12/12/2014 - 20:00
Assim como os diretores e advogados da Petrobras, é bastante provável que você nunca tenha ouvido falar de Peter Kaltman. Não importa: esse anônimo contabilista americano, residente em Nova York, será citado extensivamente em reportagens e documentos jurídicos pelos próximos meses. Ele é um dos milhares de acionistas minoritários que decidiram comprar certificados de ações da Petrobras, conhecidas como American Depositary Shares (ADS) negociadas em Wall Street. Como boa parte dos pequenos investidores, Kaltman teve um senso de oportunidade horroroso e investiu na estatal petrolífera quando seus papéis estavam em alta, cotados a US$ 37,20 na bolsa americana.
Três anos e meio, um governo Dilma Rousseff e vários escândalos de corrupção depois, o investimento de Kaltman havia perdido 70% do valor. Em novembro, suas ações valiam US$ 9,72. Motivo mais do que suficiente para ele processar a empresa, exigindo que suas perdas fossem ressarcidas. Por meio do escritório de advocacia americano Wolf Popper, Kaltman protocolou um pedido de indenização na segunda-feira 8, em Nova York, deflagrando um pesado movimento de venda que mandou as ações da estatal, nos Estados Unidos e no Brasil, para seus menores níveis em quase dez anos.
Pelos meandros do direito americano, a ação individual de Kaltman pode ter consequências imprevisíveis e drásticas para a estatal petrolífera. “Entramos com uma ‘class action’, um recurso jurídico que não existe na legislação brasileira”, diz o advogado paulista André Almeida, sócio do escritório Almeida Advogados e que está participando da ação com o escritório Wolf Popper. “Por esse instrumento, a partir do processo inicial do senhor Kaltman, outros investidores, como fundos de hedge e de pensão, podem se juntar ao processo.” A estratégia da “class action”, ou causa conjunta, foi deliberada, de modo a permitir que outros grandes acionistas da empresa nos Estados Unidos embarquem nessa caravana.
“Também estamos pedindo para que a Justiça aplique uma multa vultosa sobre a Petrobras, que terá um efeito didático sobre a companhia”, diz Almeida. Seu exemplo já está sendo seguido. Até a noite da quinta-feira 11, mais seis escritórios americanos haviam protocolado ações semelhantes. Nenhum investidor brasileiro havia entrado com um processo semelhante – pelo menos até o fechamento desta edição, na noite da quinta-feira 11. Mas isso é questão de tempo. “Há vários grandes investidores individuais e family offices fazendo reuniões para discutir a viabilidade de ações semelhantes”, diz o sócio de um dos maiores escritórios de São Paulo.
Qual o impacto de uma ação como essa? DINHEIRO falou com cinco sócios de diferentes escritórios de advocacia. Fato raro entre advogados, houve poucas divergências. Segundo eles, a situação ainda é tranquila para a Petrobras. Em sua petição inicial, os advogados de Kaltman acusam a empresa de ter instado seu cliente a investir com base em declarações falsas sobre a produção de petróleo e sobre a lisura dos negócios, fatos que se provaram falsos com as investigações. Há um ponto fraco porém: todas as justificativas são baseadas em reportagens publicadas na imprensa brasileira e internacional, e eventuais declarações de Graça Foster, presidente da Petrobras, em reuniões com acionistas.
“Não há nenhuma peça oriunda das investigações, o que enfraquece a argumentação”, diz um advogado. No entanto, se as investigações brasileiras produzirem provas judiciais válidas e públicas de que houve crime na estatal, o argumento dos acusadores ganha força. “A probabilidade de vitória de Kaltman atualmente é de 50%, mas, com acusações formais da Justiça brasileira, ela sobe para cerca de 90%”, avalia ele. Os prognósticos para o papel da empresa nas bolsas são ruins. Lenon Borges, analista da corretora Ativa, avalia que os efeitos do processo podem ser negativos e explosivos.
“É dificil medir o valor da multa que Petrobras pode ser obrigada a pagar em caso de condenação, mas uma causa conjunta vencida nos tribunais americanos abriria um precedente e, provavelmente, incentivaria investidores brasileiros que se sintam prejudicados a acionar a Justiça”, diz ele. Borges mantém uma recomendação neutra para as ações. Assim, quem não tem, não deve comprar, e quem comprou deve ter paciência e evitar vender. Mesmo assim, o analista espera um cenário bastante negativo no curto prazo. “A relação entre risco e retorno está bastante deteriorada.”
Com algumas alterações, analistas de outras casas fazem a mesma recomendação. A exceção é o Citi, que recomenda comprar os papéis americanos da estatal. Há uma dificuldade adicional. Pelo último balanço, divulgado em 30 de junho, o caixa da Petrobras registrava R$ 65 bilhões e a dívida de curto estava em R$ 23,5 bilhões. Uma situação confortável, desde que se ignore o fato de que os compromissos de investimento da empresa são de R$ 20 bilhões por trimestre, sem contar os custos de rolagem da dívida total, que chega a R$ 240 bilhões líquidos.
“Em abril ou maio do ano que vem, ela terá de captar para honrar seus compromissos de dívida, e há dúvidas sobre como isso será realizado”, diz Celson Plácido, estrategista da XP Investimentos. Desde 1991, quando voltou ao mercado internacional de capitais, a Petrobras costuma realizar a primeira captação internacional do ano, medindo o apetite do mercado global pelos papéis brasileiros. Há dúvidas no mercado se essa praxe será mantida em 2015, ainda mais com a perspectiva temida pelo mercado de que a deterioração da relação entre dívida e faturamento custe à empresa seu grau de investimento.
A estatal havia agendado para o dia 12 de dezembro a divulgação dos seus resultados do terceiro trimestre, mas sem a chancela da auditoria PwC. “Não ter balanço auditado é um problema enorme na hora de levantar dinheiro, é como tentar financiar um apartamento usando um contracheque de seis meses atrás”, diz Plácido. Uma das soluções possíveis é o governo fazer um encontro de contas da Petrobras com outra estatal, a Eletrobras. A holding do setor elétrico é uma voraz consumidora de óleo combustível para alimentar suas usinas termoelétricas, em especial as localizadas no Norte do Brasil, mas tem sido relapsa em pagar as faturas.
A dívida da Eletrobras com a Petrobras é de R$ 9 bilhões. Na manhã da quinta-feira 11, Edison Lobão, ministro das Minas e Energia, afirmou que a Eletrobras vai fechar um acordo para pagar a dívida ainda neste ano, provavelmente emitindo dívida com garantia do Tesouro. “A Petrobras precisa desses recursos para reforçar seu caixa”, diz Karina Freitas, da corretora Concórdia. Sua recomendação é de cautela. “Mesmo que as cotações estejam em seu patamar mais baixo em dez anos, isso não significa que elas não possam cair mais.”