28/12/2025 - 7:00
Um marco inegável em 2025 no que diz respeito ao comércio internacional é o estilo de negociar do presidente norte-americano Donald Trump. Um vai-e-vem (por vezes truculento no tom de seus anúncios), com surpresas da noite para o dia destinadas aos diversos países com quem os Estados Unidos negociam foram noticiados praticamente todas as semanas desde que o empresário assumiu a presidência do país, em 20 de janeiro.
A data mais importante foi o 1º de abril, classificado por ele como o “dia da libertação”. É que, nesse dia, Trump anunciou tarifas comerciais recíprocas a mais de 50 países que cobram taxas para negociar com as companhias do mercado norte-americano.
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Em meio aos anúncios, não só empresas exportadoras perderam os cabelos, mas governos e investidores (as bolsas americanas viveram verdadeiros chacoalhões) evidenciaram a tensão da política errática do norte-americano. O pacote tarifário causou dor de cabeça para as próprias empresas americanas, a exemplo de Apple e Nike, que têm fornecedores em países asiáticos cujas tarifas foram parar nas alturas.
O Brasil não sofreu um golpe imediato. Em abril, o país foi tarifado em 10% adicionais – o piso da lista de Trump, que cobrava 46% do Vietnã, 34% da China e 44% do Sri Lanka para citar alguns exemplos. O pior efeito para os brasileiros ocorreu em julho, após uma reunião dos BRICs (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) no Rio de Janeiro.
Logo após o fim de semana de reunião, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva fez declaração pública sobre o bloco de países terem ressuscitado um plano de zona de comércio comum sem o uso do dólar como moeda. Foi o suficiente para que Trump sacasse da manga sua arma tarifária.
O Brasil ganhou tarifa extra de 40% a partir de agosto. Mesmo que o discurso do americano tivesse referência a uma suposta perseguição política sofrida pelo ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro, alinhado politicamente a Trump, a razão para o movimento de Trump teve fundo comercial. A sobretaxa comercial, já revogada para a maior parte dos itens, afetava boa parte do agro brasileiro e o setor de máquinas.
O cenário só amainou depois de um encontro – quase sem querer – nos bastidores de um evento das Nações Unidas, no mês de setembro em Nova York, entre Lula e Trump. Segundo o americano, houve “química” entre os dois mandatários.
Após o episódio uma série de reuniões ocorreram envolvendo articuladores dos dois governos. Os dois presidentes voltaram a se encontrar na Ásia ao final de outubro.
“Tive uma ótima reunião com o presidente Trump. Discutimos de forma franca e construtiva a agenda comercial econômica bilateral. Acertamos que nossas equipes vão se reunir imediatamente para avançar na busca de soluções para as tarifas e as sanções contra as autoridades brasileiras”, escreveu Lula, logo depois do encontro com o mandatário americano na Malásia.
Até o dado mais recente público disponível até o fechamento deste texto, em 20 de novembro os Estados Unidos haviam retirado a sobretaxa de 40% imposta sobre 238 itens – entre eles, café, carne bovina e frutas. As informações foram detalhadas em um evento na Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham) pelo vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, que também é ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).
Havia, ainda, o desafio de retirar tarifas de máquinas, motores, produtos industrializados, madeira, muita coisa mesmo. À época, em suma, 22% dos produtos brasileiros exportados para o país continuavam sujeitos às taxas mais elevadas (50%). Antes do anúncio da retirada, feito no dia 20 por Washington, eram 36%.
A medida anunciada no dia 20 de novembro teve efeito retroativo, o que significa que todas as mercadorias retiradas de armazéns para consumo a partir de 12h01 (horário de Nova York) de 13 de novembro estavam isentas. Na ocasião do encontro na Amcham, Alckmin reiterou que as discussões com os Estados Unidos seguiriam.
Brasil e Estados Unidos devem ressuscitar interesses comuns a partir da janela de negociações que foi aberta devido ao episódio das tarifas. No cardápio de ativos estratégicos, para resolver as questões comerciais, o Brasil sugere parcerias em terras raras, a instalação de data centers de empresas americanas, e a redução de barreiras à importação de etanol dos Estados Unidos.
Retomada diplomática
Depois do encontro entre Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump no lobby do evento das Nações Unidas, ao final de setembro, teve início não só a negociação relacionada ao ‘tarifaço’ norte-americano – mas também a retomada de um relacionamento diplomático entre os dois países que chegou a ser rompido em 2025 pela primeira vez na história.
O primeiro passo no retorno das relações diplomáticas entre Brasil e Estados Unidos foi dado na segunda-feira, 6 de outubro, quando os dois mandatários conversaram por telefone depois de três longos meses de impasse, sem diálogo entre as equipes brasileiras e americanas, após anunciada a sobretaxa extra de 40% em julho.
