A estratégia política da família Bolsonaro que desencadeou uma crise entre Estados Unidos e Brasil jogou no colo da oposição uma conta que angustiava o governo: o efeito da política de juros altos na economia. Se antes a culpa era do Banco Central e, portanto, exclusivamente da gestão Lula, com os efeitos negativos do tarifaço de Donald Trump sobre a economia brasileira alardeados por empresários e entidades de classe prejudicados, a oposição entra como fiadora no prejuízo.

“Sem dúvida, o tarifaço abre essa janela de oportunidade para o governo usar politicamente e dividir com a oposição a culpa por qualquer dano na economia”, afirma o consultor e economista Sérgio Vale, sócio da MB Associados. No entanto, ele acredita que: 1) a desaceleração econômica já estava contratada pelo aperto monetário; 2) o impacto econômico do tarifaço será bem menor do que o esperado; e 3) o quadro ainda poderá ajudar no trabalho do Banco Central para desinflacionar a economia.

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A opinião é parcialmente compartilhada por técnicos do governo. Primeiro, a equipe do ministro Fernando Haddad (Fazenda) não esperava uma grande desaceleração da economia brasileira em 2025 e em 2026. A projeção da SPE (Secretaria de Política Econômica) é de aumento de 2,5% do PIB este ano. Para 2026, as projeções são de um pequeno recuo, para 2,4%. O FMI (Fundo Monetário Internacional) projeta elevação do PIB de 2,1% no ano que vem, enquanto as estimativas do mercado financeiro coletadas no boletim Focus apontam para 1,89%.

No Banco Central, uma grande preocupação dos diretores atualmente é com o nível de emprego ainda elevado. A política de juros altos visa justamente aumentar o desemprego e desacelerar o consumo e o crédito como forma de frear a escalada generalizada dos preços, em especial no setor de serviços. Na última quarta-feira, 30, o Copom (Comitê de Política Econômica) decidiu interromper o ciclo de sete elevações consecutivas da Selic, taxa referência no Brasil, que está em 15% ao ano, o maior patamar nos últimos 20 anos. A decisão, divulgada em meio ao anúncio oficial do governo americano da taxação de 50% de parte das exportações brasileiras, passou quase despercebida no meio político.

O próprio BC destaca, nos documentos oficiais, sinais de que a política monetária apertada, que iniciou o ciclo de alta em setembro do ano passado, começa a surtir efeito para desacelerar a economia. O estímulo ao consumo e ao mercado de crédito, dado o alto nível de empregabilidade no país, é o calo dos diretores. “Mas o efeito mais forte da política monetária no nível de emprego é esperado, virá e não será por culpa do tarifaço. Já estava contratado”, analisa Vale.

Carnes e frutas

Internamente, com as negociações comerciais que começarão a partir de agora, integrantes do governo acreditam que o tarifaço poderá até ter um efeito positivo para a inflação: parte da produção que seria exportada, sobretudo de carne e frutas, pode ser vendida no mercado interno, aumentando a oferta e derrubando os preços. Haverá ainda o reposicionamento das empresas, que poderão adequar suas plantas produtivas, reduzir o tamanho e efetuar demissões. Nesse caso, a culpa será do tarifaço – e não mais apenas do Banco Central. Lula e integrantes de sua equipe têm surfado politicamente na crise aberta com os Estados Unidos. A oposição está em uma situação delicada, em busca de um discurso que amenize junto à opinião pública os efeitos negativos da crise com os Estados Unidos.

Mas o lado fiscal precisa ser considerado nessa conta. A depender do tamanho e da forma do socorro que o governo precisará dar a alguns setores afetados, haverá impacto nos gastos públicos, mesmo que fique de fora da contabilidade oficial. Na sexta-feira, 1º, ministro Haddad afirmou que as medidas propostas no plano de contingência para minimizar o estrago do tarifaço no setor produtivo brasileiro ficarão dentro do marco fiscal. Na véspera, o vice-presidente Geraldo Alckmin, também ministro do Desenvolvimento Indústria e Comércio, sugeriu que as medidas poderiam ficar fora da meta fiscal.

Após a divulgação do ato formal do governo dos Estados Unidos que instituiu o tarifaço, a equipe econômica recalibra as medidas para ajudar os setores prejudicados. O esforço do governo no primeiro momento será mais para minimizar os prejuízos internos do que para retaliar os Estados Unidos. Enquanto isso, a oposição perdeu uma parte importante da narrativa contra a política econômica da gestão Lula e ficou com o ônus de ser também responsabilizada por dados negativos que o país venha a apresentar daqui em diante.

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