23/07/2025 - 8:40
A crise dos Estados Unidos é com o mundo todo. Por isso mesmo, na avaliação de Marcos Lisboa, economista, ex-presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, o melhor para o Brasil é deixar o resto do mundo brigar e negociar “com a diplomacia, profissionalmente”. Em entrevista ao PlatôBR, ele diz que não se faz isso com “bravata”: “A bravata agrada a militância. Tarifas de importação vão penalizar o Brasil. Se colocar, quem vai perder é o Brasil. Assim como os Estados Unidos vão perder com a agenda atual”. Para ele, na resposta à ameaça de tarifaço o governo Lula está acenando mais para a militância do que propriamente pensando no bem-estar do país no longo prazo.
Lisboa se diz surpreso pelo caminho trilhado pelo governo Donald Trump porque ele copia regras que deram errado, por exemplo, aqui mesmo no Brasil e que impediram o país de se tornar mais competitivo, como ocorreu com algumas economias emergentes. Para ele, abertura comercial, com a ampliação de mercados, não é uma agenda dos “lobbies de empresários não competitivos que demandam proteção do Estado contra a concorrência estrangeira”. “O Brasil é refém desses lobbies há muito tempo”, afirma.
+ Nobel de Economia critica EUA e diz que com o Pix Brasil pode ter inventado o futuro do dinheiro
+ Dólar perdeu força no Brasil e nas principais economias desde posse de Trump; entenda
O economista acredita que, nesse ponto, esquerda e direita não se distancia tanto assim e “votam juntas por essa agenda patrimonialista de atender corporações”. Para ele, o Brasil enfrentará um problema fiscal grave a partir do ano que vem e o Banco Central não terá como baixar juros. “Eu acho que tem uma crise fiscal contratada e baixo crescimento econômico”. Abaixo, os principais pontos da entrevista.
Qual a perspectiva para economia com a crise dos Estados Unidos com o Brasil?
O governo americano está numa estratégia que vai ser ruim para os próprios Estados Unidos. É uma visão antiga de economia, mercantilista, defasada, que vai empobrecer os Estados Unidos: tirar de big techs para montar geladeira, TV ou carro com tecnologia antiga. Isso vai ter uma série de consequências ruins para os Estados Unidos. É uma agenda fadada ao fracasso.
Por que fadada ao fracasso?
Não vai gerar emprego e vai empobrecer os Estados Unidos. Hoje, é tudo automatizado. Os Estados Unidos são uma economia em pleno emprego e isso vai tirar engenheiro que faz aplicativo, software, que desenha big techs para montar geladeira. É uma visão muito antiga de economia. Ninguém sério defende isso.
Mas essa agenda está sendo implementada com consequências para o mundo todo, inclusive, para o Brasil.
O Brasil não tem muito lugar de fala nessa história porque faz isso desde meados do século passado. É uma economia fechada, que viola as regras da OMC (Organização Mundial do Comércio), faz esse tipo de política há muito tempo. Seja por meio de tarifa ou por regras técnicas não-tarifárias. Não consigo entender a reação brasileira de querer ir à frente nessa batalha. A gente não tem nada a ganhar. Deixa o mundo brigar.
Mas a briga veio até a gente, não?
A briga está com o mundo. Deixa o resto do mundo brigar.
O ideal, na sua avaliação, é não fazer nada?
Não. Faz acordo comercial com outros países, o que a gente se recusou a fazer há 40 anos. O Mercosul não avançou e previa regras aduaneiras e técnicas comuns. O Brasil não quis liderar essas regras e optou por ficar com economia fechada. Sempre imaginei que o Brasil ia copiar as regras dos países desenvolvidos. Nunca imaginei que os Estados Unidos fossem copiar as regras que deram errado no Brasil. Como está a reação do México, do Canadá, da China?
Essas são economias com peso econômico maior para os Estados Unidos. Além de muitos títulos do Tesouro americano, têm minerais raros, por exemplo. Não?
E o México? Como eles reagiram? Essa é a melhor estratégia.
Eles negociaram.
Você faz isso com a diplomacia, profissionalmente. Você não faz isso com bravata. A bravata agrada a militância. Tarifas de importação vão penalizar o Brasil. Se colocar, quem vai perder é o Brasil. Assim como os Estados Unidos vão perder com a agenda atual.
Você defende que o Brasil não use a lei de reciprocidade?
