11/10/2018 - 18:17
O ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Aroldo Cedraz, foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por tráfico de influência, por supostamente terem negociado e recebido R$ 2,2 milhões da empresa UTC Engenharia, para influenciar o julgamento de processos referentes a contratos da usina de Angra 3 no valor de R$ 3,2 bilhões enquanto tramitavam no tribunal de contas. O advogado Tiago Cedraz, filho do ministro, e mais duas pessoas também foram denunciados.
A UTC era parte de um consórcio de sete construtora que disputava contratos em valores totais de R$ 3,2 bilhões em Angra 3, que eventualmente passaram pela análise do tribunal. Nesse contexto, o dono da empreiteira, Ricardo Pessoa, descrito pela PGR como líder do esquema, contratou Tiago Cedraz para, junto com o ministro Aroldo Cedraz, interceder em benefício dos interesses do consórcio, em ao menos dois processos. O objetivo final era evitar que o TCU impedisse a contratação ou fizesse exigências onerosas às empresas contratadas. A delação de Ricardo Pessoa corroborou a denúncia. As obras em Angra 3, iniciadas em 1983, até hoje não foram concluídas.
A PGR afirma ter comprovado que houve entrega dinheiro em espécie, de forma parcelada, em São Paulo, na sede da UTC e, em Brasília, no endereço onde funciona o escritório de Tiago Cedraz. Segundo a denúncia, o primeiro acerto foi firmado em 2012, e os pagamentos foram feitos de forma parcelada e em espécie, até 2014. Os R$ 2,2 milhões teriam sido repassados ao longo do período de tramitação dos processos. Luciano Araújo é apontado como recebedor dos pagamentos mensais, e Bruno Galiano, como responsável por dar suporte técnico às tratativas ilícitas. Eles também foram denunciados.
Essa é a primeira acusação formal que a PGR faz contra um ministro do TCU em pelo menos 20 anos. Ministros do tribunal têm foro no Supremo Tribunal Federal. Além da parte criminal, o TCU tem uma corregedoria para apurar atuação dos ministros, que em tese pode ser acionada. O presidente do TCU, Raimundo Carreiro, também foi investigado no caso, mas já teve arquivada a parte referente a si.
Para a Procuradoria, parte do valor recebido do grupo de empresários representado por Ricardo Pessoa teve como destinatário o ministro Aroldo Cedraz. A peça menciona o fato de, no período dos pagamentos, Tiago Cedraz ter comprado um imóvel no valor de R$ 2,275 milhões. A aquisição foi feita pela empresa Cedraz Administradora de Bens Próprios, que o advogado mantém em sociedade com sua mãe. Este imóvel foi reformado com recursos de Aroldo Cedraz e destinado à moradia do próprio ministro.
A abordagem de Pessoa a Tiago Cedraz teria sido feita inicialmente para interferir num processo que tratava da apuração de vícios no edital de pré-qualificação técnica das empresas integrantes dos consórcios concorrentes. Depois, num segundo processo, da fiscalização da execução das obras de construção e cumprimento de determinações do próprio TCU em relação ao edital de concorrência.
Segundo a PGR, a atuação de Tiago Cedraz para demonstrar aos contratantes a sua influência junto ao relator ou à área técnica do TCU contou com o apoio de seu pai, o ministro Aroldo Cedraz. O ministro teria feito intervenção em duas ocasiões. Primeiro, ao apresentar um pedido de vista e solicitar o adiamento do julgamento do processo TC 011.765/2012-7, sob a justificativa de que estaria fora do País. Na denúncia, a procuradora-geral cita informações extraídas de sistema do Tribunal, segundo as quais, desde junho – cinco meses antes do pedido de vista – havia indicação de impedimento do ministro Aroldo Cedraz para julgar o caso.
A procuradora-geral Raquel Dodge afirmou não haver dúvidas de que o ministro deveria ter se declarado impedido e não solicitado vista dos autos. “Tal situação, somada aos fatos narrados pelos colaboradores acerca da atuação de Tiago Cedraz, revela que Aroldo Cedraz agiu para controlar a data do julgamento. Seu ato de ofício infringiu dever funcional, pois pediu vista de um processo para o qual estava previamente impedido”, afirmou em trecho da denúncia.
A PGR aponta também que, apesar de haver impedimento legal para que ministros atuem nos processos em que seu filho é advogado, a relação entre Tiago Cedraz e o ministro e o corpo técnico de seu gabinete é intensa. Dados coletados durante o inquérito apontaram um total de 5.651 registros de contatos telefônicos entre os terminais vinculados a Tiago Cedraz e seu escritório e os terminais vinculados ao ministro Aroldo Cedraz e seu gabinete, entre os anos de 2013 e 2014. Esse número não inclui chamadas feitas pelos celulares e telefones residenciais de pai e filho.
Segundo a denúncia, além das parcelas mensais de R$ 50 mil, Tiago Cedraz também solicitou um pagamento extra de R$ 1 milhão por ocasião do julgamento do segundo processo, sob a alegação de que o valor seria repassado ao relator. Neste caso, o dinheiro foi entregue a Tiago Cedraz por intermédio do doleiro Alberto Youssef.
Para dar suporte à denúncia, a Procuradoria aponta cruzamentos entre os registros de viagens, entrada dos envolvidos na sede da empresa, tabela de pagamentos apresentada pelo colaborador e documentos apreendidos no escritório do advogado também confirmam a relação entre Ricardo Pessoa e Tiago Cedraz.
Além do ressarcimento em dobro, R$ 4,4 milhões, a Procuradoria pede a decretação da perda da função pública do ministro Aroldo Cedraz. A denúncia foi encaminhada ao relator do caso no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Edson Fachin. O inquérito foi aberto em 2015.
A UTC foi declarada inidônea num outro processo que foi posteriormente aberto no TCU para apurar irregularidades na contratação desse consórcio por Angra 3, mas esses fatos não fazem parte da denúncia. O fato de ter havido acusação ao ministro do tribunal não interfere no processo que trata do cartel na licitação.
Denunciado, o advogado Tiago Cedraz é também investigado na Operação Registro Espúrio, que investiga fraudes na concessão de registros sindicais. Ele prestou depoimento na última fase da operação, que agora foca em fraudes na restituição de contribuições sindicais recolhidas a mais ou indevidamente da Conta Especial Emprego e Salário (CEES). Além disso, foi ouvido na 45ª etapa da Operação Lava Jato, quando negou ter atuado a favor do interesse de integrantes do MDB na Petrobrás.
A assessoria de imprensa do TCU disse que o ministro Aroldo Cedraz não irá comentar. A reportagem ainda não conseguiu contatar o advogado Tiago Cedraz.