29/01/2023 - 12:14
O Peru experimenta uma acentuada perda de confiança em sua classe política, incapaz de dar respostas e de se conectar com um país dividido, que já soma 47 mortes em confrontos diretos nas manifestações que não cessam desde o dia 7 de dezembro, opinam especialistas consultados pela AFP.
Embora a proposta de adiantar as eleições gerais para este ano ainda possa ser aprovada com a reconsideração que será apresentada nesta segunda-feira (30) no Congresso, alguns cientistas políticos não acreditam que haverá avanços.
“Este é um Congresso tóxico: É rejeitado por 88% da população, segundo as pesquisas […] é o Legislativo mais desprestigiado da região segundo [a organização] Latinobarómetro”, destacou Alonso Cárdenas, da London School of Economics.
“O Congresso, como quase toda a classe política do Peru, vive de costas para o país, não o compreende”, acrescentou Roger Santa Cruz, da universidade jesuíta Antonio Ruiz de Montoya, em Lima.
Na madrugada de sábado (28), depois de mais de sete horas de debates acalorados, o Parlamento rejeitou a proposta de um deputado do partido fujimorista Fuerza Popular (FP) para que as eleições fossem antecipadas para outubro deste ano, e o novo governo e a nova legislatura tomariam posse já em dezembro.
A proposta foi uma resposta à presidente Dina Boluarte, que havia pedido, na sexta-feira, o adiantamento do pleito para que o país consiga sair do “atoleiro”.
Para Roger Santa Cruz, as objeções de rivais do mesmo campo político à proposta do fujimorismo são razoáveis: “O FP tem bases em todo o país. Tem mais capacidade para uma campanha curta. Trata-se de um cálculo político.”
Nesse sentido, os partidos Renovación Popular e Avanza País, que compartilham com o fujimorismo o espaço mais à direita na Câmara, se distanciaram de seu aliado e barraram o projeto.
A esquerda também tem sua parte de responsabilidade pela falta de acordo político, porque condiciona seu voto para antecipar as eleições a um referendo para uma Assembleia Constituinte, uma possibilidade rejeitada por amplos setores no poder.
“A esquerda sabe que sua proposta jamais terá o apoio da direita”, opinou Alonso Cárdenas, para quem o tema está sendo usado como pretexto para negociar benefícios menores.
“São razões bastante medíocres [de parte a parte]. Não são ideológicas, nem sobre um modelo de país. É mais sobre como se prender aos cargos por mais alguns meses”, acrescentou.
Os especialistas também apontam a grande fragmentação como um dos problemas da disfuncionalidade do Congresso atual. São mais de dez partidos políticos e alguns congressistas independentes, sem lideranças fortes nem nomes que geram consenso.
Por isso, segundo Cárdenas e Santa Cruz, a eventual renúncia de Boluarte não aliviaria necessariamente as tensões, porque não surgiram nomes de “personalidades democráticas, vinculadas aos direitos humanos, concertadores, com experiência”.
Desde 2018, o Peru já teve seis presidentes, de todos os espectros políticos. Em meio à convulsão atual, não há garantias de que sairão das eleições, seja em 2023 ou em 2024, autoridades melhores, concluíram ambos os especialistas.
“A saída está em uma reforma política, mas essa reforma precisa ser feita por esses mesmos políticos”, ironizou Cárdenas.