O Brasil violou as regras de comércio internacional que assinou várias vezes. A gente fez isso e deu errado. O Brasil empobreceu em relação aos demais emergentes, cresceu menos porque optou por uma estratégia similar à que os Estados Unidos estão adotando agora: se manter como economia fechada.
Mas o Brasil vem ampliando o comércio e abrindo novos mercados.
A gente tentou de verdade? O que avançou com o Mercado Comum Europeu, com o Mercosul? Essa não é uma agenda dos lobbies de empresários não competitivos que demandam proteção do Estado contra a concorrência estrangeira. E o Brasil é refém desses lobbies há muito tempo.
Então, por essa avaliação, não há o que fazer…
Deixa os outros reclamarem dos Estados Unidos. Tenta negociar uma solução com muita discrição e faz acordos comerciais com outros países, que é algo que o Brasil se recusa a fazer desde que o mundo se abriu. Na terceira onda da globalização, depois do fim dos anos 1980, o Brasil foi um país que se recusou a fazer essa agenda e ficou mais pobre que o resto do mundo exatamente porque se recusou a fazer essa agenda.
A China cresceu como parceiro comercial, e o Brasil está avançando com a União Europeia. Não são passos exatamente nessa direção?
Não vejo. Os lobbies do Brasil dominam. O agronegócio sempre defendeu economia aberta, comercializar, romper barreiras. O que eles fizeram com o etanol do milho? Na hora em que o preço do etanol do milho nos Estados Unidos ficou mais barato, a gente colocou tarifa sobre o etanol. Infelizmente, o poder público brasileiro é muito dominado pelos lobbies que defendem esses interesses, como os Estados Unidos estão fazendo agora.
Não há, a seu ver, nenhuma sinalização de que o Brasil pode estar acordando para os erros do passado?
Não vou entrar em política porque acho que o governo está mais acenando para militância do que para o bem-estar do país a longo prazo.
Como você vê os principais problemas da economia até então, a inflação e as contas públicas, diante desse contexto?
O problema do Brasil é que o Estado é capturado por esses lobbies. Então, fala-se do fiscal e, ao mesmo tempo, o governo e a base aliada aprovam uma série de projetos que agravam o problema fiscal. O Brasil não tem uma divisão ideológica na economia tão grande quanto as pessoas acham. Esquerda e direita votam juntas por essa agenda patrimonialista de atender corporações.
E o arcabouço fiscal?
Você tem um arcabouço fiscal que não para em pé. Na semana em que saiu o arcabouço eu escrevi que vão faltar verbas discricionárias. Vamos ter um problema fiscal grave no futuro e a gente só aumenta as disfunções da economia brasileira que levam a baixo crescimento, baixa produtividade. Acho que o Brasil está repetindo velhos feitos do passado: alguns anos crescendo 3% e uma crise contratada grave à frente.
Quais são os projetos que agravam o fiscal? Você está se referindo a reajuste real do salário mínimo e programas como o Pé-de-Meia, que são criticados pelo mercado?
Tem problemas fiscais muito além do dilema ajuste fiscal versus política social. Pega o setor elétrico, o impacto de decisões judiciais no gasto público, que já custam 2,5% do PIB, 10% da verba discricionária.
O que seria no setor elétrico?
Subsídios cruzados que vão onerar a conta de luz. O próprio governo tem estimativas de quanto a nossa conta de luz é onerada pelos subsídios cruzados.
Para onde vamos em 2026 e 2027, ano de disputa eleitoral, e o que se pode dizer do primeiro orçamento do presidente que vai se eleger no ano que vem?
Eu acho que tem uma crise fiscal contratada e baixo crescimento econômico.
E como ficam, nesse contexto, o Banco Central e a política monetária?
O BC parece ser o único adulto na casa há muito tempo. O governo expande seus gastos com essas porções crescentes e o BC tenta segurar a inflação.
Mas, ainda assim, o mercado não acredita e o BC tem dificuldade de fazer as expectativas convergirem para a metam e precisa manter juros altos…
Em razão do risco fiscal.
Como sair desse dilema? Ou vamos ter juros no maior patamar dos últimos 20 anos para sempre?
O BC vai segurar até a inflação cair. Se o governo não colocar em ordem a política fiscal, a gente ficará nesse equilíbrio ruim e aumentando tributos de maneira atabalhoada, como o IOF, que aumenta o custo do crédito para pequena e média empresa.
Nesse horizonte, quando o BC começará a baixar juros?
Quando a política fiscal entrar em ordem.
Leia mais em PlatôBR.