06/03/2020 - 7:25
O inquérito da Corregedoria da Polícia Militar sobre o caso Paraisópolis concluiu que a morte de nove jovens durante um baile funk em dezembro aconteceu também em virtude da ação da PM naquele local. Apesar disso, o capitão que investigou a atuação dos agentes disse que eles não devem ser punidos porque agiram em legítima defesa. O oficial recomendou o arquivamento da apuração, mas o Ministério Público pediu novas informações e a investigação continua aberta.
As informações sobre o teor do inquérito da Corregedoria foram antecipadas pela Folha de S.Paulo e confirmadas pelo jornal O Estado de S. Paulo. Desde dezembro, o órgão da PM conduz uma apuração sobre as mortes e a responsabilidade dos agentes; 31 policiais estão afastados dos serviços operacionais de rua. O inquérito sigiloso foi concluído no dia 30 de janeiro e remetido ao Ministério Público Militar, que no dia 27 de fevereiro fez os novos pedidos de diligências.
O documento de 146 páginas é assinado pelo capitão Rafael Oliveira Casella e reúne depoimentos de todos os policiais envolvidos na ocorrência. Faz uso também de informações de testemunhas concedidas ao Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), da Polícia Civil, que conduz outro inquérito sobre o caso.
“Há a certeza de que as mortes, fatalmente, aconteceram em virtude de uma ação na qual os agentes de segurança pública participaram, pois há probabilidade de que suas condutas provocaram o resultado”, escreveu Casella. “No entanto, fica claro em todos os depoimentos e vídeos que houve agressão por parte daquela multidão contra os militares que tentavam apoiar as primeiras motocicletas”, acrescentou.
As mortes de nove jovens aconteceram na madrugada de 1º de dezembro na zona sul de São Paulo, durante o “Baile da DZ7”, que ocorria nas ruas de Paraisópolis. Testemunhas relataram que, após uma intervenção de policiais militares com bombas, houve correria e as pessoas se aglomeraram em vielas da localidade. Nove jovens morreram por asfixia mecânica característica de pisoteamento, apontaram os laudos.
A PM sustenta desde aquela época que homens atiraram contra agentes, que iniciaram uma perseguição. Essa perseguição teria culminado em uma confusão no baile e levado à correria. Os agentes relataram ter sido agredidos com garrafas, paus, pedras e outros objetos. “Acuados, os militares, sozinhos naquele momento, tentam utilizar meios não letais a fim de repelir uma injusta agressão pontual e iminente, zelando pela integridade física daquela equipe”, narrou o capitão no inquérito.
A conduta dos policiais, acrescentou o oficial, é amparada pela excludente de ilicitude da legítima defesa. “As ações praticadas pelos policiais se revestiram de licitude, portanto foram observadas técnicas procedimentais adequadas, apesar de ter culminado na morte de nove pessoas, as quais foram devidamente socorridas por seis equipes policiais, denotando total comprometimento daqueles agentes públicos.”
O inquérito mostra que a versão dos agentes é harmônica, com a repetição das informações e detalhes da atuação. Já as testemunhas civis dão informações que divergem da versão oficial.
Uma testemunha protegida declarou que viu de quatro a seis policiais na entrada da viela onde as mortes aconteceram. Eles estavam arremessando garrafas e gritando “vai morrer, vai morrer todo mundo”. A atuação dos policiais nessa viela já havia sido revelada ao jornal O Estado de S. Paulo por uma jovem que relatou ter sido atingida na cabeça por uma garrafa atirada por um policial. Ela precisou levar 50 pontos no rosto.
A apuração da PM disse ainda que o Conselho Tutelar da região foi “débil e ineficiente” ao não monitorar a presença de menores no baile, que a subprefeitura da área foi “negligente” ao não alertar sobre as condições dessa festa e os pais das vítimas foram negligentes com a guarda dos filhos.
Agora, o Ministério Público quer saber quem estava por trás da organização do evento e pediu que a polícia busque anúncios da festa nas mídias sociais. Pediu também dados sobre eventual autorização para realização do baile pelas autoridades públicas.
A Secretaria da Segurança Pública disse em nota que “todas as circunstâncias relativas aos fatos, incluindo as responsabilidades civis, também são apuradas por meio de inquérito conduzido pelo DHPP.”
O advogado Fernando Capano, que representa seis dos 31 policiais afastados, disse que os responsáveis indiretos pelas mortes são os “organizadores desse baile e os dois indivíduos que fugindo da polícia causaram tumulto”. “Posteriormente, houve uma ação da PM para acautelar a ocorrência”, disse.
A reportagem questionou a Prefeitura sobre as críticas à subprefeitura, mas não obteve resposta. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.