O mercado financeiro iniciou o dia seguinte ao detalhamento das medidas testando o Banco Central. A cotação do dólar explodiu na expectativa de que a autoridade monetária interviesse vendendo moeda americana para reduzir a volatilidade. “Mercado ficou sem parâmetro. Até quem estava mais otimista, jogou a toalha”, avaliou a economista Zeina Latif. Segundo ela, apesar de ir na direção certa, “a qualidade das medidas fiscais anunciadas não é boa e os números não são críveis”.
“Até os mais otimistas se decepcionaram”, desabafou um executivo graduado do mercado financeiro. Segundo ele, “a Faria Lima tem um viés anti-PT”, numa referência à avenida na capital paulista que é o centro nervoso do mercado financeiro. “O que o governo fez foi dar de bandeja para eles (o mercado) o argumento: não te falei que não há compromisso fiscal desse governo?”, prossegue. Para o mesmo executivo, agora o esforço terá que ser muito maior para desfazer o desgaste.
O BC não interveio. “O BC não mira qualquer nível de câmbio”, descartou o futuro presidente da autoridade monetária, Gabriel Galípolo, durante evento na Febraban, em São Paulo. Ele defendeu a importância do regime de câmbio flutuante para “absorver choques”.
Haddad aproveitou o clima receptivo entre os banqueiros presentes e o anfitrião – o presidente da Febraban é um ex-BC – para tentar “desfazer o mal-entendido”, conforme classificou um interlocutor do governo a reação do mercado. O ministro disse que faltou ao mercado “um pouco de cautela na análise”. E se comprometeu, inclusive, a repensar novas medidas. “Se tem desconforto, vamos voltar para a mesa de discussão. Mas as pessoas precisam analisar linha por linha”, afirmou, enfatizando que “não tem bala de prata” e que é possível “avançar com outras medidas nos próximos meses”.
Já na política, a estratégia seguiu o caminho desejado. A isenção do IR (Imposto de Renda) para quem ganha até R$ 5 mil cumpriu seu papel de bode na sala: concentrou o debate, criou uma cortina de fumaça e tirou o foco dos detalhes das demais medidas que, agora, ganharam aval do Congresso para serem aprovadas ainda neste ano, enquanto a reforma na renda ficará para o ano que vem. Vale lembrar que a equipe econômica anunciou que a votação desse texto ficaria para 2025, para ser implementada – se tudo desse certo – em 2026. E, também que, para financiá-la, foi incluído aumento na taxação de quem ganha mais de R$ 50 mil por mês, o que atinge em cheio os parlamentares.
“Essa é uma discussão para frente, que vai depender muito da capacidade do Brasil crescer e gerar riqueza, sem aumento de impostos”, disse Pacheco, o presidente do Senado, por volta do meio-dia desta sexta, em nota divulgada por sua assessoria de imprensa. Ele se referia à isenção do Imposto de Renda para parte da classe média (trabalhadores com renda mensal de até R$ 5 mil). “Não é pauta para agora”, afirmou, justificando que, “embora seja um desejo de todos”, só poderá acontecer “se tivermos condições fiscais para isso”. “Se não tivermos, não vai acontecer”, cravou.
Horas antes, o presidente da Câmara, Arthur Lira, também tinha se manifestado na mesma linha, por meio das redes sociais: “Qualquer outra iniciativa governamental que implique em renúncia de receitas será enfrentada apenas no ano que vem. Uma coisa de cada vez”.
Ambos, porém, se comprometeram em acelerar as medidas de controle de gastos incluídas no mesmo pacote. “Reafirmo o compromisso inabalável da Câmara dos Deputados com o arcabouço fiscal”, prosseguiu Lira. “Toda medida de corte de gastos que se faça necessária para o ajuste das contas públicas contará com todo esforço, celeridade e boa vontade da Casa, que está disposta a contribuir e aprimorar”, acrescentou.
“É importante que o Congresso apoie as medidas de controle, governança, conformidade e corte de gastos, ainda que não sejam muito simpáticas”, disse ainda Rodrigo Pacheco, seguindo uma linha bem próxima da do presidente da Câmara. Ele defendeu que o pacote deve ser visto como “o início de uma jornada de responsabilidade fiscal”.
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