RESUMO

• Com Magda Chambriard, Petrobras tem oitavo presidente em oito anos
• A grande maioria, antes de cair, ficou na corda bamba, entre agradar ao governo ou a acionistas
• Magda vai ter de encarar pedreira nessa seara: dar conta da polêmica revisão da distribuição de dividendos
• Sem contar os desafios de uma cartilha estruturada para Transição Energética e Sustentabilidade…
• …Enquanto o governo deseja explorar petróleo na Foz do Amazonas, o que contraria sinalização do Ibama
• Para analista, equilibrar interesses em empresa de capital misto como a Petrobras é enxugar gelo

Olhar para a Petrobras é se deparar com um eterno déjà vu. Nos últimos 70 anos, a petroleira produziu, com imensa capacidade, resultados que tiveram o efeito de desgastar presidentes ou exaltar governos — algumas vezes, ambos os cenários em uma mesma gestão. Nos anos 1990, quando virou uma sociedade mista, passou a criar tensões com o mercado e animosidades com a sociedade civil. Nos últimos oito anos, oito presidentes. Alguns instituíram uma política de mercado, potencializando os lucros. Outros subsidiaram o combustível e trancaram investimentos. Agora, durante a terceira gestão de Luiz Inácio Lula da Silva, há uma espécie de retorno ao passado — para o bem ou para o mal, dependendo do ponto de vista de quem analisa.

A entrada de Magda Chambriard no comando da empresa sinaliza o interesse do governo em usar a petroleira como parte do projeto econômico nacional, e não, nas palavras de Lula, “reduzir a Petrobras a uma empresa de prateleira, para impressionar o mundo e dar aos acionistas lucros exorbitantes”.

Se, por um lado, o plano do petista é acelerar investimentos e usar a companhia como catalisador econômico e de transformação sustentável, por outro, os desafios envolvendo distribuição de dividendos e defasagem no preço dos combustíveis se apresentam na mesma proporção das oportunidades.

Para entender como a Petrobras entrou nessa sinuca de bico é preciso olhar pelo retrovisor. Especificamente para 1997, quando a empresa, até então totalmente pública e nacional, passou a ter capital misto, colocando nessa equação os interesses de acionistas que cobram sustentabilidade financeira de longo prazo e dividendos parrudos.

Tal queda de braço permeou a primeira gestão de Lula, mas com a descoberta do pré-sal, em 2007, a perspectiva de ganhos ainda maiores fez o mercado aceitar a mão de Lula nas decisões estratégicas da companhia. Mas não demorou para o pré-sal decepcionar os ansiosos, e a economia enfraquecer.

no governo Dilma, os escândalos de corrupção envolvendo a petroleira e a redução artificial dos preços dos combustíveis também ficaram insustentáveis, custando cerca de R$ 100 bilhões para o capital da empresa e resultando na explosão da inflação quando os valores foram reajustados.

Em 2013, a estatal assumiria o vexatório posto de empresa mais endividada do mundo, segundo relatório do Bank of America (BofA). Assim, criou-se a sensação de que era o poder público o grande vilão da Petrobras.

Governo quer gerar empregos com o plano de construir 14 navios para uso e exploração de petróleo. Mas apostas anteriores na indústria naval geraram rombos bilionários (Crédito:R.Stuckert)

Em 2016, após o afastamento de Dilma Rousseff, a entrada de Michel Temer em seu lugar colocou a estatal em uma nova era.
Sob comando de Pedro Parente, a petroleira adotou a paridade no preço dos combustíveis com os valores praticados no exterior, política conhecida como PPI, culminando no período de menor ingerência do governo da história.
Em 2019, quando Jair Bolsonaro assume o Palácio do Planalto, há uma narrativa de manutenção das diretrizes de Parente, mas essa impressão dura pouco. Bolsonaro trocou o presidente da petroleira quatro vezes, com alguns ficando poucos meses no cargo. O motivo era o custo do capital político com a alta do petróleo.
Como acabar com o PPI era um sinal errado para os anseios liberais defendidos por Bolsonaro, então a solução foi criar subsídios. Tanto diretos (com a redução de impostos) como indiretos (auxílio a caminhoneiros).

Analistas políticos atribuem a queda de Bolsonaro à impopularidade gerada pela gasolina próxima a R$ 10 em estados como Acre e Pernambuco e ao preço do diesel mais caro do que a gasolina, o que ocorreu pela primeira vez na história — e segue até hoje.

Presidente tomou a decisão de tirar Jean Paul Prates com o argumento de ser necessário melhorar a interlocução entre a estatal, os entes públicos e o mercado financeiro (Crédito:Divulgação )

COMO FICA AGORA?

