Na dependência de um super acordo mundial, a taxação da fortuna de multimilionários proposta pelo Brasil para ser adotada de forma coordenada por vários países foi uma cortina de fumaça na estratégia do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para conseguir chegar aonde ele queria: a tributação de lucros e dividendos dos ricos aqui no Brasil. Mais do que desejo, uma necessidade para cumprir a promessa de campanha do presidente Lula de isentar mais gente da cobrança do imposto de renda, a medida foi a protagonista num storytelling que, da forma como foi desenvolvido até agora, virou o jogo a favor da Fazenda e é comemorada nos bastidores do governo.

Considerando storytelling como uma técnica comunicação que usa narrativas para transmitir a mensagem que se quer, se conectando emocionalmente com o público e facilitando a compreensão de ideias áridas, a história de Haddad trouxe os super ricos no papel dos vilões para o debate. Inicialmente, eles poderiam ajudar a reduzir a pobreza, a fome e até os problemas ambientais. Bastava contribuir com 2% de imposto sobre as suas megas fortunas. E tudo estava embasado em estudos de especialistas franceses e até de um prêmio no Nobel que traduziam números de forma clara: com 2% seria possível arrecadar cerca de US$ 250 bilhões por ano.

Mas isso foi só a introdução. No desenrolar da narrativa, os multimilionários globais deram lugar aos ricos brasileiros e ao debate sobre tributação de lucros e dividendos gerados aqui no país e isentos da cobrança de imposto de renda. Os super ricos mundiais ficaram para o fórum mais diplomático e menos resolutivo do G20, grupo que reúne os 20 países mais desenvolvidos do planeta. Os ricos brasileiros foram para a prancheta dos técnicos da Fazenda.

Na avaliação do governo, essa história virou o cenário a favor da Fazenda e abriu caminho para fazer uma reforma da tributação da renda no Brasil, mesmo que seja por partes. Isso porque, defendem integrantes da equipe econômica, o que se tem hoje é: de um lado, um debate para recalibrar a tabela do IR, que define quanto cada cidadão tem que pagar de Imposto de Renda, de forma a aumentar a parcela de isentos. O tema é super pop e influencia o humor do eleitor, em especial, às vésperas das eleições. Do outro lado, cobrar mais de quem tem fortunas é uma forma de justiça social. “Quem vai ser contrário a exigir que quem ganha mais pague mais?”, questiona um técnico do governo.

“É uma discussão de conveniência e oportunidade”, afirma Manoel Pires, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre) e da Universidade de Brasília (UnB).

“O ideal é tributar no lugar certo. A gente, no Brasil, não tributa dividendo, cobra muito das empresas e tem um monte de deduções”, complementa Pires. Para ele, isso levou a um sistema em que algumas empresas se beneficiam de carga tributária menor e outras, não. E isso acaba gerando distorções na economia. “É preciso, sim, tributar lucros e dividendos e ver a progressividade de imposto na pessoa física”, defende.

‘Imposto efetivo’

Por isso, o centro da proposta em estudo na Fazenda é o “imposto efetivo”. Na prática, quanto no final das contas, contabilizando imposto retido na fonte, deduções e isenções, foi a taxa de imposto paga por cada contribuinte.

Para aliviar quem ganha menos, a ideia é elevar a renda considerada livre de taxação. É impossível, segundo técnicos do governo, simplesmente elevar a faixa isenta de cobrança para os R$ 5 mil prometidos pelo presidente Lula. Na verdade, esse valor “engoliria” todas as outras faixas usadas para definir o percentual do imposto que incidirá sobre a renda. Assim, o desafio da Fazenda é recalibrar essas faixas e as deduções ou isenções permitidas.

No final, o que se quer é que o rico que, hoje, tem fortunas na casa de milhões de reais e que tem uma carga efetiva de cerca de 7%, por exemplo, pague o complemento para chegar num patamar equivalente ao que paga um trabalhador que ganha R$ 6 mil. Quanto deve ser essa alíquota? Os técnicos da Fazenda ainda trabalham com vários cenários. Tanto para a carga efetiva de IR quanto para a parcela da renda a partir da qual incidirá esse complemento do imposto. Sabe-se que o valor de R$ 1 milhão inicialmente cogitado enfrentará muita resistência dentro do Congresso Nacional. E os multimilionários? Bom, esses ficam com o G20.

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