Um estudo feito por pesquisadores brasileiros registrou o surto de um fungo que invade a corrente sanguínea e pode levar a morte. Uma nova linhagem do fungo Candida parapsilosis se mostrou resistente ou tolerante aos principais fármacos antifúngicos e seu surgimento ocorreu em uma unidade de terapia intensiva (UTI) em Salvador (BA), entre 2020 e 2021, momento de pico de casos da Covid-19.

Publicado na revista Emerging Microbes And Infections, o estudo faz um alerta para a possibilidade de surgirem novas linhagens com a mesma resistência no futuro, além da adoção de práticas que diminuam os riscos de infecções fúngicas nos hospitais.

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Foram analisadas 60 amostras do Candida parapsilosis de 57 pacientes com Covid-19 e internados em estado grave na UTI. O estudo genético mostrou que 85% dessas amostras resistentes a fluconazol (um fármaco antifúngico) tinham um mesmo clúster, ou seja, um ancestral comum, enquanto que outra parte deles, era tolerante a equinocandinas, classe de medicamento utilizado contra fungos de Candida resistentes a fluconazol.

Com essa mutação genética, esta cepa da Candida parapsilosis passou a exigir concentrações até oito vezes maiores de fluconazol para se obter alguma resposta inibitória. “Elas são tolerantes, precisam de doses maiores para serem mortas. Isso implica que, em breve, poderemos encontrar cepas resistentes a essa classe de medicamentos, que é atualmente a recomendada para fungos resistentes a fluconazol”, explicou João Nóbrega Almeida Júnior, pesquisador do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) e um dos autores do estudo, em nota da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), apoiadora do estudo.

Como combater novas mutações?

No cenário específico deste surto, além de reforçar a importância de realizar testes para caracterização de resistência e tolerância de fungos em centros médicos de referência, os pesquisadores recomendam o uso de uma terceira classe de medicamentos quando forem encontradas cepas resistentes.

Trata-se da anfotericina B lipossomal, fármaco com maior potencial de toxicidade para humanos e mais caro que o fluconazol e as equinocandinas, porém eficaz no tratamento de Candida resistente ou tolerante.

O uso indiscriminado de antibióticos também é um fator de risco para a infeção por fungos, uma vez que, ao matar microrganismos do intestino, o tratamento pode tornar a parede intestinal mais permeável e permitir que os fungos do gênero Candida, que vivem no trato gastrointestinal humano, entrem na corrente sanguínea. Em condições normais, esses fungos não causam males.

As infecções sistêmicas por Candida ocorrem sobretudo no ambiente hospitalar, onde há pacientes com o sistema imune comprometido e se faz uso de procedimentos invasivos, como hemodiálise, aplicação de medicamentos na veia e respiração mecânica, que também podem levar Candida para a corrente sanguínea.

Dentre os pacientes do estudo, 54% faziam uso de cateter quando tiveram a infecção diagnosticada. No total, a mortalidade em 30 dias foi de 59,6%.