como está ocorrendo agora?, diz Pedro Marcos Boszczovski, gerente de marketing de pessoa física do HSBC.