05/12/2017 - 14:15
A Medida Provisória 795, que ficou conhecida como MP do Repetro, não apenas deve elevar a atratividade do setor de petróleo, mas também pode resultar no perdão de dívidas tributárias bilionárias da Petrobras, inclusive envolvendo um processo no qual a empresa foi recentemente derrotada na segunda instância da Justiça. A petroleira divulgou que possui R$ 53,479 bilhões em processos judiciais não provisionados que se referem a casos envolvendo a incidência de Imposto de Renda retido na fonte, Cide e PIS/Cofins sobre remessas ao exterior para pagamentos de afretamento de embarcações. Porém, nota técnica da Receita Federal publicada na última sexta-feira, 24, indica um desembolso por parte da estatal na casa dos milhões, e não mais dos bilhões.
Entre esses processos, um deles, no valor de R$ 8,8 bilhões, teve decisão desfavorável para a petroleira na segunda instância da Justiça, no Tribunal Regional Federal do Rio de Janeiro, em outubro. O caso é polêmico e, na visão de advogados consultados, envolve um erro formal cometido pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), instância administrativa da Receita.
Em um primeiro momento, a MP do Repetro, que teve o texto-base aprovado nesta semana no plenário da Câmara dos Deputados, é positiva para a Petrobras. Mas isso depende do ponto de vista. O lado bom para a petroleira é o encerramento de uma disputa judicial que vinha se arrastando, dando ponto final às incertezas em torno do assunto. Por outro lado, alguns especialistas consultados já davam como certa a vitória da estatal nesses processos, de forma que ela poderia não ter de desembolsar nada.
A Secretaria da Receita Federal estima que a MP permitirá a recuperação de R$ 546,13 milhões, ao mesmo tempo em que vai livrar a União do risco de ter de pagar os honorários da defesa da parte vencedora nos processos relativos ao tema.
O próprio Fisco reconhece uma elevada chance de derrota, na nota técnica divulgada dias atrás, ao falar da Lei 13.043/2014, que estabeleceu uma regra para tributação nas remessas ao exterior para pagamento de afretamento ou aluguel de embarcações marítimas.
“Por um lado, essa lei contrariou a interpretação até então utilizada pela Receita Federal, de que 100% do valor dos contratos deveriam estar sujeito a tributação. Por outro lado, elevou um pouco a tributação. Uma vez estabelecidas essas regras em lei, a possibilidade de a Receita Federal obter sucesso na cobrança dos autos de infração já lavrados se reduz drasticamente. Isso porque, frente à nova norma, o juiz terá grande probabilidade de retroagir a regra para beneficiar o contribuinte”, diz a autoridade fiscal.
Para o advogado André Carvalho, do escritório Veirano Advogados, essa parte da MP pode ser vista até certo ponto como negativa para a Petrobras, porque havia a chance de ela não precisar pagar nada. “A discussão é favorável ao contribuinte”, avalia.
A MP do Repetro buscou recuperar uma parcela da capacidade de arrecadação do Fisco, ao reduzir os percentuais que haviam sido fixados pela Lei 13.043/2014 e ao dobrar a base tributável dessa operação, diminuindo os porcentuais máximos para declaração de despesa com frete. “A parcela dos gastos com afretamento ou aluguel de embarcação marítima que deve ser tributada subiu 15 pontos porcentuais. A parcela a ser tributada dobra na primeira categoria de embarcações (de 15% para 30%), passa de 20% para 35% na segunda e de 35% para 50% na terceira”, diz a nota da Receita.
Para viabilizar o pagamento das elevadas autuações geradas, a MP estabelece regras para quitação de débitos. Para tanto, as empresas terão de recolher, em janeiro de 2018, a diferença de Imposto de Renda, acrescida de juros de mora, com redução de 100% das multas de mora e de ofício.
Alessandro Borges, do escritório Benício Advogados, explicou que parte das autuações tributárias tem a ver com o entendimento adotado pela Receita de que plataformas de petróleo não se enquadram no conceito de embarcação e, portanto, não teriam direito à alíquota zero do IR estabelecida em lei. Com isso, na visão do Fisco, as remessas ao exterior a título de afretamento de plataformas de petróleo deveriam pagar Imposto de Renda na fonte.
Ele acrescenta, contudo, que a discussão vai além dessa classificação, envolvendo também a alegação de que foram realizados pagamentos a residentes domiciliados em paraíso fiscal. Uma das infrações fiscais, lavrada pela Delegacia de Fiscalização do RJ, diz que “por ser beneficiário domiciliado em Cayman, país com regime de tributação favorecida, o lançamento será feito com alíquota de 25%”. Quanto a este ponto, o Tribunal Regional Federal, da 2ª Região decidiu contra a petroleira.
Erro
O advogado Fernando Aurélio Zilveti, doutor em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo, avalia que o auditor fiscal da Receita Federal, quando lavrou o auto de infração, cometeu um erro na classificação das plataformas marítimas. O problema foi que, posteriormente, o Carf, ao julgar o caso, corroborou com a decisão, ao citar a questão do destinatário localizado em paraíso fiscal.
O relator do TRF da 2ª Região escreveu, em seu voto, que o argumento da União relativo ao destino da remessa de valores a paraíso fiscal é válido, contrariando a alegação da Petrobras. Porém, também notou que as plataformas flutuantes se englobam na definição de embarcação.
De qualquer maneira, no entendimento dos especialistas ouvidos, grande parte dos R$ 53 bilhões em dívidas podem ser perdoados com a MP do Repetro. “É um verdadeiro perdão que estaria sendo promovido pelo governo e ainda possibilitando o pagamento de eventual diferença que ainda fique em aberto em até 12 vezes, sem qualquer tipo de multa, desde que se desista dos litígios judiciais e administrativos”, explica Borges, do Benício Advogados Associados.
No total, a Petrobras contabiliza R$ 205,8 bilhões em processos judiciais não provisionados, conforme nota explicativa do último balanço. São casos nos quais a saída de recursos não é vista como provável, recebendo a classificação de “perda possível”, ou em que não dá para chegar a uma estimativa confiável dos valores envolvidos.
Procurada, a petroleira explicou que efetua análise para provisionamento de suas contingências judiciais considerando os precedentes e a legislação pertinente ao tema, e não com base em valores.
Especificamente sobre o tema das remessas para pagamento de afretamentos, havia explicado, antes da aprovação do texto-base da MP do Repetro na Câmara dos Deputados, que ainda depende de análise dos Tribunais Superiores e acredita em desfecho favorável à companhia, tendo em vista a avaliação de seus assessores jurídicos e os julgamentos da Administração.