O vinho é uma bebida delicada, sujeita a qualquer variação de temperatura, umidade e pragas que surgem de tempos em tempos. Em 1870, os produtores franceses viram as videiras, com séculos de vida, caírem diante da filoxera, fungo que atacava a raiz a ponto de destruir toda a produção. Descobriu-se, então, que a solução era enxertar raízes cultivadas nos Estados Unidos nas videiras francesas. Controlou-se, portanto, o que poderia ter posto fim à tradição francesa. No Brasil, hoje, uma outra praga mina a indústria da vitivinicultura e o trabalho dos importadores da bebida de Baco: o contrabando. Estima-se que mais de 7,5 milhões de garrafas ilegais entrem no País por meio das fronteiras de Brasil, Argentina e Paraguai, uma região conhecida como a Tríplice Fronteira. ?Deixou de ser contrabando de formiguinhas?, diz Hermes Zaneti, presidente da Câmara Setorial do Vinho, referindo-se aos muambeiros que levam algumas garrafas na bagagem. ?Tornou-se negócio de profissionais com remessas trazidas em jamantas?. O prejuízo, apontam estimativas conservadoras, é de R$ 70 milhões por ano.

Nos tabuleiros de camelôs é comum a presença de imitações de relógios Rolex, bolsas Louis Vuitton e perfumes Dior, grifes cobiçadas. A novidade: o vinho entrou, definitivamente, no seleto grupo de produtos que, de tão procurados, viraram alvo de piratas. As bebidas trazidas pelas quadrilhas de contrabandistas são vendidas, principalmente, na região Sul e começam a chegar ao mercado paulista. São rótulos de estirpe. ?Há muito champanhe Moët Chandon e Veuve Clicquot vendidos a cem reais cada garrafa?, diz um grande importador. Detalhe: esse é o preço de custo de quem traz a bebida legalmente para o País. No caso dos vinhos, o preço do produto que entra pela porta dos fundos cai ainda mais. O argentino Terrazas, que custa em média, R$ 25,00, chega a R$ 10,00. O chileno Santa Helena Borgonha, por sua vez, é vendido por R$ 5,00. ?É assustador o que os contrabandistas estão fazendo com a indústria?, diz Acir Valença, dono da loja Vinhos e Cia, localizada em Londrina (PR), uma das regiões mais afetadas. Para os produtores, o efeito colateral é mais preocupante. Dados da União Brasileira de Vitivinicultura Nacional, a Uvibra, mostram que, em 2000, o consumo de vinho no País foi de 63,4 milhões de litros. No ano passado, contudo, caiu para 59,4 milhões de litros. ?Mas a percepção geral é a de que o consumo aumentou e quem está ganhando são os contrabandistas?, diz Antônio Salton, presidente da Uvibra.

Disputar mercado com a ilegalidade é uma luta inglória. Afinal, o vinho importado recebe uma carga de impostos que chega a mais de 60%. Os rótulos produzidos no Mercosul, é verdade, não pagam impostos de importação. Mas, ao entrar no País, deveriam arcar com os encargos nacionais. ?Além de maior fiscalização nas fronteiras, os impostos deveriam cair?, diz Ciro Lilla, dono da Mistral, uma das maiores importadoras do Brasil. Enquanto isso não acontece, há um modo simples de coibir a pirataria. ?Basta olhar o contra-rótulo e ver se há o nome do importador?, diz Arthur Azevedo, diretor da Associação Brasileira de Sommeliers de São Paulo. É, no mínimo, um modo de combater uma praga que pode devastar a indústria brasileira.

R$ 70 milhões é o prejuízo estimado causado pela entrada ilegal na Tríplice Fronteira

Bebidas visadas
Saiba quais são as garrafas que os contrabandistas trazem para o País sem pagar impostos
 

Veuve Clicquot:
no mercado legal, o champanhe custa, em média, R$ 170
R$ 110 (contrabando)

 

Möet Chandon:
nas casas de vinho, a bebida borbulhante sai por R$ 160
R$ 100 (contrabando)

 

Terrazas:
o custo médio deste vinho argentino é R$ 25 cada
R$ 10 (contrabando)