Existe um poder paralelo funcionando no Brasil que está eletrizando um pedaço estatal do governo. Furnas, a maior geradora do sistema elétrico brasileiro, com 20 mil quilômetros de linhas de transmissão e 34 milhões de contas de energia, resolveu montar barricada contra o velho modelo de privatização ? aquele que previa a venda das estatais para um único controlador, deixando em seu rastro uma poeira de corrupção. Neste caso, seria um rastro imenso. Somente no ano passado, a companhia obteve um lucro de R$ 334 milhões, elevando o resultado no período de 96 a 99 para quase R$ 1,5 bilhão. Nesse mesmo período, pagou R$ 896 milhões. Com 4 mil funcionários e salários médio de R$ 2 mil, a empresa deseja ser vendida. Na barricada contra a venda à antiga estão quatro técnicos que hoje compõem a direção da empresa: Paulo Roberto Ribeiro Pinto, diretor financeiro, Dimas Fabiano Toledo, diretor de Planejamento, Celso Ferreira, diretor de Operação e Heitor Herberto Sales, que responde pela diretoria de Administração e Pessoal. Na verdade, são quatro técnicos que não metem medo a ninguém, desde que não tenham na retaguarda artilharia pesada. Neste caso, têm: o presidente da empresa, ex-ministro palaciano Luiz Carlos Santos, político liso e escorregadio, vinculado à turma do pão de queijo do governador de Minas Gerais, Itamar Franco. Há um ano, Santos e o ex-advogado Geral da União, José de Castro, conselheiro do governador de Minas, estiveram no Palácio do Planalto para uma conversa apimentada com o presidente Fernando Henrique Cardoso. Relataram ao presidente que a privatização das teles teria gerado no mercado uma série de controvérsias sobre a lisura do processo. Para eles, ou mudava o processo de privatização ou o governo correria o risco de ver a privatização de Furnas acabar em CPI. Deixaram o encontro certos de que o presidente, que já estava convencido da necessidade de mudar o modelo, ergueria com Furnas um novo estandarte de privatização. Acertados com o Palácio do Planalto, foi a vez de obterem o aval da corporação. A diretoria fechou em torno do compromisso de preparar Furnas para uma venda pulverizada. Até os sindicatos do setor, embora críticos ao programa de desestatização, apoiaram tacitamente o novo modelo.

Os mineiros comemoraram. Entre os freqüentes interlocutores de Santos estavam os ex-ministros do governo Itamar, Djalma de Moraes e José Aparecido. Furnas estrearia o novo modelo, mas em seu comando não poderia ter um político. Iniciou-se, então, um processo de fritura do presidente da companhia. Santos conformou-se com sua possível queda do comando da empresa. Desde que houvesse uma compensação política ? materializada em indicação para novo posto. Para o governo, o mais importante era assegurar que a pulverização de Furnas servisse realmente como paradigma das futuras privatizações. A avaliação era de que, sem políticos, a empresa estaria, também, livre de vícios. Santos só não foi defenestrado porque o presidente do BNDES, Francisco Gros, é fraco de cálculo político. Precipitou-se no anúncio da saída de Santos, passando por cima dos ministros das Minas e Energia e do Desenvolvimento. Coube a FHC tirar Santos da frigideira. ?Já te derrubaram?? ? brincou o presidente, aconselhando-o a manter-se longe da polêmica.

No seu radar, a barricada de Furnas detectou a movimentação de dois grandes bancos nacionais para reverter o processo de venda pulverizada. Intramuros, Santos queixava-se de um nova tentativa de inviabilizar o jogo com a cisão da empresa, separando a parte de geração do setor de transmissão, sob a argumentação de que, retalhada, a empresa valeria mais. Disse ao ministro Tourinho que não aceitaria a divisão da companhia. Em Furnas, na mexida, enxergou-se o braço invisível da VBC ? Votorantim, Bradesco, Camargo Correa ?, mas o próprio Santos contatou o empresário Antônio Ermírio de Moraes, que negou qualquer interesse. Na terça-feira 11, o Conselho Nacional de Desestatização reúne-se em Brasília para definir a modelagem da privatização. Talvez agora se dê ao processo transparência para que ele seja erguido à luz.