11/06/2021 - 19:41
As mudanças no modelo econômico peruano, promovidas pelo líder esquerdista Pedro Castillo despertaram temores no empresariado, em investidores e setores da sociedade civil, mas não têm “nada a ver com a proposta da Venezuela”, garante em entrevista à AFP seu principal assessor, Pedro Francke.
“Como tem dito o professor Pedro Castillo, não temos nada a ver com a proposta da Venezuela. Não faremos expropriações, não faremos estatizações, não faremos controles de preços generalizados, não faremos um controle de câmbio que faça com que não se possa comprar e vender dólares e tirar os dólares do país”, disse o encarregado do programa econômico do candidato à Presidência que lidera por uma estreita margem o segundo turno de domingo contra a direitista Keiko Fujimori.
“Será mantida a autonomia do Banco Central de Reserva, é importante termos uma inflação baixa no Peru. Manteremos uma política de sustentabilidade fiscal de médio prazo, então na verdade nossa política não se parece em quase nada ou em nada com a da Venezuela”, acrescentou Francke em entrevista à AFP, em sua casa em Jesús María, distrito de classe média de Lima.
Casado duas vezes e pai de três filhas, este mestre em economia de 60 anos, formado na Universidade Católica do Peru, se declara um “homem de esquerda”. No primeiro turno, ele assessorou a candidata esquerdista Verónika Mendoza, cujo partido se somou à campanha de Castillo para o segundo turno.
– “Um modelo peruano” –
Pergunta: Se for confirmada a vitória de Castillo, estenderão pontes para setores que não votaram nele?
Resposta: Definitivamente [sim], tanto pelos resultados do segundo turno, como pelo resultado do primeiro turno, que mostram uma fragmentação e uma composição do Congresso que nos exige um grande esforço de concertação.
P: Pretendem seguir um modelo econômico estrangeiro?
R: Não, nós pensamos mais em um modelo peruano. E acho que é totalmente certo. Como experiência de esquerda na América Latina, o Uruguai é super interessante, mas é um país muito diferente do Peru, muito menor, sem estas fraturas étnicas e sociais, com um nível educacional e desenvolvimento produtivo muito maior.
P: Mas há setores que temem as estatizações…
R: Não está planejado fazer nenhuma estatização, expropriação nem controle geral de preços, nada disso. Há uma mudança, sim, porque queremos que as economias populares melhorem e que o emprego seja a prioridade do nosso governo.
– Conflitos sociais –
P: Têm falado com o Confiep, o principal sindicato de empresários?
R: Com o sindicato não, mas temos contactado vários empresários em diferentes setores e ainda estamos promovendo novos encontros.
P: Acredita que Castillo pode acabar com os conflitos sociais que detêm alguns projetos de mineração?
R: Sim, logicamente. Como porta-voz, tento de alguma forma refletir da melhor forma seu ponto de vista […], e penso que no tema da mineração ele é realmente o candidato que pode ter um diálogo com os povos para poder reduzir os conflitos sociais.
Veja que nas áreas do sul mineiro, onde há muitos conflitos sociais, é onde Pedro Castillo teve 80%, 90% dos votos. Há uma possibilidade de chegar a esta população muito maior da que teria Keiko Fujimori.
– “Impostos maiores” –
P: O que farão para tranquilizar a metade do país que teme as mudanças e votou em Fujimori?
R: Mais da metade da população que votou em Castillo quer uma proposta de mudanças […], portanto é preciso ter um investimento público, um maior gasto social no Peru (..) e manter o equilíbrio com impostos maiores cobrados das grandes empresas e mineradoras.
E o segundo grande tema é, bom, é preciso dar um impulso sobretudo à economia popular, o que passa por gerar empregos, muitos empregos.
P: E quem vai pagar estes impostos maiores?
R: As grandes empresas que agora evadem e sonegam impostos, mais da metade do imposto sobre a renda é evadido no Peru, isso não pode continuar. Hoje temos essa vantagem do preço do cobre a 4,70 dólares [a libra].
No Peru se arrecada pouquíssimo [em impostos], por isso temos uma saúde que não tem leitos de UTI, médicos ou remédios, e deixou 180.000 mortos (na pandemia), a mortalidade mais elevada do mundo no nosso país.
– Reforma integral das pensões –
P: Vocês falam em reformar o sistema de pensões, gerido por companhias privadas. O que propõem?
R: Falta uma reforma integral e também um pouco mais de concorrência na poupança individual […]. O tema das AFPs (Administradoras dos Fundos de Pensões) é muito visível porque o povo se sente muito abusado pelas APFs, mas tem um problema maior, que é o da política pública.
No Peru deve estar contribuindo agora 25%, 30% da população economicamente ativa e com a crise, deve ser menos. Por isso, o tema da cobertura é essencial. Agora, a solução não é fácil.