Para o deputado federal e relator do Projeto de Lei 2.630, mais conhecido como PL das Fake News, os conglomerados digitais tentam colocar de joelhos o Congresso Nacional.

Acostumado a lidar com o lobby das big techs desde que foi relator da lei de Proteção de Dados Pessoais, aprovada em 2020, Orlando Silva (PCdoB) classificou como “abuso de poder econômico” as ações das plataformas digitais às vésperas da primeira tentativa de votação do projeto de lei das Fake News (PL 2.630). Ele se referiu ao disparo em massa feito pelo Telegram, o direcionamento das buscas do Google para conteúdos contrários ao projeto e a pressão feita junto a influenciadores. Sem a garantia dos votos necessários para aprovação do PL, Silva pediu o adiamento da votação. O texto será submetido ao plenário da Câmara dos Deputados (CD) nos próximos dias e, em seguida, ao Senado. O deputado defende a criação de um órgão independente e um sistema misto de autorregulação e regulação externa, mas reconhece que designar a atribuição à Anatel é a opção que encontra mais apoio. A nova lei, segundo ele, abrirá precedentes para a regulamentação em todo o mundo devido ao tamanho e a potência do ambiente digital do Brasil. Se ele está ou não com a razão, é cedo para afirmar. Nesta entrevista à DINHEIRO, o parlamentar foi transparente quanto à sua visão sobre o tema. “Caso se omitam, os deputados não poderão reclamar de ativismo judicial depois”.

DINHEIRO — Quais os principais pontos do PL das Fake News?
ORLANDO SILVA — O primeiro aspecto é o mecanismo de defesa da liberdade de expressão que nós introduzimos no texto. Hoje uma big tech retira um conteúdo do ar e comunica ao usuário apenas que foi ferido em termos de uso. Eu não considero isso razoável. O segundo aspecto importante é o regime de responsabilidades. Hoje uma empresa só é responsável se não cumprir uma ordem judicial que determine retirada de um conteúdo. É necessário criar outras hipóteses de responsabilidade. Por exemplo, se houver impulsionamento, o aumento do alcance para ganho econômico, a empresa também precisa ser responsável pelos danos causados por aquela mensagem. Ou pela omissão na retirada de um conteúdo ilegal após alerta.

O PL propõe sanções para indivíduos e empresas que compartilhem notícias falsas. Mas ele define o que é considerado comportamento inadequado?
Não há previsão de sanção para indivíduos. Aos indivíduos é necessário oferecer educação midiática. Ensinar a não compartilhar informações sem checar. A única sanção penal [para pessoas] prevista no texto é para organizações criminosas que se estruturam para difundir fato que sabem ser inverídico usando ferramentas não autorizadas pelos aplicativos, como robôs com o objetivo de comprometer o processo eleitoral ou que possam causar danos à integridade física de pessoas e de processos institucionais.

Se é tão importante, qual o imbróglio na aprovação do projeto?
É um tema complexo, que desperta interesses e paixões. Falar de redes sociais é falar de algo que está presente no cotidiano de absolutamente todas as pessoas. Há temas no Congresso Nacional que poucos deputados especialistas opinam, elaboram, trabalham, discutem. As redes sociais alcançam todos os parlamentares. Então, todo mundo tem uma história pra contar de uma fake news que ouviu. Todo mundo tem uma opinião sobre qual o melhor mecanismo para combater a desinformação. Isso polariza o debate e gera controvérsia. Porém, também é o fator que faz com que seja necessário ter cautela e precisão no tema.

O PL está em discussão desde o fim da CPMI das Fake News, em 2022. Quando ela ganhou relevância e passou a ser de interesse de todos?
Ganhou relevância em um momento de ameaça muito grave, que foram os ataques às escolas em abril. Esse tema está em debate no Congresso Nacional há três anos. Somente na Câmara, há mais de dois anos e meio. Fizemos seminário internacional, dezenas de audiências públicas, centenas de reuniões bilaterais, ouvimos especialistas, sociedade civil, ouvimos a indústria, ouvimos o governo anterior, ouvimos o governo atual. Então, tem um longo processo de debate que nos permitiu apresentar uma proposta, um substitutivo, um texto para ser convertido em lei. Por isso, refuto fortemente a crítica de que o projeto teve pouca discussão. [Vale ressaltar que as discussões ocorreram essencialmente antes de mudanças substancias no PL].

