A diplomacia brasileira procurou passar uma imagem de sobriedade ao reagir ao tarifaço imposto pelo presidente Donald Trump, às exportações para os Estados Unidos e às sanções impostas ao ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal) pelo governo americano. Embora a tarde de quarta-feira, 30, tenha transcorrido com contornos bastante espalhafatosos, com anúncios quase que simultâneos da sobretaxa de 50% sobre uma lista de produtos e a aplicação da punição contra o ministro, o Planalto optou por não provocar mais rusgas, tanto no Brasil, quanto nos Estados Unidos.
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Os sinais emitidos depois da divulgação dos produtos afetados pelas tarifas indicam que, nos próximos passos, o governo continuará apostando na busca de entendimento como caminho para a solução da crise. No início da noite, em Washington, o embaixador Mauro Vieira (Relações Exteriores), se pronunciou, de forma protocolar, na embaixada brasileira na capital americana, depois de se reunir com o secretário de Estado dos Estados Unidos, Marco Rubio. Vieira disse que o governo brasileiro se reservava o “direito de responder às medidas adotadas pelos Estados Unidos” e indicou a “necessidade de manter diálogo para solucionar os problemas bilaterais”.
O objetivo, segundo fontes do governo, é não cessar a negociação. A relação continua. A busca é pelo diálogo”, disse uma fonte diplomática. Na reunião com o correspondente americano, o embaixador evitou negociar sobre os motivos alegados por Trump para impor as sanções ao país e ao ministro do STF. Deixou claro que o país está na negociação das tarifas comerciais com os EUA, mas sem espaço para debates envolvendo temas políticos ou próprios do Judiciário brasileiro que fazem referência ao processo contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL-RJ), acusado de golpe de Estado.
Ainda não há nova reunião marcada entre os dois correspondentes diplomáticos. Vieira anunciou que retornaria ao Brasil para alinhar a resposta à Casa Branca. “Volto hoje à noite ao Brasil e relatarei ao chegar ao presidente Lula o teor das conversas que mantive nos Estados Unidos, de forma a definir as respostas do Brasil diante das medidas anunciadas hoje pelos departamentos de Estado, do Tesouro, bem como da Casa Branca.”
No Planalto, após os anúncios, Lula chamou uma reunião com seus principais ministros e o vice-presidente Geraldo Alckmin para dimensionar o impacto das medidas e alinhar socorro aos setores que possam ser afetados. Participaram do encontro, além de Lula e Alckmin, os ministros Fernando Haddad (Fazenda), Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais), Sidônio Palmeira (Secom), Jorge Messias (Advocacia Geral da União). Ao final, não houve entrevistas. O optou por divulgar uma nota dura, unindo as duas medidas impostas pelo governo Trump como um ataque à soberania brasileira. “É inaceitável a interferência do governo norte-americano na Justiça brasileira”, diz o texto.
“O Brasil segue disposto a negociar aspectos comerciais da relação com os Estados Unidos, mas não abrirá mão dos instrumentos de defesa do país previstos em sua legislação. Nossa economia está cada vez mais integrada aos principais mercados e parceiros internacionais. Já iniciamos a avaliação dos impactos das medidas e a elaboração das ações para apoiar e proteger os trabalhadores, as empresas e as famílias brasileiras”, diz a nota assinada pelo presidente Lula.
CNI: “Não é hora de retaliar”
Entre as pressões que o governo sofre por causa do tarifaço, também estão os setores empresariais afetados pelas tarifas dos Estados Unidos. A CNI (Confederação Nacional da Indústria) considera que, apesar das exceções anunciadas pela Casa Branca, o pacote de medidas do governo Donald Trump “penaliza de forma significativa” a indústria nacional. A entidade defende a negociação entre os dois países “como forma de convencer” os americanos de que o aumento das taxas provoca prejuízos para ambas as partes.
“Não há justificativa técnica ou econômica para o aumento das tarifas, mas acreditamos que não é hora de retaliar. Seguimos defendendo a negociação como forma de convencer o governo americano que essa medida é uma relação de perde-perde para os dois países, não apenas para o Brasil”, afirmou em nota o presidente da CNI, Ricardo Alban. A confederação entregou ao governo uma lista 8 medidas prioritárias com diversas propostas relacionadas a crédito, tributação, emprego e comércio exterior.
Confira a íntegra da nota à imprensa do Planalto:
O Brasil é um país soberano e democrático
O Brasil é um país soberano e democrático, que respeita os direitos humanos e a independência entre os Poderes. Um país que defende o multilateralismo e a convivência harmoniosa entre as Nações, o que tem garantido a força da nossa economia e a autonomia da nossa política externa.
É inaceitável a interferência do governo norte-americano na Justiça brasileira.
O governo brasileiro se solidariza com o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, alvo de sanções motivadas pela ação de políticos brasileiros que traem nossa pátria e nosso povo em defesa dos próprios interesses.
Um dos fundamentos da democracia e do respeito aos direitos humanos no Brasil é a independência do Poder Judiciário e qualquer tentativa de enfraquecê-lo constitui ameaça ao próprio regime democrático. Justiça não se negocia.
No Brasil, a lei é para todos os cidadãos e todas as empresas. Qualquer atividade que afete a vida da população e da democracia brasileira está sujeita a normas. Não é diferente para as plataformas digitais.
A sociedade brasileira rejeita conteúdos de ódio, racismo, pornografia infantil, golpes, fraudes, discursos contra os direitos humanos e a democracia.
O governo brasileiro considera injustificável o uso de argumentos políticos para validar as medidas comerciais anunciadas pelo governo norte-americano contra as exportações brasileiras. O Brasil tem acumulado nas últimas décadas um significativo déficit comercial em bens e serviços com os Estados Unidos. A motivação política das medidas contra o Brasil atenta contra a soberania nacional e a própria relação histórica entre os dois países.
O Brasil segue disposto a negociar aspectos comerciais da relação com os Estados Unidos, mas não abrirá mão dos instrumentos de defesa do país previstos em sua legislação. Nossa economia está cada vez mais integrada aos principais mercados e parceiros internacionais.
Já iniciamos a avaliação dos impactos das medidas e a elaboração das ações para apoiar e proteger os trabalhadores, as empresas e as famílias brasileiras.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Presidente da República