Pelo menos 20 meses de brigas, conversas, vaivém, contas e mais contas desde início de 2023. Cerca de 16 ministérios e instituições federais envolvidas, além dos representantes dos governos do Espírito Santo, Minas Gerais, da empresa Samarco e suas controladoras, Vale e BHP Billiton. Reuniões mensais evoluíram para quinzenais e, depois, semanais à medida que as negociações avançavam. Somente nas últimas duas semanas, algo em torno de doze horas de reuniões por dia, em grupo ou cada lado com seus consultores. Resultado: nove anos após o rompimento de barragem em Mariana (MG), o acordo de reparação e compensação está pronto para ser assinado. E, aí, a pergunta que predominou, nesta quinta-feira, 24, no Palácio do Planalto, em Brasília foi: quem vai cuidar do dinheiro que será recebido pelo governo federal?

“O dinheiro será investido pelos ministérios que estarão à frente de cada uma das ações de reparação”, afirmou um integrante do governo. “Mas avaliou-se que é necessária uma estrutura administrativa para fazer a coordenação. Provavelmente uma secretaria extraordinária”, completou. A fiscalização para atestar que os recursos foram devidamente aplicados ficará com os órgãos de controle, como o Ministério Público. O que ainda não estava claro era se o dinheiro pago à União entrará na conta do Tesouro livremente ou já será automaticamente carimbado para rubricas específicas dos ministérios.

Dos R$ 170 bilhões envolvidos no acordo, R$ 98,5 bilhões (58%) irão para União, estados e municípios e R$ 33,5 bilhões serão provisionados para pagamento de indenizações às pessoas afetadas pela tragédia. Além desse total, R$ 38 bilhões já foram desembolsados pelas empresas e investidos em projetos de recuperação das áreas afetadas, sob a coordenação da Fundação Renova, instituição criada em 2016, quando um acordo prévio para ressarcimento foi firmado.

Renova

A ideia com a Fundação Renova era justamente ter uma estrutura neutra que gerenciasse a recuperação das áreas impactadas pelo rompimento da barragem, sem interferência das empresas ou governos. Segundo interlocutores das empresas, tudo teve muita transparência. Na página da fundação há prestação de contas em relação à destinação dos recursos, que financiaram cerca de 48 programas de recuperação ambiental, construção de casas e indenizações.

O problema é que, na avaliação dos envolvidos, faltou estratégia de comunicação dessas ações para as comunidades afetadas e a sociedade em geral. As críticas à Renova se acumularam e a avaliação dominante é a de que, agora, ela deve ser extinta. Esse é um dos pontos que deverão ser anunciados junto com os termos acordo, previsto para ser divulgado com a presença do presidente Lula, em solenidade nesta sexta, no Salão Oeste, no Palácio do Planalto.

Dúvida

Inicialmente, dentro do governo houve resistência à participação do presidente no evento, organizado pela AGU (Advocacia Geral da União), peça-chave nas negociações. A dúvida era porque, apesar de encerrar a maior ação coletiva ambiental do mundo, o acordo ainda desagradaria a alguns movimentos dos atingidos pela tragédia, que pleiteiam um ressarcimento maior. Mas prevaleceu a corrente que defende que foi graças ao empenho e à insistência do governo petista que o montante chegou a R$ 170 bilhões. Segundo uma fonte envolvida nas negociações, no final de 2021, no governo Bolsonaro, as conversas chegaram muito perto de um acerto. Naquela época, porém, o montante das indenizações somava R$ 49 bilhões.

Além do ressarcimento de comunidades indígenas, o governo federal bateu o pé nos últimos meses para garantir, entre outras coisas, as indenizações individuais sem a necessidade de que as famílias tenham que demonstrar, com provas, tudo o que perderam. A ideia, agora, é que eles comprovem apenas que moravam na região afetada. O valor a ser pago individualmente está previsto em R$ 35 mil. Há alguns meses, a cifra que estava na mesa era R$ 20 mil, foi elevada para R$ 30 mil e, nas últimas semanas, subiu para R$ 35 mil. Esse teria sido um dos pontos que travaram o acordo por um bom tempo.

O valor é de extrema relevância também para a Samarco, responsável pela barragem que rompeu, e para suas controladoras (Vale e BHP Billiton). Isso porque o tamanho e a demora na indenização das pessoas e municípios prejudicados na tragédia são a base de um processo que começou a ser julgado nesta semana no Reino Unido (onde está uma das sedes da BHP Group). Lá, os valores totais reivindicados sobem dos R$ 170 bilhões para R$ 230 bilhões e envolvem cerca de 620 mil afetados pela tragédia (entre pessoas físicas, empresas, municípios, comunidades indígenas e quilombolas).

Apesar de o acordo que será selado aqui no Brasil não colocar fim no processo, ele pode ajudar na defesa das empresas lá fora.

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