As tradicionais histórias de ?vilão e mocinho? não são seguidas à risca no mundo dos negócios. Exemplo disso é a Philip Morris, dona da marca Marlboro, que está tentando jogar nos dois times. A empresa, tida como uma das maiores inimigas da saúde pública por fabricar cigarros, pode se tornar heroína em breve: ela prepara o lançamento de um inalador superpotente, o Aria, capaz de levar medicamentos contra doenças como enfizema pulmonar e diabetes ao fundo dos pulmões do paciente. A novidade deve melhorar a imagem da companhia, especialmente em tempos de campanhas anti-tabagistas acirradas e de restrição às propagandas de cigarros no mundo todo. Mas também pode levantar uma polêmica: a Philip Morris estaria tentando vender o veneno e o antídoto?

Trata-se de um lançamento inusitado e, ao mesmo tempo, arriscado da empresa, que é controlada pelo Grupo Altria. Inusitado porque ele é fruto de um experimento que deu errado. A idéia era criar um cigarro menos nocivo, sem tabaco (que não produzisse fumaça). O produto levaria a nicotina diretamente ao pulmão dos fumantes. Os cientistas da empresa fracassaram nessa tentativa, mas descobriram um inalador que leva remédios contra esclerose, diabetes e doenças pulmonares para o pulmão, onde as substâncias são absorvidas mais rapidamente pela corrente sangüínea (confira como o inalador funciona no gráfico ao lado). A descoberta pode representar a entrada da Philip Morris em um mercado estimado em US$ 25 bilhões só nos EUA, o de inaladores e medicamentos desse tipo. É aí que entra a parte arriscada do negócio: como é que a indústria farmacêutica e os ativistas anti-tabaco reagirão à intenção da fabricante de cigarros de entrar no mercado de tratamentos médicos? Por enquanto, a companhia não se preocupa com isso. O inalador não tem data de lançamento e ainda tem de ser aprovado pela rigorosíssima FDA, espécie de Anvisa americana. ?A Philip Morris só tem a ganhar com a iniciativa. Para seus clientes, a empresa não é vilã, é uma fornecedora como qualquer outra. E, para os anti-tabagistas, se a empresa cumprir o que promete, que é oferecer um produto que melhore o tratamento de doenças crônicas, ela ganha pontos?, opina Luiz Fernando Lucas, diretor da Meglio Consultoria de Marcas.

A Philip Morris também vem mexendo seus pauzinhos para manter suas marcas em alta no mercado e driblar a proibição às campanhas de cigarro. O Marlboro, nome mais poderoso da indústria tabagista mundial, é, mesmo sem a ajuda dos caubóis de suas propagandas, líder de vendas nos EUA, com 40% do mercado. O segredo do sucesso é uma atitude agressiva de marketing não-convencional, que prioriza a relação direta com o consumidor em ações promocionais nos pontos de venda e na Internet. ?O Marlboro trabalhou muito bem a construção da marca por anos. Não precisa mais de propaganda para se firmar?, afirma Lucas. A marca tem 26 milhões de americanos cadastrados em seus sites.

A Philip Morris parece não ter mesmo com o que se preocupar. A previsão de lucro para 2006 é de US$ 11,4 bilhões ? quase o dobro do resultado de 2004. No Brasil, a melhora de participação de mercado (ela tem 15%) está, desde o dia 1 de novembro, nas mãos de Amalia Sina, ex-presidente da Walita. A executiva assume a presidência da filial brasileira com a missão de imprimir, em sua gestão, algumas das características que a tornaram mais conhecida: agilidade e bom relacionamento com a clientela. Tudo o que a Philip Morris mais aprecia no momento.