01/02/2006 - 8:00
“Deixaram quebrar a Interclínicas, um plano sério, com 80 anos de mercado”
“O Serra só teve um pecado capital. Ele é o vilão dos planos de saúde”
DINHEIRO ? A Lincx cresceu 25% no ano passado, vendendo planos de saúde para ricos, enquanto os planos populares andaram para trás. A crise não atingiu a classe A?
SILVIO CORRÊA DA FONSECA ? Somos um plano diferente. A gente reembolsa consultas e exames de imediato e cirurgias em cinco dias úteis. E temos credenciadas as maiores estrelas da medicina brasileira. O público de alta renda é mais exigente. É um pessoal que tem condições de pagar um pouco mais para ter uma qualidade melhor, um atendimento diferenciado. Mas que exige um produto que cumpra o que promete e tenha um preço correto.
DINHEIRO ? Assim como a Lincx, a Omint também foca no público de alta renda e vai bem. Plano de saúde virou artigo de luxo?
FONSECA ? Esta crise vai afetar os planos de saúde de nicho. O que acontece é que nosso produto foi formulado com preços maiores, tanto de pagamento para médicos como para clínicas. Então, nós temos mais capacidade de ajustes.
DINHEIRO ? Por que o senhor defende que os planos top, que já são mais caros, possam dar reajustes maiores?
FONSECA ? Porque há planos de saúde que trabalham com médicos recém-formados, pagando 15 reais a consulta. E há planos top, que pagam 200 reais aos médicos. Há planos que trabalham com clínicas mais populares. E outros que trabalham com clínicas caras, laboratórios caros. Os custos são diferentes. Do jeito que está, proibido de reajustar preço, você vai ter que começar a tirar qualidade da rede. Tirar, por exemplo, os hospitais de primeira linha, que é o que muitos já fizeram. Tira-se um Sírio, um Einstein para baixar o custo. Tira-se um Laboratório Fleury. Detalhe: sem os planos de saúde, esses hospitais não têm como continuar.
DINHEIRO ? Por que?
FONSECA ? Porque hoje 85% da receita dos hospitais quem dá são os planos de saúde. A hora em que os planos não puderem pagar esses hospitais, como eles vão se modernizar? Como o Brasil vai continuar na vanguarda da medicina? Ou o governo permite a atuação das operadoras de saúde privadas com uma certa liberdade de preço ou acaba com a qualidade médica no Brasil.
DINHEIRO ? Se a situação é difícil nos planos de alto padrão, no restante do mercado é desastrosa.
FONSECA ? Veja o caso da Interclínicas. Deixaram quebrar um plano de saúde com mais de 80 anos de mercado. Um plano de saúde sério, que sempre foi correto. Então eu pergunto: a ANS está aí só para regular o mercado e deixar as quebradeiras acontecerem? Ou está aí para, em conjunto com os planos de saúde, procurar uma solução?
DINHEIRO ? O caso da Interclínicas é uma exceção ou outras empresas grandes podem ter o mesmo destino?
FONSECA ? Permanecendo o controle de preços, em dois anos não vai ter mais nenhum plano individual no mercado. A única coisa que vai sobrar vão ser os planos empresariais, nos quais há a possibilidade de acerto de preço.
DINHEIRO ? Os planos para empresas são imunes à crise?
FONSECA ? Não. Esta é a ilusão do momento no mercado de planos de saúde. Todas as empresas estão anunciando que não vão mais vender planos individuais e familiares, só empresariais. Mas se o custo da medicina continuar subindo no ritmo em que está, se o governo não fizer nada para segurar o custo da medicina, as empresas clientes não vão ter condições financeiras de aceitar os reajustes necessários.
DINHEIRO ? E aí o que acontece?
FONSECA ?Vai começar a rotatividade. A empresa vai sair desta operadora e mudar para outra que, para pegar o cliente, põe o preço mais para baixo. Até que uma outra ofereça um preço ainda menor e comece tudo de novo. No longo prazo, os planos empresariais terão problemas.
DINHEIRO ? Qual é a saída para conter os custos médicos?
FONSECA ? Hoje em dia, o que impacta mais no custo médico é o preço de medicamentos e materiais cirúrgicos. Então, o governo podia ter uma lista de medicamentos e materiais que não são fabricados no Brasil e isentá-los de impostos. Ou o governo tira o imposto ou subsidia esse material, para fazer com que o custo da medicina caia.
DINHEIRO ? E o que não é importado?
FONSECA ? É preciso que o governo passe a olhar os fornecedores desses materiais, como agulha, seringa, tudo isso. Porque senão os planos de saúde não vão agüentar. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) poderia fazer um controle de tudo isso. O Idec e o Procon, que se preocupam em defender o consumidor, deviam começar a discutir isso. Como baixar o custo da medicina, para que os planos fiquem mais baratos, para trazer mais gente para dentro do sistema, diminuir a sobrecarga do SUS e todo mundo ter um atendimento melhor?
DINHEIRO ? O senhor defende o controle de preços para remédios?
FONSECA ? Deveria haver um preço único para todos esses materiais, determinado pela Anvisa. Aí, um hospital quer cobrar 10% de taxa de comercialização? Cobra. O outro quer cobrar 30%? Cobra. Só precisa ver se o plano de saúde quer pagar aquele de 30%.
