22/09/2025 - 8:59
Sondagem mostra que relação com meio digital é permeada por desconfiança. Maioria tem comportamento ativo e busca checar dados antes de compartilhar. Mas qualidade na checagem ainda é desafio.Uma pesquisa divulgada nesta segunda-feira (22/09) revelou que a relação dos brasileiros com a informação digital é marcada pela desconfiança e pela busca crescente por autonomia na checagem das informações. Segundo o levantamento, a maioria dos entrevistados afirmou ter dúvidas sobre a veracidade do que circula nas redes sociais e em aplicativos de mensagens, o que reforça a preocupação com a disseminação de notícias falsas.
O estudo feito pelo InternetLab e a Rede Conhecimento Social aponta que, diante desse cenário, os brasileiros têm adotado uma postura mais ativa ao receber informações nas redes sociais: antes de compartilhar ou acreditar em algo, procuram checar a veracidade. A maioria deles (64%) faz essa checagem no Google, seguido por Instagram (45%), Youtube (43%) e Facebook (23%).
“O ponto positivo é que os usuários estão mais ativos e buscando checar se a informação é verdadeira ou não. Porém, os canais de checagem muitas vezes são de confiabilidade duvidosa”, diz Ester Borges, consultora de desinformação do InternetLa, centro independente de pesquisa interdisciplinar que promove o debate acadêmico e a produção de conhecimento nas áreas de direito e tecnologia.
Ainda segundo o estudo, para 34% dos usuários, as informações obtidas em buscas online são mais confiáveis do que aquelas vistas em redes sociais ou mesmo em veículos tradicionais de comunicação, como rádios e emissoras de televisão, que aparecem em segundo lugar, com 27%.
Já os aplicativos de inteligência artificial ainda não despertam muita confiança: apenas 16% dos brasileiros dizem considerar suas respostas confiáveis.
“A questão de se confiar demais em plataformas de pesquisa, como a Google, por exemplo, é que muitas pessoas não entendem como funciona o rankeamento, por que alguns links aparecem primeiro e que alguns desses resultados são patrocinados”, acrescenta Heloisa Massaro, diretora de pesquisa e operações do InternetLab.
Ecossistemas de confiança
Outra constatação da pesquisa é de que as pessoas criam seus próprios ecossistemas de confiança na internet, sendo os especialistas vistos como referências para confirmar uma informação, mas a família, amigos e até mesmo o próprio usuário são consideradas pessoas de maior confiança, superando, por exemplo, profissionais como os jornalistas.
Três a cada 10 pessoas afirmaram que costumam acreditar na veracidade de uma notícia quando confiam muito nas pessoas que enviou. Além disso, 8 a cada 10 entrevistados na América Latina disseram que os comentários de postagens podem ser uma forma de checagem de informação.
“A questão é que essas referências buscadas fazem parte da mesma bolha e confirmam a mesma maneira de pensar, fazendo com que cada vez mais as pessoas se fechem nessas bolhas e tomem a informação como verdade, mesmo quando não é”, acrescenta Marisa Villi, diretora-executiva da Rede Conhecimento Social.
As bolhas de informação a quais a pesquisadora se refere são um fenômeno digital onde algoritmos de redes sociais e mecanismos de busca criam um ambiente online que expõe os usuários apenas a informações e opiniões que confirmam as suas próprias crenças, podendo criar uma barreira para visões diferentes e limitando a pluralidade de ideias.
Política e saúde
O estudo também mostra que o ambiente digital ainda é visto com cautela, principalmente quando os assuntos são política e saúde. Nessas áreas, o público declarou confiar mais nos familiares e amigos. Quando o tema é saúde, por exemplo, familiares estão entre os mais confiáveis para 31% dos brasileiros. Já os amigos são considerados referências para 17% das pessoas. Na política, 24% dos brasileiros confiam em familiares; 17%, nos amigos; e 15%, em si mesmo.
Os mais jovens são os que menos buscam diferentes lugares para se informar. Aqueles que mais afirmam procurar diversas fontes para formar a opinião têm de 45 a 54 anos e possuem ensino superior.
Especialistas afirmam que esse comportamento mais ativo diante das informações recebidas nas redes sociais e no ambiente digital como um todo reflete uma mudança importante na maneira em que as pessoas estão consumindo a informação. Porém é preciso criar mecanismos para que essa checagem de fato se torne mais informativa e segura.
“A grande questão é como furar essa bolha e tornar o ecossistema de informação mais íntegro. A regulamentação das plataformas, com transparência de resultados de buscas, acrescentar rótulos de moderação de conteúdo como confiável ou não, são caminhos que poderemos percorrer”, acrescenta Massaro.
Rotulagem de conteúdos
A rotulagem de conteúdos pelas plataformas também foi avaliada na pesquisa. Nove em cada 10 pessoas, em toda a América Latina, de todas as idades, escolaridades, contextos e posicionamentos políticos afirmaram que não compartilham notícias ou postagens rotuladas publicamente pelas plataformas como falsas ou manipuladas.
“Ficou confirmado que essa rotulagem faz a diferença e faz com que as pessoas não compartilhem uma informação falsa. Então, as plataformas podem fazer algo nesse sentido para diminuir as fakes news”, diz Borges.
Para o estudo foram entrevistadas 6.065 pessoas no Brasil e em outros 18 países da América Latina e América Central, com 18 anos ou mais, com acesso à internet e uso ativo de redes sociais, de diferentes perfis em termos de raça, gênero, classe social, escolaridade, região de moradia e posicionamento político. Os dados foram coletados em 2024.
Riscos da desinformação
Em meio ao verdadeiro turbilhão de informações a que as pessoas são submetidas todos os dias, é grande o desafio de separar a informação verdadeira das chamadas fake news ou notícias falsas.
Prova disso é que 88% da população brasileira admite já ter acreditado em conteúdos falsos. É o que revela uma pesquisa do Instituto Locomotiva divulgada no ano passado. O instituto ouviu 1.032 pessoas com 18 anos de idade ou mais.
Especialistas ouvidos pela reportagem analisam que a pulverização e descentralização na possibilidade da geração do conteúdo nas redes sociais contribui para o aumento na discriminação de notícias falsas e transfere para as pessoas que consomem o conteúdo essa necessidade de verificar a veracidade da informação, o que muitas vezes não acontece de fato.
“Muitos deduzem que se recebe algo, deve ser verdade e foi apurado por alguém, o que não é verdade. O grande perigo é que as pessoas não são só influenciadas, mas elas passam a formar a sua visão de mundo, de política, a sua visão social e impressões, e muitas vezes com uma distância da realidade”, diz.
Algoritmo dá aquilo que usuário quer crer
Outro ponto importante é entender como os algoritmos das redes sociais funcionam. Eles são uma espécie de ‘regras’ que definem quais conteúdos são entregues, ou seja, aparecem no feed de notícias de cada usuário, baseados nas interações e preferências individuais. Para isso, informações de comportamento como curtidas, comentários e compartilhamentos são analisados. O objetivo das plataformas é manter cada usuário conectado e engajado, personalizando a experiência e aumentando o tempo gasto nela.
Assim, as redes sociais, com seus algoritmos personalizados, fornecem aos usuários conteúdos que se encaixam em suas crenças, reforçando o viés de confirmação e, consequentemente, dificultando a exposição a diferentes perspectivas.
“Outro ponto que é muito utilizado para disseminar a desinformação da população é os algoritmos de engajamento. Você tem várias plataformas que priorizam o conteúdo, porque o foco é gerar clique e em cima disso se gera emoções e atividades falsas em cadeia”, acrescenta Fabiano Carvalho, especialista em Transformação Digital.