Foi tudo pensado pela equipe econômica para tentar atacar um ponto nevrálgico para o presidente Lula: as expectativas negativas do mercado financeiro em relação ao desempenho das contas públicas e da trajetória da inflação, condições que levaram o Banco Central a subir os juros para o maior patamar em quase 20 anos. No entanto, junto do anúncio feito nesta quinta-feira, 21, de uma contenção de R$ 30,3 bilhões de gastos, os ministérios da Fazenda e do Planejamento informaram que haveria também aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) no crédito para empresas e em investimentos no exterior.
A notícia da alta no imposto teve efeito imediato no mercado: o Ibovespa subia, e fechou o dia em queda; o dólar caía, e subiu na reta final. A reação negativa fez o governo voltar atrás e revogar parte das mudanças no IOF. A comunicação do recuo foi feita no final da noite no perfil do Ministério da Fazenda em uma rede social. Na forma como foi redigido o decreto original, a alta do tributo atingia os empréstimos para empresas no Brasil e operações no exterior (transações com cartões de crédito e débito internacional para pessoas físicas, remessas para compras de moeda estrangeira, aplicações em fundos de investimentos lá fora).
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Com essa confusão, em vez de gerenciar expectativas, a equipe econômica pode ter dado outro tiro no pé, a exemplo do que ocorreu no final do ano passado, quando o pacote de ajuste fiscal enviado ao Congresso foi ofuscado pela decisão de anunciar ao mesmo tempo a medida que isenta trabalhadores com renda de até R$ 5 mil da cobrança Imposto de Renda.
O desacerto desta quinta-feira atrapalhou a intenção do governo de “harmonizar” as políticas fiscal e monetária. As medidas nem mesmo foram combinadas com o Banco Central, conforme disse o ministro Fernando Haddad (Fazenda), á noite, em rede social. A postagem desmentiu uma afirmação do secretário-executivo da pasta, Dario Durigan, que durante a entrevista coletiva, à tarde, disse que Haddad havia tratado do assunto com o BC. Foi outra confusão da equipe econômica.
Para o governo, o anúncio das medidas era um ato pensado para criar condições para que, no terceiro mandato de Lula, a economia esteja no seu melhor momento na época das eleições de 2026. A inflação e os juros altos são a pedra no sapato do petista atualmente. O preço nas alturas de produtos emblemáticos como carne, café e ovo tem se refletido na avaliação ruim do presidente nas pesquisas de opinião e garantido munição para a oposição contra o governo.
Bloqueio e contingenciamento
As medidas foram pensadas para ajudar a equipe econômica a passar sinais positivos em relação ao controle dos gastos e ao aumento da dívida pública. Atendia, assim, à necessidade do Banco Central de ancorar as expectativas futuras, o ajudaria a segurar a inflação no presente e reduzir os juros.
Haddad e a ministra Simone Tebet (Planejamento) anunciaram uma contenção de gastos de R$ 31,3 bilhões, acima do que o mercado financeiro esperava. O aumento do IOF prometia arrecadar cerca de R$ 20,5 bilhões em 2025 e R$ 41 bilhões em 2026. Mas esse valor, agora, terá que ser recalculado com o recuo parcial anunciado na noite desta quinta-feira.
O corte de gastos por ministério será detalhado até o final do mês. As despesas com emendas parlamentares também serão afetadas. Nos cálculos do secretário de Orçamento, Clayton Montes, a redução no volume de recursos direcionado a projetos indicados por deputados e senadores deve ser de R$ 7,8 bilhões. “Como está na lei, será uma contenção proporcional”, argumentou.
Segundo Tebet, a alta de gastos previdenciários explica a maior parte do volume bloqueado. Além disso, a equipe econômica teve que administrar outras questões na gestão orçamentária: i) a frustração de receitas para compensar a desoneração da folha de pagamentos; ii) a greve na Receita Federal, que afeta o desempenho da arrecadação e iii) a revisão de receitas extraordinárias estimadas que não estão se confirmando e, agora, foram abatidas das projeções para o ano.
Vem mais por aí
Na entrevista coletiva, Haddad disse que a recomendação do governo é “perseverar neste caminho” de equilíbrio fiscal. Por isso, novas medidas estão em estudo. “Estamos anunciando um primeiro conjunto de medidas para cumprimento de meta, mas não precisamos esperar o próximo relatório de receitas e despesas para continuar trabalhando naquilo que for necessário para atingir o centro da meta [fiscal]”, disse. “Já era para ter acontecido hoje, mas temos questões em deliberação pelo presidente e assim que bater o martelo, vamos seguir”, afirmou.
Durante o anúncio, os ministros e secretários presentes dividiram com o Legislativo e com o Judiciário as dificuldades para o equilíbrio fiscal. Segundo Haddad, é preciso ter “uma agenda de Estado suprapartidária” e, não, “de um governo só, de um homem só”. Como exemplo, o ministro citou a perda de receita provocada pela desoneração da folha de pagamentos de 17 setores e outras medidas como o Perse (programa de socorro ao setor de eventos no pós pandemia da Covid), uma renúncia de receitas de R$ 45 bilhões, em suas contas. “Não foi o Executivo que produziu essa renúncia”, disse.
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