Segurança: “O tema está em debate no Congresso há três anos e ganhou relevância em um momento de ameaça grave, que foram os ataques às escolas em abril” (Foto: Rubens Cavallari) (Crédito:Rubens Cavallari)

Como o PL se relaciona com legislações e experiências de outros países?
Procuramos inspiração em boas experiências internacionais, como o ato de serviços digitais da União Europeia, cujos princípios incorporamos. Obrigação de transparência de análise de risco sistêmico, obrigação de auditoria externa. O conceito do dever de cuidar, na lei alemã, a discussão da remuneração de conteúdos jornalísticos sobre a qual a Austrália acaba de aprovar norma e, a França, uma lei. No Canadá, só falta a regulamentação passar pelo Senado. Sintonizar o Brasil com o debate global é o mínimo. Mas eu acredito que é necessário também que tenhamos um órgão responsável pela supervisão da internet no Brasil, das redes sociais.

O senhor defende a criação de uma agência reguladora?
O melhor modelo na minha opinião é a criação de uma entidade autônoma de supervisão, focada no tema, nas redes sociais, nos serviços de mensagens e que tenha qualificação técnica, uma natureza autárquica, que seja uma administração indireta, que seus diretores tenham mandato.

Há alguma chance de esse modelo prosperar?
No ambiente da Câmara essa proposta não encontrou bom eco. Há uma crítica de que isso poderia criar um órgão que iria avaliar o que vai ou o que não vai ser publicado, mas isso não é verdade. Em nenhum momento se discutiu a hipótese de o órgão examinar conteúdo. Quem deve fazer isso são as plataformas, e elas seguirão fazendo. Entretanto, é necessário que haja um órgão responsável para fiscalizar a lei e ativar um protocolo de segurança ao se detectar movimentos como foi o de 20 de abril com as ameaças às escolas, ou o fatídico 8 de janeiro, com uma tentativa de golpe. Hoje as big techs agem de modo inaceitável.

Tanto o senhor quanto o ministro da Justiça, Flávio Dino, fizeram duras críticas à postura das big techs frente à iminência de votação da lei. Elas estão erradas em temer impactos nos negócios?
Em um debate como esse, que tem aspectos econômicos, sociais, políticos, quanto mais rico for, melhor. Eu fiz inúmeras reuniões com todas as big techs. O Google tem 97% do mercado de busca no Brasil. É legítimo que ele participe do debate público. Mas não é legítimo que use a sua estrutura para enviesar o debate.

Big techs: “Hoje as big techs agem de modo inaceitável”, diz Orlando Silva (Tayfun Coskun/AFP)

De que forma?
Quando alguém perguntava no Google sobre o PL, era dirigido para conteúdo contrário ao projeto. É necessário que haja exposição de todos os pontos de vista. Não é razoável que o Google faça um anúncio político sem identificar seus interesses. Não é razoável que contrate o Spotify para fazer anúncios políticos, sendo que os próprios termos de uso do Spotify não permitem esse tipo de publicidade.

Como a remuneração dos criadores, artistas, jornalistas e influenciadores está contemplada no projeto?
Essa é a parte mais polêmica. A mobilização maior nesse ponto se deu na medida em que o projeto trata de vários temas vinculados a plataformas digitais e existe uma lacuna na lei do direito autoral do Brasil no que se refere à remuneração sobre a comercialização e distribuição de conteúdo. Há quem defenda que nós façamos uma votação separada por medo de que o impasse se arraste. Parlamentares sugeriram que o tópico fosse retirado do texto, mas isso ainda não está consolidado.

As soluções apresentadas no projeto passam pelo acesso à informação dos algoritmos de recomendação. Isso é viável para o negócio das redes sociais?
A minha defesa é de que nós tenhamos no Brasil acesso às informações que já estão disponibilizadas pelas plataformas na União Europeia, por exemplo. Não quero nada além do que é acessível para outros lugares. Precisamos ter uma visão crítica sobre como se dá a operação dessas empresas. Todo mundo fala que é contra a desinformação. Mas para acabar com a desinformação é necessário que se produza informação responsável e de qualidade. Por isso, eu defendo a remuneração de conteúdo jornalístico como forma de fortalecer o ecossistema informativo do Brasil.

Isso é viável?
Há interesses econômicos grandes, há reação. Na Austrália, as plataformas pararam de publicar conteúdos jornalísticos por três meses. Negociaram e hoje contemplam mais de 200 empresas pequenas e médias de mídia. Foi uma guerra. E segue sendo.