Entre prós e contras dos modelos adotados nos últimos anos, o que vale agora é o tom de Magda. Quem antecipou essa nova cara foi o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, um dos que pressionaram pela queda do antigo presidente, Jean Paul Prates.

Segundo ele, a petroleira irá retomar a nacionalização dos processos, mas isso sem “ferir ou prejudicar o andamento do mercado financeiro”. Esta não será uma tarefa fácil.

Um dos pontos defendidos pelo governo foi a revisão da distribuição de dividendos com a nova Política de Remuneração aos Acionistas. Com ela, foi reduzido de 60% para 45% o percentual mínimo de participação da distribuição de dividendos no fluxo de caixa livre trimestral da empresa. Deu certo? Não exatamente, e aí Magda terá que agir.

Essa iniciativa apontava na direção de redução do patamar de dividendos pagos, entretanto, ao não atacar a flexibilidade dessa política, possibilitou a distribuição de mais de R$ 105 bilhões em dividendos e juros sobre capital próprio sob comando de Prates, o equivalente a 68,5% do lucro líquido gerado no período. Também entra nessa conta a forma como Magda explicará ao mercado como a empresa perdeu, entre maio do ano passado (quando caiu o PPI) até março deste ano, R$ 9,4 bilhões de receita bruta, segundo dados da associação de refinarias privadas Refina Brasil.

Há também bons horizontes neste caminho.
Prates elevou os indicadores operacionais da companhia, em especial no segmento de exploração e produção (E&P) e no uso intensivo de complexo industrial.
Magda assume ainda uma Petrobras com uma cartilha estruturada para Transição Energética e Sustentabilidade, com a promoção da descarbonização da matriz nacional com projetos de baixo carbono.

Potencial também é visto na recuperação das reservas da petroleira no longo prazo, pensando em novas fronteiras, como a Margem Equatorial, mas incluindo outros potenciais exploratórios onshore no Nordeste e nas bacias offshore de Pelotas e Margem Leste, o que também agrada acionistas e governo.

Alexandre Silveira, ministro de Minas e Energia, ressaltou a importância da Petrobras para ampliar a infraestrutura de escoamento de gás natural. “Temos que estudar como aumentar a oferta de gás no Brasil e diminuir o preço. É inadmissível que tenhamos o gás saindo do gasoduto a mais de US$ 10 e chegando ao consumidor final a mais de US$ 14.”

APRENDIZADOS DO PASSADO

Para o ex-presidente da Petrobras Roberto Castello Branco, que pilotou a companhia entre 2019 e 2021, equilibrar os pratos e os interesses em uma empresa de capital misto como a Petrobras é algo próximo a enxugar gelo. “A impressão que eu tenho é que, ano a ano, fica mais evidente que o arranjo institucional que se acostumou chamar de economia mista é um erro. Um formato que precisa agradar forças antagônicas [ente público e privado] não tem como ser sustentável por muito tempo”, disse.

Defensor da privatização, ele mesmo diz ter sentido pressão durante sua passagem pela Petrobras. Segundo Castello Branco, o então presidente Jair Bolsonaro chegou a cobrar uma redução artificial dos preços. “Mas eu não aceitei. Havia uma tendência de alta que não quebraria com uma queda pontual. Fazer isso seria não cumprir o papel para o qual fui escolhido.”

Na esteira da impopularidade gerada pelo fator Petrobras, cresceu nos últimos anos a tese de que a privatização é a melhor saída. Mas algumas bravatas neoliberais, especialmente da dupla Jair Bolsonaro e Paulo Guedes, nunca se converteram em coragem para vender a maior empresa brasileira.

À DINHEIRO, o ex-presidente da estatal Pedro Parente, que comandou a companhia entre 2016 e 2018, afirmou que soluções para os entraves da empresa não se limitam ao simplismo da privatização. “Privatizar não é a única solução, visto que há empresas, como a estatal norueguesa [antiga Statoil, hoje chamada de Equinor], que atua como a Petrobras e tem uma gestão parecida com a que tive na Petrobras”, afirmou. “Na minha época, a condução da Petrobras foi tranquila porque havia um alinhamento claro entre os interesses da empresa e a expectativa do governo sobre ela.”

Nem todos os ex-presidentes da Petrobras entendem que a privatização é o melhor caminho. Um deles, que atuou durante as gestões do PT, afirmou em condição de anonimato à DINHEIRO ter conversado com o presidente Lula após a demissão de Prates, e que não havia insatisfação com a condução da petroleira, mas um ruído entre Prates e os ministros Alexandre Silveira e Rui Costa (Casa Civil). “Não foi uma mudança estrutural. Não haverá grandes viradas. Só uma troca de interlocutor.”