DINHEIRO ? Não é contraditório defender controle de preços para o fornecedor de medicamentos e livre competição para as operadoras de planos?
FONSECA ? Eu acho que não. Da mesma forma que o fornecedor vai ter 5% de lucro, eu me contentaria de ter meu custo totalmente planejado e saber que eu também vou ter 5% de lucro.
DINHEIRO ? O senhor diria que os planos têm feito sua parte para se adequar à nova realidade do mercado?
FONSECA ? A partir do momento em que surgiu essa obrigatoriedade de o plano de saúde ter que cobrir tudo, inclusive os tratamentos muito complexos, que custam fábulas, nós fizemos de tudo. Instituímos auditoria interna, auditoria externa, pré-análise de contas… Se os reajustes dados pela ANS continuarem inferiores ao custo da medicina, acabaram as alternativas.
DINHEIRO ? O que acontecerá?
FONSECA ? O que a gente já está vendo. Os planos e principalmente as seguradoras estão todos começando a ter problemas. Quero ver a hora em que um desses planos grandes, de 2,5 milhões de vidas, falar: ?acabou a brincadeira, tchau!? A ANS vai tomar conta desses clientes? Vai administrar essas carteiras? Ninguém vai querer comprar planos deficitários. Muita gente ficará desassistida.
DINHEIRO ? E as seguradoras que operam com saúde?
FONSECA ? Consta, pela própria Agência Nacional de Saúde, que as seguradoras perderam muito dinheiro nesse ano de 2005. Que interesse elas têm de ficar perdendo dinheiro? Já já elas saem da área de saúde. Elas têm outros ramos de atuação e podem desprezar a saúde. O Banco Itaú fez isso anos atrás. Percebeu que o governo interferia muito em saúde e pulou fora do setor.
DINHEIRO ? Por onde se começa a desmanchar esse nó?
FONSECA ? Para esse mercado começar a entrar nos eixos, o primeiro passo é ter liberdade de preço. Competição de mercado. Teria de haver também um índice nacional de saúde, feito por uma entidade séria, com credibilidade, tipo Fundação Getúlio Vargas ou Fipe. E esse índice teria de ser regionalizado. Qualquer pessoa sabe que o custo da medicina em São Paulo é muito maior do que no Tocantins ou no Maranhão. Como é que os planos de saúde podem ser reajustados igualmente no Brasil inteiro?
DINHEIRO ? O mercado era livre até 1998. A ANS surgiu em resposta ao desrespeito de direitos do consumidor.
FONSECA ? Eu não tenho nada contra a Agência Nacional de Saúde. Pelo contrário, sou a favor dela. Ela veio no momento certo, colocar normas no mercado. Mas não devia entender que o plano de saúde é responsável por tudo. Para poder cobrir tudo o que eles exigem, os planos ficaram muito caros. Em vez de atingir maior massa, passaram a atingir menos gente.
DINHEIRO ? Como assim?
FONSECA ? O mercado de planos de saúde já devia cobrir hoje ao redor de 50 milhões de vidas. Mas está praticamente estagnado em 40 milhões de vidas. Ou seja, não está entrando mais gente no sistema. Se não está entrando mais gente no sistema, está havendo uma sobrecarga absurda no SUS (o sistema público de saúde). Plano de saúde complementar é uma empresa particular, na qual acionistas investiram seu capital com o objetivo de ter lucro. Nós não estamos na rua laçando cliente. Por mais que seja uma empresa de saúde, eu tenho que ter liberdade de administrar a minha empresa.
DINHEIRO ? Se o setor é tão ruim, por que nenhuma empresa grande até agora desistiu e foi embora?
FONSECA ?Porque não há alternativas. Como é que um plano desses grandes vai fechar? Ninguém compra a carteira dele. Eu faço a pergunta inversa. Por que nos últimos 10 anos não surgiu nenhum plano de saúde novo? A entrada de planos estrangeiros no Brasil está liberada. Todas as empresas estrangeiras que tentaram entrar no País na área de planos de saúde perderam rios de dinheiro e foram embora. As operadoras que estão conseguindo algum resultado são as que estão restringindo o atendimento só à rede deles e descredenciando serviços mais caros. Do contrário, hoje em dia, plano de saúde é o pior negócio do mundo.
DINHEIRO ? A criação da ANS e o aperto sobre os planos são obra do então ministro da Saúde José Serra. Ele, afinal, é mocinho ou vilão da saúde brasileira?
FONSECA ? O Serra é mocinho na área de saúde. As medidas que tomou para os aidéticos, toda essa parte, foram brilhantes. Ele só teve um pecado capital. Se você pegar toda a campanha do Serra para prefeito de São Paulo, nenhuma vez ele tocou no assunto plano de saúde. Porque ele sabe que essa é a grande falha. Ele sabe que, do jeito que está, nenhuma operadora de plano de saúde vai continuar existindo. Na parte de planos de saúde, ele é vilão.
DINHEIRO ? E que tal a gestão petista dessa área?
FONSECA ? Eles continuaram com o sistema implantado pelo governo anterior. Mas o problema é tão sério que o ministro da saúde teria que tomar uma decisão já. Porque mais um ano e vai ter muita operadora quebrando.