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Somada à tarifa de 10% anunciada no “dia da libertação”, em abril, o ‘tarifaço’ para o Brasil chegou a alcançar 50% em uma longa lista de itens e tirou o sono de muita gente. A primeira conversa entre os dois mandatários, por telefone, durou trinta minutos.
Foi o primeiro diálogo oficial entre eles. Lula estava no Palácio do Alvorada quando recebeu a ligação de Trump, intermediada pelo Itamaraty. Ao seu lado estavam Geraldo Alckmin (vice-presidente), Fernando Haddad (Fazenda), Sidônio Palmeira (Secretaria de Comunicação), Celso Amorim (assessor especial) e Mauro Vieira (Itamaraty) – seu esquadrão para tratar de tarifas.
Lula sugeriu na ocasião que a taxa cobrada para o Brasil voltasse ao patamar de 10%, inicialmente anunciado para o país em abril. O fim das sanções sobre autoridades brasileiras, revogadas recentemente, entrou na lista de pedidos do presidente à época da conversa telefônica.
No tom amistoso da conversa (diferentemente das alfinetadas que vinham sendo distribuídas de um para outro via redes sociais ou via imprensa) ficou decidido que ambos os países avançariam em negociações. De um lado, o Planalto brasileiro escalou Alckmin, Haddad e Vieira para intermediar o acordo. A Casa Branca, por sua vez, indicou o secretário de Estado, Marco Rubio, para comandar as articulações pelos Estados Unidos.
As tais terras raras
Tamanha a importância desses minerais, merecem capítulo à parte. Tomaram espaço no debate governamental não só entre Brasil e Estados Unidos – mas foram o cerne da mais recente negociação entre Donald Trump e o presidente chinês, Xi Jinping, no final de outubro, a qual resultou numa trégua comercial de um ano entre os dois países.
A guerra comercial entre as duas maiores economias do mundo escalou em diversos momentos ao longo de 2025 – com a ameaça de imposição de sobretaxas comerciais que resvalaram os 150%, de ambos os lados. Nunca foram concretizadas. As terras raras ganharam espaço por sua importância para as indústrias bélica e tecnológica.
Preocuparam os Estados Unidos e outros países, cujos governos passaram a vociferar contra a China quando esta decidiu controlar o volume de minerais exportados e elevar as taxas de compra. No mundo, só a China tem a tecnologia para extrair esses elementos, além de ser a maior reserva no planeta. Atrás da China, só o Brasil tem tamanho estoque (contudo, não dominamos a tecnologia para a extração).
Mesmo que o assunto tenha se resolvido por ora, com a trégua comercial negociada com Xi, Trump e outros países importadores dos minerais sabem que terão de reduzir a dependência chinesa. O presidente americano, em recente tour pela Ásia e Oceania, não à toa, fechou acordos
comerciais para garantir a obtenção desses minerais com os governos da Austrália e do Japão. Já havia celebrado outro em moldes similares com a Ucrânia, em abril.
Em meio ao imbróglio, o Brasil, que já vinha trabalhando na atualização de sua política para o setor mineral de olho em atender às demandas de transição energética, resolveu lançar o setor à mesa de negociações junto aos Estados Unidos. A questão é se o país tem (ou terá) condições num futuro próximo para ser um protagonista no debate global relacionado à cadeia de produção de matérias-primas tão específicas.
O Brasil é a segunda maior reserva de terras raras do mundo, atrás apenas da China, com 21 milhões de toneladas – ou 23% das reservas globais – distribuídas por cinco estados-chave, onde estão localizadas as principais jazidas, em Minas Gerais, Goiás, Amazonas, Bahia e Sergipe. Os chineses detêm 90% do mercado global de processamento de minerais raros.
Com a transição energética, a procura pelos minerais vai crescer. O disprósio, por exemplo, um dos elementos chamados de terras raras, é componente essencial para a fabricação de ímãs que estão entre os mais poderosos do mundo, por suas propriedades magnéticas únicas (e que permitem a produção de tecnologias potentes vitais para a transição energética), empregados em motores de carros elétricos, geradores de turbinas eólicas e sistemas de mísseis e aviões de caça – para citar alguns usos, explicou Fernando Gomes Landgraf, professor do Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais da Escola Politécnica (Poli) da USP, à IstoÉ.
É preciso, contudo, acelerar o processo de desenvolvimento tecnológico. Sozinho, o Brasil levaria de 15 a 20 anos para conseguir chegar a uma metodologia própria para o refino de terras raras, concordam especialistas.
