Mesmo com o alívio temporário da trégua relativa de três meses no tarifaço imposto pelos Estados Unidos ao resto do mundo, o cenário de incertezas e de volatilidade está longe de se dissipar internacionalmente. Agora, as duas maiores economias do planeta centram fogo uma na outra e, apesar das bravatas e do show de arbitrariedade e de grosserias do presidente Donald Trump, os Estados Unidos compram a briga com a China com seu arsenal econômico mais fragilizado do que o do adversário.

A melhor forma de se proteger de um empobrecimento geral num cenário de guerra comercial está na capacidade de um país dar estímulos econômicos para garantir consumo, produção, empregos e crescimento com inflação controlada. Não à toa, dezenas de líderes mundiais foram “bajular” Trump, como disse o presidente americano, e tentar negociar redução de tarifas. A expressiva maioria dos países cede à intimidação dos Estados Unidos por falta de opção para reagir.

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A China, por sua vez, não se curvou e, ao contrário, retaliou. Avisou que “não deseja travar uma guerra comercial”, mas deixou claro que “jamais ficará de braços cruzados”, que “tem meios abundantes e contra-atacará resolutamente até o fim”.

E o governo do país asiático falou isso com a força de quem tem uma dívida pública de 84,4% do PIB, frente os 123% do PIB dos americanos, de acordo com dados do FMI (Fundo Monetário Internacional). O nível de poupança das famílias chinesas está em torno de 25% a 30% do PIB versus 3,7% do PIB nos Estados Unidos, segundo os números oficiais. Na pandemia, essa taxa americana chegou a bater 24% do PIB. Além disso, os juros chineses estão na faixa de 1,5% ao ano, contra 4,5% ao ano dos Estados Unidos. E expectativa de crescimento em 2025 é de 5% da potência oriental versus algo perto de 1%.

Os consumidores americanos estão castigados pela inflação mais elevada, pelo endividamento, pelo nível da taxa de juros e, ainda, pela ameaça de aumento do desemprego diante da expectativa de interrupção de investimentos das empresas e pelos cortes realizados na administração pública desde o início da gestão Trump. O oposto do que vem prometendo entregar o presidente.

O governo de Xi Jinping tem dificuldade em fazer a população consumir pela desconfiança dos chineses em relação a um sistema autoritário, que exerce grande controle sobre vários aspectos da vida pública e privada, restringe liberdades civis ao mesmo tempo em que há certo grau de flexibilidade econômica. Mas, segundo avaliações de economistas, “o consumo depende de estímulo” e a China ainda pode usar a seu favor um discurso nacionalista de que é necessário reagir às arbitrariedades de Donald Trump.

Brasil pode ter oportunidades

No meio do fogo cruzado, economias em desenvolvimento, como a brasileira, tentam se esquivar e minimizar, da forma que podem, os estragos da guerra dos gigantes. Após conversas com representantes comerciais dos Estados Unidos, interlocutores do governo brasileiro estão convencidos de que é preciso ter calma e muita paciência.

Para o ex-embaixador Rubens Barbosa, agora é que não dá para prever mais nada diante da trégua de 90 dias anunciada nesta quarta-feira,9. Por isso, diz, “a atitude do governo brasileiro está correta”. Ele argumenta que é preciso esperar, observar a reação dos outros países e tentar negociar a redução das tarifas sobre o aço e outros produtos brasileiros.

No setor produtivo, as preocupações com uma inundação do mercado brasileiro de mercadorias chinesas crescem à medida que se intensifica a queda de braços das duas potências. Os segmentos do aço e do alumínio, os primeiros a sofrerem com a taxação das importações pelos Estados Unidos, já vinham reclamando e buscando uma alternativa com o governo para reduzir a entrada no Brasil dos produtos do país asiático. Agora, o receio começa a se disseminar por outros setores. O temor é que, com o mercado americano fechado para a China, o asiático precisará redirecionar a produção de lá para outros países. O Brasil é um mercado importante nesse cenário e tem a China como o maior parceiro comercial.

Por outro lado, a entrada de mercadorias chinesas com preços mais baixos pode beneficiar os consumidores brasileiros e ajudar no controle da inflação. Internamente, no governo Lula, assessores presidenciais defendem que a China pode ser um parceiro importante para a realização de investimentos no Brasil, construindo fábricas e aumentado a capacidade da economia de crescer sem gerar pressão na inflação. Além disso, o governo mapeia oportunidades em novos mercados.

Em viagem a Honduras, para participar da Celac (Cúpula da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos), Lula demonstrou preocupação com as decisões unilaterais dos Estados Unidos. Segundo a Agência Brasil, o presidente brasileiro disse que trata-se de uma “briga pessoal [de Trump] com a China” e que “querer fazer negociação individual é colocar fim no multilateralismo”. “O multilateralismo é muito importante para a tranquilidade econômica que o mundo precisa. Não é aceitável a hegemonia de um país, nem militar, nem cultural, nem industrial, nem tecnológica e nem econômica sobre os outros”. O presidente voltou a afirmar que o governo brasileiro poderá usar da reciprocidade caso, ao final das negociações, as tarifas contra o Brasil se mantiverem elevadas.

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