Enquanto os Estados Unidos esticam a corda na briga com a China por mercado para produtos e serviços americanos e prologam a volatilidade e a alta da inflação, movimentos do setor financeiro podem se tornar fonte de pressão adicional contra a política protecionista de Donald Trump, penalizando o próprio país.

A valorização de moedas fortes como a europeia (euro), a japonesa (iene) e a inglesa (libra) nos últimos dias já sinaliza fuga de capitais dos Estados Unidos, ao mesmo tempo que o governo chinês desvaloriza o yuan. A perda de valor da moeda da China frente ao dólar anula um pedaço do tarifaço imposto por Trump à medida que torna os produtos de lá mais baratos para os americanos.

+ China anuncia nova retaliação e tarifas adicionais de 84% sobre produtos dos EUA
+ EUA vão taxar produtos da China em 104% a partir desta quarta

A taxa de câmbio na China é administrada pelo governo. Normalmente, o banco central chinês evita grandes oscilações da moeda. Mas também pode fazer uso da política cambial para defender os interesses locais em situações extremas, como acontece agora. Reciprocidade de tarifas, portanto, não é o único instrumento à disposição das demais economias afetadas pelo protecionismo de Trump. O mundo começa a sinalizar que a combinação de várias frentes de ação pode penalizar os americanos e testar a força da política protecionista do atual comandante da Casa Branca.

Em abril, enquanto o euro se valorizou 1,3% frente ao dólar, acumulando alta de 5,78% no ano, o iene ganhou 2,2% no mês e 7% desde janeiro e a libra, 0,97% em abril e 2,2% em 2025. Já a moeda chinesa, que segundo operadores de mercado normalmente oscila num intervalo máximo de 0,10% para cima ou para baixo em um único dia, se desvalorizou 1,1% apenas nesta terça-feira, 8, quando os Estados Unidos confirmaram a tarifa de 104% para importações da China a partir desta quarta, 9. Neste mês, a desvalorização chega a 2,15%.

Mais instrumentos para a guerra comercial
O câmbio também não é o único instrumento à disposição do governo chinês que poderá se somar à reciprocidade tarifária já anunciada pela China na importação de mercadorias e serviços vindos dos Estados Unidos. A possibilidade de adoção de outras medidas para fazer frente ao posicionamento arbitrário de Trump começam a circular no mercado financeiro. A redução da exposição aos títulos da dívida americana é um deles.

A China é o segundo maior detentor desses papéis. São US$ 761 bilhões, segundo o último relatório do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos. Em primeiro lugar está o Japão, com US$ 1,08 trilhão. Em terceiro está o Reino Unido, com US$ 740 bilhões. O Brasil detém US$ 200 bilhões em títulos da dívida dos Estados Unidos. Todos esses países são alvo da política protecionista americana que sobretaxou as importações de parceiros comerciais nos quatro cantos do mundo.

Se há uma quantidade menor de investidores disposta a carregar esses papéis, o Tesouro americano acaba sendo obrigado a pagar mais caro para se financiar, atrair quem queira correr o risco avaliado para os títulos e os juros sobem. Outra medida que passa a ser cogitada é o controle de capitais, por exemplo, com a cobrança de tarifa para que empresas americanas instaladas na China remetam dividendos para os Estados Unidos.

Tarifaço recorde
A decisão do presidente Donald Trump contra a China ocorreu após o país asiático ignorar as ameaças dos Estados Unidos e se recusar a voltar atrás na retaliação aos americanos. Na semana passada, o governo dos EUA estabeleceu uma sobretaxa de 34% para importações da China, valor que se somava aos 20% já impostos anteriormente. Nesta terça-feira, 8, Trump anunciou mais 50%, totalizando a estrondosa tarifa de 104%.

Antes de anunciar a nova sobretaxa, Trump havia divulgado em suas redes sociais que estava esperando uma ligação da China para negociar as tarifas impostas. Só que o telefone não tocou. O mundo aguarda os próximos capítulos da guerra declarada pelos americanos. A diplomacia sabe que nem todos os movimentos são manifestados de forma espalhafatosa como faz Donald Trump. União Europeia e China, por exemplo, sinalizam uma aproximação.

Não é momento para bravatas
Por isso, os negociadores brasileiros insistem que o momento não é para bravatas. As afirmações do presidente Lula de que o comportamento de Trump não vai dar certo foram consideradas desnecessárias internamente no governo. “Ninguém pega um transatlântico muito carregado e faz as coisas que estão acontecendo lá”, disse o presidente. “Ninguém brinca que o mundo não existe com quase 200 países. Ninguém esquece que os países querem ter soberania e um processo de harmonia. Afinal de contas, a coisa mais importante é o multilateralismo”, completou.

Lula lembrou ainda que, por décadas, sempre se ouviu que era necessário haver no mundo livre comércio, globalização e combate ao protecionismo. “E, de repente, tem um cavalo de pau, onde um cidadão sozinho (referindo-se a Trump) acha que ele é capaz de ditar regras para tudo o que vai acontecer no mundo. Eu tenho que dizer que pode não dar certo.”  O presidente disse ainda que o Brasil deve manter o equilíbrio. Nesta terça, 8, o dólar fechou o dia cotado a R$ 5,99, com alta de 1,47%.

Leia mais em PlatôBR.