Seis anos após vender a BR Distribuidora, a Petrobras decidiu voltar ao setor de distribuição, mas ainda não com venda de combustíveis, e sim, de gás de cozinha (GLP). O Conselho de Administração aprovou, na noite de quinta-feira, 7, a inclusão da atividade no plano estratégico da empresa.

+ Petrobras vê baixa probabilidade de dividendos extraordinários para 2025, diz CFO

Conforme fato relevante, a estatal aprovou o posicionamento estratégico de “atuar na distribuição de GLP”, sem providenciar mais detalhes.

Além disso, a empresa destacou que irá integrar a distribuição com demais negócios no Brasil e no mundo, além de oferecer soluções de baixo carbono para seus clientes.

A Petrobras deixou de distribuir gás com a privatização da Liquigás, em 2020, e com a venda da BR Distribuidora em 2021, atual Vibra Energia.

Segundo o Estadão/Broadcast, na reunião do Conselho de Administração, decidiu-se que era cedo para discutir a volta aos postos de abastecimento de combustíveis líquidos no momento, já que até 2029 a Petrobras não pode, por contrato, concorrer com a Vibra.

Ainda de acordo com o Estadão/Broadcast, analistas de mercado desaprovaram a iniciativa. “Vemos a medida sob uma ótica negativa”, afirmou Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos, em nota. “Trata-se de um segmento com margens historicamente mais apertadas, o que tende a reduzir a eficiência da alocação de capital e pressionar o rendimento anualizado do caixa livre.”

Já em entrevista a jornalistas durante apresentação do balanço do segundo semestre da companhia, a presidente da estatal, Magda Chambriard, criticou a decisão do governo anterior de abandonar ramos de negócio e exaltou o crescimento de margens obtidas por revendedores de gás de cozinha.

“Por que vamos fechar essa porta? Deixa a porta aberta”, disse Magda Chambriard, se referindo à determinação de que a empresa saísse de setores como etanol e a venda direta de gás de cozinha.

“Deixa a porta aberta porque, vai que ela é útil, vai que ela garante um negócio rentável, vai que ela traz um bom retorno para a companhia”, afirmou a presidente da estatal, antes de apontar o crescimento da margem do negócio.

“Qual foi o negócio que, em tão curto período de tempo, aumentou sua atratividade em 188%? É disso que estamos falando, não vamos de jeito nenhum nos autolimitar. Vamos buscar expansão dos nossos mercados, alocação dos nossos produtos na forma mais rentável e proveitosa possível para a companhia”, declarou.

O crescimento de 188% citado pela executiva consta em uma nota técnica elaborada em outubro de 2024 pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia (MME).

O estudo aponta que, enquanto a inflação medida pelo Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M), da Fundação Getulio Vargas, foi de 48% entre 2019 e 2023, a margem líquida das distribuidoras cresceu 188% no mesmo período, passando de uma média de R$ 285,22 por tonelada (t), em 2019, para R$ 821,90/t, em 2023.

Margem líquida é a diferença entre o preço de revenda do GLP praticado pelas distribuidoras e o custo de aquisição da matéria-prima e custos operacionais, como frete, mão de obra, armazenamento, impostos e publicidade. Quanto maior a margem líquida, maiores os lucros.

O diretor de Logística da Petrobras, Claudio Romeo Schlosser, explicou durante a entrevista na sexta-feira que a companhia já está à procura de grandes clientes – um perfil que se aplica principalmente a indústrias e uso comercial.

“Estamos efetivamente buscando clientes, grandes clientes de GLP no sentido de oferecer a venda direta. Temos uma possibilidade em algumas infraestruturas aproveitar o que já temos e avançar, obviamente, nesse mercado. O que a gente busca é realmente acessar o mercado”, afirmou.

Em setembro de 2024, a Petrobras inaugurou o Complexo de Energias Boaventura (antigo Comperj), em Itaboraí, na região metropolitana do Rio de Janeiro. O polo industrial processa gás natural do pré-sal e tem entre seus produtos o GLP. Na inauguração, Magda Chambriard apontou que a unidade contribuiria para ampliar a oferta de gás no mercado nacional e minimizar importações de GLP.

Estatal saiu do ramo em 2019

A decisão marca o retorno da Petrobras a um segmento do qual saiu em 2019, quando vendeu a BR Distribuidora – hoje Vibra Energia – por R$ 9,6 bilhões.

Na época, a BR era a maior distribuidora de combustíveis e lubrificantes do país, com cerca de 30% do mercado e quase 8 mil postos espalhados pelo território nacional.

O negócio foi parte de um amplo plano de desinvestimentos que tinha como objetivo reduzir a dívida da companhia e aumentar a capacidade de investimento em áreas estratégicas, como a exploração de petróleo no pré-sal.

O movimento de agora não significa que a estatal voltará imediatamente aos postos de combustíveis líquidos. Pelo contrato firmado na venda, a Petrobras não pode concorrer com a Vibra até 2029 – e a marca Petrobras nos postos segue sob uso da ex-subsidiária até essa data.

Por isso, o foco inicial está no GLP, segmento do qual a companhia também havia se retirado em 2020, quando vendeu a Liquigás para um consórcio formado por Copagaz, Itaúsa e Nacional Gás por R$ 4 bilhões.

A retomada acontece em um momento em que o governo tenta colocar de pé o programa Gás para Todos, que pretende distribuir botijões gratuitamente para famílias de baixa renda. A presença da Petrobras nesse mercado pode, segundo integrantes do governo, ajudar na execução da iniciativa e ampliar a oferta do produto a preços mais competitivos.

Analistas veem segmento como pouco lucrativo para Petrobras

Nem todos veem a decisão de forma positiva. Analistas frisam que a distribuição de GLP é um negócio com margens historicamente mais apertadas – o que tende a pressionar a rentabilidade da estatal e reduzir a eficiência na alocação de capital.

Além disso, a entrada da Petrobras em setores de margens menores pode diminuir o retorno do caixa livre e aumentar a pressão sobre investimentos, especialmente num cenário em que a companhia já registra um nível de dívida bruta acima de US$ 65 bilhões, segundo relatório do Citi.

“A maior alavancagem chama a atenção para o fato de que, pela primeira vez em muito tempo, a Petrobras ultrapassou US$ 65 bilhões de dívida bruta”, afirmam os analistas do banco.

O Citi avalia que os preços mais baixos do petróleo pesaram sobre o balanço. A XP afirma que os resultados trimestrais da petroleira vieram em linha, mas que a geração de caixa e os dividendos ficaram abaixo das expectativas.

A avaliação de parte dos investidores é de que a Petrobras deveria concentrar esforços nas áreas de maior retorno – como exploração e produção de petróleo – e que a diversificação em segmentos como o GLP e, futuramente, a rede de postos, traz mais desafios de execução do que ganhos imediatos. Ainda assim, a decisão do conselho indica que a estatal está disposta a reabrir portas que manteve fechadas nos últimos anos e a recuperar espaço em mercados onde, no passado, já foi protagonista.

*Com informações de Reuters, Estadão Conteúdo e Agência Brasil