Parte do plano de novos negócios com a entrada de Magda será reforçar recursos para Pesquisa & Desenvolvimento (Crédito:Tomaz Silva/Agência Brasil)

INVESTIMENTOS

Se tem um assunto capaz de colocar em rota de colisão os interesses públicos e privados, são investimentos da Petrobras. A empresa tem dívida bruta de US$ 61,8 bilhões, dentro da faixa estabelecida pelo plano estratégico, e possui caixa para financiar projetos sem necessidade de financiamento.

O desafio, dizem especialistas, é ter bons projetos em carteira, realizados no custo e no prazo previstos. Para isso, a governança mais rígida é importante para evitar problemas como os envolvendo a Rnest e o Gaslub, além de refinarias como Abreu de Lima e Comperj, cujos custos finais ficaram muito acima do estimado inicialmente.

Segundo o ex-presidente da Petrobras que falou sob condição de anonimato, as obras embargadas por decisões judiciais foram retomadas porque concluiu-se que seria mais custoso desfazer do que terminar. “Esse são exemplos de obras decididas na emoção, com baixa governança e pouco filtro fiscal”, disse. Sobre as obras em questão, para a Rnest, a Petrobras aposta na ampliação do primeiro trem de refino, enquanto prepara o terreno para a licitação do segundo trem.

Já o polo Gaslub está com licitação em andamento para a implantação de unidades de produção de lubrificantes e óleo diesel de baixo teor de enxofre (S-10).

Para Fernando Coelho Filho, ex-ministro de Minas e Energia do governo Michel Temer, Magda precisará lidar com os fantasmas de gestões passadas para o mercado e provar a Lula que o processo de investimento precisa ser paulatino para não incorrer nos problemas anteriores. “Não é sobre o nome do presidente, é sobre entender as etapas”, disse.

Cláudio Frischtak, sócio-fundador da consultoria Inter.B, afirma que os investimentos da Petrobras em 2023 corresponderam a 0,6% do PIB do ano passado, quando o total de investimento de todas as empresas somadas foi de 16%.

OLHOS DA JUSTIÇA

Para tentar aumentar essa proporção, o governo aposta na exploração de petróleo na Foz do Amazonas. O desejo contraria, inclusive, a sinalização do Ibama, que entende que a empreitada não é viável. O órgão ambiental barrou a perfuração de poço no bloco 59 da bacia da margem equatorial pela primeira vez em maio de 2023. Desde então, em um vai-e-vem, a empresa reiterou o pedido para exploração e segue buscando o aval do Ibama, que não deu a palavra final sobre seu entendimento, mas fez novas exigências à estatal.

A briga virou uma bandeira de Silveira, ministro de Minas e Energia, que defende publicamente a exploração como parte do programa energético brasileiro.

(Rogério Melo/PR;World Economic Forum / Benedikt von Loebell)

Outro nó de regulamentação começou a se desfazer na quarta-feira (22), quando o Cade aprovou a renegociação dos Termos de Compromisso de Cessação (TCC) da estatal. A medida desobriga a estatal a prosseguir com a venda de refinarias e da participação na transportadora de gás TBG, que era uma demanda do governo.

A companhia havia pedido revisão dos compromissos assumidos em 2019, no governo Jair Bolsonaro, quando foi determinado que a estatal teria que realizar desinvestimentos para estimular mais concorrência nos mercados de gás e refino.

A venda de refinarias havia sido suspensa no ano passado, quando o Ministério de Minas e Energia determinou uma interrupção da alienação de ativos pela estatal diante das novas diretrizes de política energética pelo governo federal. De refinarias que se propôs anteriormente a vender, a Petrobras conseguiu se desfazer da Rlam, Reman e SIX, mas não teve sucesso em negociações para alienar Rnest, Repar, Regap, Refap e Lubnor.

O conselheiro do Cade Gustavo Augusto apontou na quarta-feira (22) que o setor de refino no Brasil atraiu novos agentes independentes desde 2019, e não apenas em função dos desinvestimentos.

A Petrobras se comprometeu a divulgar diretrizes comerciais para entrega de petróleo por via marítima e a oferta de “contratos frame” a qualquer refinaria independente, além de relatórios sobre sua nova estratégia comercial para a oferta de derivados, como gasolina e diesel, após o abandono do PPI.

Com tudo isso em jogo, a Petrobras põe sentido, quase um século depois, às palavras do Senador Hollanda de Cavalcanti na data de fundação do Banco do Brasil. “Uma corporação com grande influência política. Ou o governo há de transigir com ela, ou ela é que dará governadores ao País”. Agora, a bola está com Magda.

Mudança no comando da Petrobras foi incentivada por Alexandre Silveira (esq) e Rui Costa, ministros de Minas e Energia e Casa Civil, respectivamente. Plano é acelerar investimentos na petroleira ainda este ano (Crédito:Rafa Neddermeyer/Agência Brasil)